De passagem pelo Brasil, o chef Alain Llorca mostrou como uma cozinha tradicional francesa surpreende a alma
Fábio Farah Publicado em 29/11/2007, às 15h30 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
A "Pizza Mediterrânea" de Llorca: harmonização com Riesling Alsaciano |
A missão dos grandes chefs é surpreender os comensais. Sempre. Surpreender os sentidos, surpreender a alma. Não importa o estilo de cozinha. No Enogourmet deste mês, o editor de vinhos Luiz Gastão foi surpreendido pela cozinha espanhola vanguardista dos irmãos Sergio e Javier, sócios do Eñe. No lado oposto, fui surpreendido pela tradição francesa sob o olhar do conceituado chef Alain Lorca, proprietário do Moulin de Mougins, fundado pelo consagrado Roger Vergé na Cote D’azur. “Para mim, a criação gastronômica é uma procura perpétua e inconsciente. Tenho alguns flashes”, revelou Llorca, que comandou um festival no Brasil.
Ele iniciou o menu degustação com os “Bonbons de Foie Gras”. O chef desenvolveu uma técnica para "embrulhar" o foie em uma camada caramelizada, feita com uma combinação de açúcares. Os “bombons” (eram três) deviam ser levados à boca com as mãos. Após a mordida, os estilhaços doces de crocância contrastaram-se deliciosamente com a maciez untuosa do foie, preparando os comensais para uma seqüência surpreendente. A harmonização com o “Tabalí Cosecha Tardia 2005” teria sido satisfatória se a personalidade do fígado tivesse dominado o paladar desde o início.
Da mesma maneira que a primeira entrada, a “Pizza Cuisinée comme en Méditerranée” já despertava a curiosidade antes de chegar à mesa. Qual seria a releitura de Llorca para um dos ícones da cozinha italiana? No centro do prato, três cubos de tomate repousavam sobre uma massa, e dois aspargos “brotavam” entre eles, parecendo duas “antenas” criadas para captar a impressão dos gourmets. Os protagonistas eram cortejados por diversos elementos, como tiras de pimentão, pedaços de azeitona preta, polvo. Eu observava atentamente a pizza, tentando descobrir todos os seus elementos, quando recebi as instruções de como deveria degustá-la: “O prato deve ser bagunçado”. Com os talheres, transformei a pizza em um caos saboroso. A massa se desfazia no paladar, revelando berinjela, amêndoa, azeitona e aliche. A “pizza” exalava os sabores e os aromas mediterrâneos. Seu frescor casou bem com o alsaciano “André Kienztler Riesling 2004”. O toque mineral do vinho também acentuou a presença do mar.
Ainda com os sabores marcados no palato, recebi à mesa o “Crevettes Snackées, Croustillant de Pomme de Terre, Huile d’ Agrumes”, harmonizado com o “La Vignée 2005”, um Chardonnay produzido na Borgonha. Esse prato revelava duas características do chef: a valorização de produtos frescos, que caracteriza os grandes nomes da cozinha contemporânea, e a utilização de sabores ácidos. “Dá um aspecto agradável na boca”, justificou Llorca. A suave crocância da crosta de batata encobria a maciez do camarão. O sabor cítrico insinuava um toque sutil de picância. Não havia nada dissonante. Os elementos tocaram o paladar em harmonia. E o vinho imprimiu complexidade nesse delicioso jogo gustativo.
“Crevettes Snackées, Croustillant de Pomme de Terre, Huile d’ Agrumes” |
Um aroma intenso de defumado invadiu o restaurante antes da chegada do “Selle d’Agneau, Aubergine à la Flamme, Jus d’um Rôti au Curry”. O responsável era a berinjela, preparada de maneira especial: Ela foi “queimada” no fogo, com uma chama, antes de ser peneirada e misturada com azeite de oliva. O resultado: uma composição cremosa, com forte sabor defumado e leve doçura. Para imprimir mais frescor – e complexidade - um chutney de manga com curry, que contrastou muito bem com o lombo de cordeiro e a berinjela. A escolha para a harmonização foi um “Château Signac Terra Amata”, do Rhône. Nesse caso, o vinho não fez frente a todos os sabores do prato. Mas não comprometeu a degustação.
Nas sobremesas, o chef manifestou sua predileção pelos clássicos. A prédessert uniu uma receita tradicional nova-iorquina, criada no Le Cirque, a um aroma – e sabor – bem presente na Provence, a lavanda. A delicadeza e o perfume do “Creme Brûlée à Lavanda” prepararam o paladar para uma sobremesa mais intensa: “Savarin Chocolat, Chantilly à Baunilha”. Um desfecho memorável para um banquete recheado de surpresas.
Le Moulin de Mougins: Quartier Notre- Dame-de-Vie, 06250 - Mougins - France Tel.: +33 (0) 4 93 75 78 25