Os famosos navegadores nórdicos teriam produzido o primeiro vinho das Américas
Arnaldo Grizzo Publicado em 25/10/2024, às 06h00
Teriam os vikings, os famosos e temidos navegadores nórdicos, produzido o primeiro vinho das Américas?
A Europa ainda vivia nas sombras do tempo medieval e os povos sequer imaginavam que a terra pudesse ser redonda. Por volta do ano 1000 d.C., a América era uma parte do globo desconhecida, que só seria “descoberta” e colonizada pelas nações ocidentais cerca de meio milênio depois – quando Colombo cruzou o Atlântico para chegar às “Índias”.
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Diz-se que, com os europeus, a cultura da vinha se instituiu também deste lado do mundo.
No entanto, resquícios de um assentamento no Canadá apontam que um viking teria alcançado a América mais de 500 anos antes de Colombo.
Curiosamente, Vinland (ou seja, “Terra do Vinho”) é o nome dado às terras exploradas e brevemente colonizadas pelos nórdicos na América do Norte por volta do ano 1000 – em Newfoundland, em um local conhecido como L’Anse aux Meadows, que foi descoberto por arqueólogos na década de 1960.
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Vinland corresponderia a um conjunto de terras “ricas” que teriam sido descobertas por Leif Erikson, filho de Erik, o Ruivo – que fundou o primeiro assentamento nórdico da Groenlândia. A Vinland teria se tornado uma fonte de diversos recursos que eram colhidos e depois transportados para a Groenlândia e a Islândia a partir do assentamento em L’Anse aux Meadows.
No século XIII d.C., foram escritas duas importantes sagas islandesas, “A Saga dos Gronelandeses (Saga Grünlendinga)” e “Saga de Erik, o Ruivo (Eiríks saga rauða)”, que contam as histórias das viagens vikings para a América, que teriam ocorrido em algum momento entre os anos de 970 e 1030.
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Elas são mais conhecidas como as “Sagas de Vinland”. Embora dificilmente sejam relatos de testemunhas oculares, elas lembram pessoas reais e eventos pelo menos parcialmente preservados por meio da tradição oral.
A saga dos groenlandeses começa com a história de Bjarni Herjólfsson, que, navegando em direção a seu pai na Groenlândia, é desviado para uma terra desconhecida que tinha “pequenas colinas e estava coberta de florestas”. Ele, contudo, decide não desembarcar.
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Assim, o primeiro a pisar em solo norte-americano é Leif Erikson alguns anos depois.
Na “Saga de Erik, o Ruivo”, diz-se que, durante uma viagem, Erikson é desviado de seu curso normal, indo parar na América do Norte. Primeiro, ele e sua tripulação alcançam uma laje de pedra coberta de glaciares que chamam de Helluland (“Terra de laje de pedra”), depois uma terra plana e repleta de florestas que chamam de Markland (“Terra da Floresta”) e, finalmente, encontram uma terra rica onde fazem uma base chamada Leifsbúðir. Ao explorar as terras vizinhas, Leif e seus homens descobrem uvas e madeira que trazem de volta à Groenlândia, batizando a nova área de Vinland.
Todos os recursos da região, como caça, pesca, uvas, peles, ferro e madeira, constituíram o principal objetivo das viagens para Vinland. As mercadorias provavelmente eram reunidas, estocadas em L’Anse aux Meadows e depois transportadas de volta para casa.
Em “A Saga dos Gronelandeses”, por exemplo, diz-se que nenhum navio mais rico partiu da Groenlândia do que aquele que Thorfinn Karlsefni – marido de uma cunhada de Erickson – capitaneou. Acredita-se que cada expedição tenha durado entre um e três anos.
O vinho não era apenas uma bebida festiva na sociedade nórdica, mas um ingrediente crucial nas estruturas de poder político e religioso – os vikings eram cristãos. O vinho importado da Alemanha ou da França era especialmente valorizado por causa de suas qualidades inebriantes, sua associação com poderes divinos, mas também porque era raro e caro.
Vale lembrar ainda que muito do “vinho” nórdico não era feito de uvas, mas de outras frutas, como maçã, morangos, mirtilos etc. Dessa forma, não é de se estranhar que Leif Eirikson tenha nomeado a terra encontrada como Vinland graças ao acesso que ela lhe dava ao vinho.
Lá as uvas cresciam abundantemente em meio às árvores e sobre elas. Acredita-se que as uvas eram recolhidas, assim como a madeira das vinhas para serem usadas como lenha, pois, como as uvas silvestres crescem entre as árvores de folha caduca, elas podem ser encontradas nas mesmas áreas de madeiras duras e valiosas, como o bordo e o carvalho.
A datação por carbono indica que L’Anse aux Meadows foi construído entre 980 e 1020. O local era excepcionalmente grande para um assentamento nórdico e era capaz de abrigar entre 70 a 90 pessoas.
Na época, porém, a colônia nórdica na Groelândia tinha um número estimado de 400 a 500 indivíduos apenas, portanto, acredita-se que simplesmente não haveria pessoas suficientes para povoar um segundo assentamento na América. Além disso, a distância era enorme e o trajeto difícil até mesmo para os intrépidos vikings.
Assim, há sinais de que L’Anse aux Meadows foi abruptamente abandonado, provavelmente menos de dez anos depois de ter sido construído, sendo completamente esvaziado – os vikings levaram todos os seus utensílios de volta. Apesar dos “tesouros” da Vinland, o empreendimento era provavelmente muito trabalhoso para valer a pena.
A Europa, por outro lado, estava mais perto, possuía recursos semelhantes e mais facilidades. Ainda assim, acredita-se que houve jornadas vikings na área pelo menos até 1347. Infelizmente, não há resquícios de materiais que indiquem produção de vinho no local ou algo do gênero, mas os vikings certamente foram os primeiros a brindar a terra nova.