Portugal, muito mais que o País do Vinho do Porto

Nos últimos anos Portugal decidiu investir nos vinhos não fortificados, e é hoje uma grande sensação no mundo vitivinícola

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 02/04/2008, às 08h41 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45

Portugal é o país vitivinicultor que mais se transformou nos últimos anos. Há cerca de 10 anos Portugal era um País conhecido por produzir um dos vinhos mais famosos mundo: o Vinho do Porto. Além dele, Portugal também é famoso por outros 2 fortificados: o Vinho Madeira, produzido na ilha portuguesa de mesmo nome, e os Moscatéis, produzidos em maiores e expressivas quantidades na região de Setúbal.

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Os demais tipos de vinhos ficaram durante muito tempo restritos ao consumo interno e tiveram pouco foco na exportação. Estremadura e Ribatejo - que durante anos foram as maiores regiões em volume de produção em vinhos de mesa - quase sempre produziam vinhos em alto volume e sem muita expressão. O quente Alentejo também produzia bons vinhos de mesa, mas com pouca técnica. Fato que, aliado a criação de uma enxurrada de cooperativas após a Revolução dos Cravos no início da década de 1970, deixou a grande maioria dos vinhos dessa região longe de prateleiras mundo afora. Bairrada e Dão - algumas da mais tradicionais regiões do país - produziam bons exemplares, mas quase sempre rústicos e ausentes de elegância, construídos para o paladar do português.

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As Terras do Sado, também ficaram paradas por muitos anos investindo em vinhos de pouca expressão.

Um dos carros chefes do país foi o vinho rosé, que agora volta a todo vapor com o novo boom dos pinks.

Felizmente isso tudo mudou! Se você é um apreciador de vinhos, Portugal, mais do que nunca, oferece farta variedade de uvas não usuais, com aromas e sabores diferenciados. Assim, seguimos as raízes portuguesa, de coragem e espírito desbravador para degustar grandes e variadas expressões do vinho português.

O Fenômeno Michael Porter
No começo do novo milênio a ViniPortugal - uma associação para a promoção dos vinhos portugueses no mercado nacional e exterior - decidiu contratar o gênio de marketing Michael Porter, para a realização de um estudo sobre o vinho português e sua imagem. A conclusão foi clara. Os produtores portugueses, em sua grande maioria, trabalhavam para dentro, e não investiam em uma visão estratégica de mercado. Esse estudo fez tão bem a Portugal, que um movimento claro de exportação surgiu. Exportação em todos os sentidos, desde a participação maciça em feiras, até o foco na mídia mundial do vinho. Isto acabou sendo um dos impulsionadores da revolução portuguesa na produção de vinhos de mesa de qualidade.

Douro, a sensação de Portugal
A transformação ocorreu em todo o país, mas foi na região do Douro, no norte de Portugal e a leste da cidade do Porto, que a mais significativa mudança aconteceu. Essa região vinícola é uma das mais lindas do mundo, com seus socalcos e o belo Rio Douro com seus afluentes. A produção de uvas no Douro era destinadas quase totalmente para a produção do mais cobiçado vinho fortificado do planeta, o Vinho Porto. Pois bem, muitas das uvas antes reservadas às grandes marcas de Vinho do Porto foram destinadas para um novo propósito, os vinhos de mesa. Quintas que vendiam suas uvas começaram a conceber projetos próprios e a revolução foi impressionante. Portugal começou a mostrar ao mundo sua vocação para a produção de vinhos de mesa. Os vinhos do Douro possuem muita personalidade e são elaborados com uvas autóctones do país. A diversidade é grande, e destacam- se uvas como a Touriga Nacional que, muito aromática, concede a seus vinhos caráter de frutas, como ameixas maduras, e muita carga floral - o aroma de violetas é uma de suas marcas registradas. Esta uva é a flagship do país, e é a partir dela que Portugal vai mostrar ao mundo seus grandes vinhos de mesa. Em vinhos varietais essa uva é sublime, mas quando blended com outras uvas, atinge resultados ainda mais espetaculares. Douro e Dão disputam a paternidade dessa uva, que hoje é plantada em praticamente todas as regiões de Portugal.

A Tinta Roriz é a espinha dorsal de muitos vinhos do Douro, sendo essa a mesma uva que a Tempranillo - muito familiar nos vinhos espanhóis. As outras uvas de destaque são a Souzão, uva que concede muita cor e vivacidade aos vinhos, a Touriga Franca, a Tinta Amarela e a Tinta Barroca.

A região é vasta e vai desde a cidade do Peso da Régua até a fronteira com a Espanha. As macro-regiões do Douro são o Baixo Corgo (Régua como a principal cidade), Cima Corgo (a cidade do Pinhão é o centro dessa Região), e o Douro Superior (várias cidades importantes, com destaque para Vila Nova do Foz Coa). O Rio Douro e seus afluentes - como o Corgo, o Tedo, o Távora, o Torto e o Côa - são de fundamental importância para viticultura local. Essa bacia fluvial é um patrimônio mundial.


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Nesta região, encontramos um dos mais organizados movimentos de valorização do vinho português, os Douro Boys. Este grupo de composto por 5 importantes Quintas é destaque, quando o assunto é vinho português de qualidade na mídia mundial. O grupo é formado pela Quinta do Vallado, Quinta Vale Dna. Maria, Quinta do Vale Meão, Niepoort (Quinta de Nápoles) e Quinta do Crasto. Essa última produziu o Quinta do Crasto Touriga Nacional 2004, um dos poucos vinhos '5 estrelas' publicados na seção Cave da Revista Adega em 2007 - uma obra prima do jovem Tomás Roquette.

Apesar de não ser ainda o forte da região, podemos encontrar excelentes vinhos brancos a base das uvas autóctones do Douro como Rabigato, Códega, Donzelinho, Viozinho, Gouveio e Arinto. Dirk Niepoort tem realizado ensaios com uvas 'brancas' internacionais na região, e seus resultados têm sido excepcionais. Podemos esperar por grandes surpresas.

Alentejo
É uma das regiões vitivinícolas mais quentes de todo o Velho Mundo. Localizada ao sudeste de Lisboa, no verão algumas de suas sub-regiões alcançam temperaturas de 45 graus centígrados. Essa região é comporta 7 grandes denominações de origem: Évora, Redondo, Reguengos, Granja Amarela, Moura, Vidigueira e Borba. O destaque aqui é a barragem de Alqueva que após sua finalização gerou o maior lago da Europa.

Aqui temos também Touriga Nacional e Tinta Roriz - que no Alentejo é chamada de Aragonês -, mas as mais locais são Trincadeira (no Douro é chamada Tinta Amarela), Alicante Bouchet e Alfroxeiro, como grandes destaques, ao lado de "francesas" como Syrah (uma explosão na região nos últimos anos) e Cabernet Sauvignon.

A história do desenvolvimento dessa região aparece nos números. Em 1990 existiam na região cerca de 24 produtores e um número muito grande de cooperativas. Após pouco mais de 15 anos, o número de produtores registrados no Alentejo chega a mais de 230.

Essa região há menos de 10 anos era a 3ª em volume de vinho produzido em Portugal. Há alguns anos o Alentejo assumiu a liderança e hoje mantem-se como a região número 1 de Portugal.

São provenientes de Borba (com a linda cidade de Estremoz como destaque) e Reguengos (Reguengos de Monsaraz é a mais imponente cidade) os principais vinhos dessa região.

Os bons brancos da região têm na uva Roupeiro sua principal base. Ainda no Alentejo, existem interessantes experiências com uvas francesas como Roussane, Marsanne e Semillon. Quem comandou com sucesso esses experimentos foi o especial enólogo australiano David Baverstock, que começou no Douro, na Quinta do Crasto, e hoje comanda a Herdade do Esporão.

Dão & Bairrada
Em termos de tradição, essas 2 regiões são muito especiais. Esses vinhos têm a cara da antiga Portugal, sendo quase sempre rústicos, com taninos de difícil amadurecimento e boa capacidade de guarda. O Dão é uma terra de vinhos com muita profundidade, personalidade e elegância. Durante décadas tendeu para produção de vinhos de volume, mas se você souber procurar, pode achar grandes exemplares. A grande região tem Viseu como sua capital - cidade onde o Fado é quase uma religião. Encontramos aqui inúmeras uvas locais como a Touriga Nacional, mas os destaques são as tintas Alfrocheiro Preto, Jaen e Bastardo, e podemos ver também a uva Baga - destaque na região vizinha da Bairrada. Dentre as uvas que produzem vinhos brancos, está no Dão talvez a mais especial de toda Portugal, a robusta e também profunda uva Encruzado.

O Dão é a região que tenta mudar, e a cada ano lança vinhos que se aproximam mais da modernidade, mas sem nunca perder a personalidade e principalmente a elegância.

A Bairrada é uma região, em se tratando de vinhos tintos, de uma uva só. A uva Baga reina absoluta produzindo vinhos muito intensos. Seus taninos parecem uma rocha de tão duros. Para amansá-los, o trabalho fica por conta da maturação na videira e dos enológos na adega. A região luta bastante para mudar a imagem de vinhos difíceis e rústicos. Na Bairrada encontramos a harmonização perfeita dos espumantes com o famoso Leitão da Bairrada.

Os vinhos brancos da região são destaques, e por aqui temos algumas uvas realmente especiais. Os vinhos produzidos a partir da Bical e da Cercial são excelentes. A uva Maria Gomes pode produzir tanto vinhos tranqüilos, quanto ótimos espumantes. As principais cidades da Bairrada são Mealhada e Anadia.

No intermezzo entre Bairrada e Dão temos um dos locais mais lindos de Portugal, o Hotel Palace do Buçaco. Aliás, Buçaco - além de uma enorme zona verde entre o Dão e a Bairrada - é o nome de um dos vinhos mais longevos do Mundo, produzido nas cercanias do Hotel. O saudoso José dos Santos criou ao longo de sua vida deslumbrantes vinhos nesse Palácio. Seu segredo era simples: escolher os melhores vinhos da Bairrada e do Dão, loteá-los à sua maneira e envelhecê-los apaixonadamente. O Buçaco tinto é uma raridade, e leva a uva Baga como a espinha dorsal do blend. Nesse vinho temos ainda Tinta Pinheira e Bastardo. O Buçaco Branco é sem dúvida o vinho branco português que mais tempo na garrafa precisa para mostrar suas qualidades. Visitar o Hotel Palace do Buçaco é uma grande experiência.

No mapa do vinho de Portugal essas 2 regiões pertencem a macro-região de Beiras, sendo o Dão na Beira Alta e a Bairrada na Beira Litoral.


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Estremadura, Ribatejo & Península de Setúbal
Ao norte de Lisboa temos a Estremadura, ao nordeste o Ribatejo e ao sudeste a Península de Setúbal - onde está incrustada a denonimação de origem controlada (DOC) de Palmela. Estremadura e Ribatejo já foram número 1 e 2 do país em volume produzido. Palmela é a região onde está a sede de dois dos maiores conglomerados vitivinícolas de Portugal, a J.M. da Fonseca e a JP Vinhos.

Os investimentos e o foco na mudança da imagem dessas regiões, de produtora de vinhos ordinários para grandes vinhos têm sido notórios.

A Estremadura - onde se situam as denominações de origem Óbidos, Colares, Bucelas, Alenquer e Torres Vedras - abalou a Península Ibérica em novembro de 2002, quando um de seus vinhos foi campeão de uma degustação histórica. O crítico espanhol José Peñin, escolheu os 15 melhores vinhos da Espanha e idealizou um challenge. Desafiou a Revista de Vinhos de Portugal, e agendou 2 grandes degustações entre os melhores vinhos da Espanha versus os 15 melhores de Portugal. O acordado foi que todos os vinhos seriam degustados em terras portuguesas e na seqüência em terras espanholas. Pois bem, nas 2 degustações só um vinho foi aclamado em primeiro lugar. A jóia que derrotou Alion 1999, Cirsion 1999 da Bodegas Roda, Quinta do Crasto Vinha da Ponte 2000 e Niepoort Batuta 2000, dentre outros, foi o Quinta do Monte D'Oiro Homenagem a Antonio Carquejeiro 1999. Um vinho elaborado com inspiração nos Côte Roties do Vale do Rhone com cerca 94% de Syrah e o restante de Viognier.

Nos arredores da lindíssima Óbidos podemos encontrar um dos bons espumantes de Portugal, o excelente Loridos. Dentre seus produtos, o borbulhante e profundo Loridos Chardonnay e o pungente Loridos Bruto são os destaques. Ainda nessa propriedade foi recém lançado um excelente branco a base da uva Alvarinho.

O Ribatejo tem bons vinhos a base de uvas francesas como Cabernet Sauvignon e Merlot, mas é também com a Syrah que vem fazendo a diferença. Na matéria de capa sobre a uva Syrah publicada por ADEGA no final do ano passado, um dos melhores e mais especiais Syrahs foi o Quinta do Alqueve Syrah 2001, um vinho sensacional que recebeu 4,5 estrelas.

Os tintos e brancos de Palmela estão muito bem posicionados quando o assunto é vinho a base de uvas francesas. Das locais a uva tinta Periquita (ou Castelão) é a uva mais difundida, produzindo desde vinhos muito simples até "topos de gama", como dizem os próprios Portugueses. É nas Terras do Sado (dentro de Palmela) que está a Quinta da Bacalhoa, produtora do melhor Cabernet Sauvignon de Portugal. No ano 2000 essa Quinta, do mega empresário Joe Berardo, lançou o seu vinho top de Linha, o Palácio da Bacalhoa, um blend de Cabernet Sauvignon com Merlot.

Os vinhos brancos dessa região são muito bons, principalmente da Estremadura (Colares e Bucelas), produzidos em sua grande maioria à partir das uvas Arinto, Esgana Cão, Rabo de Ovelha e Fernão Pires - sendo essa também um bom exemplar para os vinhos do Ribatejo. A francesa Chardonnay faz bastante sucesso em Palmela.

Vinho Verde & Minho
A região do Minho é quase sinônimo de Vinho Verde, apesar de também produzir vinhos à partir de uvas maduras que não levam o nome de Vinho Verde. Pois bem, o Vinho Verde é uma das marcas do vinho português. Produzido com uvas ainda não totalmente maduras, podem ser brancos verdes ou tintos verdes. Com certeza, a presença maciça desse estilo de vinho é na versão 'Vinhos Verdes Brancos'.

As principais características desses vinhos são leveza, frescor e na maioria das vezes pequenas bolhas. Frequentemente, no caso dos Vinhos Verdes, podemos encontrar certa efervescência. A região do Minho fica ao norte da Cidade do Porto, também conhecida como Costa Verde. A região demarcada do Vinho Verde é a mais vasta dentre todas em Portugal, começando no Vale do Cambra, nas cercanias do Rio Douro, e extendendo-se até o Rio Minho, já quase na fronteira com a Espanha.

A DOC Vinho Verde é oficialmente dividida em 6 sub-regiões. É na sub-região de Monção que podemos encontrar os mais belos e bem elaborados Vinhos Verdes de Portugal, onde a uva Alvarinho é a rainha, produzindo excelentes exemplares.

Mais ao Sul temos ainda outras importantes uvas para produzir os brancos mais típicos de Portugal. São elas a excelente Loureiro, a especial Trajadura e a ultra-versátil Arinto - que no Minho leva o nome de Pedernã.

Os tintos verdes, são na maioria das vezes vinhos muito duros e ácidos, estando nos dias de hoje fora do circuito dos bons vinhos mundiais.

Grande Degustação de Adega
A revista ADEGA teve a oportunidade de provar quase uma centena de vinhos desse especial País, e os principais destaques encontram-se na seção Cave desta edição.

É muito prazeroso poder afirmar que Portugal está hoje entre os grandes produtores de vinhos de mesa do mundo. Fruto do trabalho e dedicação de um povo que sempre teve o vinho nas veias. O vinho nas mesas de Portugal é parte integrante e imperativa, seja no almoço ou no jantar.