Somos todos contra a Salvaguarda. E agora?

Deunir Argenta, presidente da Uvibra, em entrevista exclusiva

Christian Burgos Publicado em 15/06/2020, às 15h27 - Atualizado às 15h32

Desde que a reportagem exclusiva foi publicada por Adega, na 5ª feira, 11 de junho, o assunto sobre “salvaguarda para o vinho produzido no Brasil” mobilizou o mercado do vinho. Cumprimos nosso papel de analisar e informar, e o engajamento do mercado foi decisivo.

Durante o fim de semana, conversamos com grandes e pequenos produtores nacionais, assim como líderes do setor que se posicionaram claramente contra uma salvaguarda.

Toda a discussão resultou na Nota de Esclarecimento e Compromisso da Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura), também publicada com exclusividade por Adega, no domingo, 14 de junho.

Entre estes líderes, tive a oportunidade de conversar com Deunir Argenta, presidente da Uvibra, algo que confesso poderia ter feito antes, já que sempre tivemos uma relação de respeito e amizade, inclusive quando discordamos.

Muitas das mensagens que recebi no fim de semana eram de perplexidade, “porque a indústria não se une para fazer o vinho como um todo crescer?”.

 É isto o que pensamos em ADEGA e o que esperamos seja o norte da indústria ao superar este tema: uma união em torno da cultura do vinho de qualidade, sem fronteiras, que respeita e abraça todos os produtores – brasileiros e estrangeiros.

Enfim, na visão de ADEGA, precisamos cessar irracionalidades, estender a mão e devemos estar unidos pelo vinho.

Aqui você lê os principais trechos da entrevista exclusiva com Deunir Argenta, presidente da Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura):

 

ADEGA: Qual é sua posição agora com relação à uma proteção de mercado via cotas e salvaguardas como presidente da Uvibra e qual era sua posição quando a demanda foi feita anteriormente?

Deunir Argenta: No passado, o setor temia pela crescente volume de importações a preços irrisórios atrelado a uma estrutura competitiva interna que se deteriorava ano após ano. As tributações tiveram suas alíquotas sempre corrigidas para cima, a substituição tributária consumia o capital de giro que as empresas não dispunham, fontes de financiamento foram se tornando mais escassas e tabela base da matéria-prima sempre sendo corrigida pelo governo, independente do contexto competitivo.  Imagine conciliar isso tudo em uma indústria que além de tudo é dependente de recursos financeiros, uma vez que o seu ciclo operacional é extremamente longo. É desesperador! Enfim a falta de interlocução com nossos governantes no passado levou a medidas extremas como a salvaguardas, por exemplo. Na época reconhecemos que o movimento foi um erro e desde então procuramos buscar soluções que proporcionem a equidade competitiva, a consonância de questões técnicas e a redução do "custo Brasil" à estrutura competitiva interna de nossa indústria. O termo salvaguardas foi abolido do dicionário do produtor nacional e, por isso, tranquilamente reforço que não existe qualquer intenção em ressuscitar esta questão. Quando negociamos com o Governo - diga-se de passagem tem sido aberto e transparente com o setor - ao longo de 2019 o tema do acordo Mercosul e União Europeia, consentimos com diversas determinações apresentados pelos produtores globais, dentre as quais a exclusão do sistema de cotas (litros/importação anual). Não iremos deixar de honrar nosso compromisso. Faremos a nossa parte.

Uma vez que a demanda 2 não tem a intenção de abrir espaço para salvaguarda, qual é o seu propósito?

O objetivo sempre foi barrar o descaminho, o acesso de produtos adulterados/falsificados e o subfaturamento. Está aí uma importante fatia de mercado que impede o crescimento e o desenvolvimento de todos os players que prezam pela seriedade, transparência e profissionalismo.

A posição da carta compromisso é clara ao negar estas barreiras. Agora, qual é a próxima ação da Uvibra, visto que o documento   protocolado junto ao Governo Federal permite interpretação indesejada?

Veja que a pauta endereçada para o Governo não é uma garantia de que o mesmo consentirá espontaneamente com nossos pleitos. Sempre existem inúmeras rodadas de conversa para esclarecimentos, argumentações, contra- argumentações, exposição de dados, pesquisas, estudos e análises de impacto econômico. A nossa intenção seria a provocação de uma reunião, antes de qualquer coisa. Mas como assumimos o compromisso público de não pleitear os temas que geraram interpretações dúbias, direcionaremos previamente para o Governo Federal a mesma nota de esclarecimento compartilhada nos veículos de comunicação e mesmo assim atualizaremos a pauta de reinvindicações para evitar novos mal-entendidos.

Existem, no entanto, demandas na carta entregue ao Governo Federal que, ao nosso ver, são claras e justas. Uma vez descartada a interpretação de pedido de protecionismo, como podemos atacar o inimigo real da indústria que é o descaminho (contrabando)?

Acredita-se que o volume informal proveniente do descaminho é muito superior à produção nacional de vinhos finos. O primeiro grande passo é um investimento público na estrutura fronteiriça do país. O segundo é a conscientização do mercado em não revender estes produtos. Por fim, o nosso papel como consumidor: queremos alimentar algo que não gera impostos, que não é reinvestido no país e que pode muito bem ser falsificado e denegrir a imagem da bebida?

O sr. pode nos falar sobre o Modervitis, uma contrapartida para o acordo de zerar o Imposto de Importação da Comunidade Europeia?

O Modervitis, acima de tudo, é fruto da compreensão do Governo Federal sobre a real situação econômica do setor vinícola nacional. Em determinado encontro, fomos questionados de porquê tantas vinícolas cessaram operações ao longo dos últimos anos? Embora pouco representativo em termos econômicos o papel social do setor é muito importante, especialmente, para a região Sul do país. São mais 100 mil pessoas que dependem da cadeia vitivinícola. O Modervitis está em fase avançada junto ao Governo e ele garantirá, por tempo determinado, o reinvestimento da arrecadação de determinados impostos federais para a modernização do setor vinícola nacional. Acreditamos que em breve teremos acesso à minuta final e poderemos apresentar maiores detalhes.

Dito tudo isso, qual é o caminho geral para uma união da indústria em torno do aumento do consumo do vinho no Brasil e outras pautas construtivas?

Existe um pensamento coletivo muito forte em prol da qualificação constante de nossos produtos, seja por meio de remanejo de vinhedos, aprimoramentos técnicos ou novas tecnologias. Essa é a base. As novas pautas, certamente, serão cada vez mais transparentes, ponderadas e discutidas com os diversos players do mercado. Como falamos, não temos interesse e não iremos boicotar importações, e esperamos que não o façam contra nós.