Uma das vinícolas mais antigas do Chile, a Santa Carolina é tida como Monumento Nacional e traz consigo um pedacinho da história do país
Por: Carolina Almeida Publicado em 16/05/2012, às 07h15 - Atualizado em 15/06/2015, às 11h32
Hoje, quando pensamos em vinhos do Novo Mundo logo associamos o Chile. Um país de vinicultura nova e de tradições recentes. Mas não é bem assim. No Chile existem, sim, vinícolas novas, mas isso não exclui o fato de existirem também algumas centenárias que remontam ao período da filoxera (que atingiu o mundo todo mas não o país andino). Uma delas é a Santa Carolina, um ícone quando se fala em Chile.
Chile é o país dos vales, das vinícolas, das paisagens. O cenário hollywoodiano de lá, o céu azul, as nuvens que parecem ter sido milimetricamente desenhadas, os infindáveis vinhedos e as arquiteturas grandiosas são alguns dos ingredientes que tornam esse um dos destinos enoturísticos mais procurados do mundo. Mas até chegar nisso, passaram-se longos anos - e muita história.
Desde a invasão dos espanhóis, o país mostrou garra para se tornar o que é hoje: uma grande potência vinícola. Mas o caminho não foi fácil. Durante os séculos XVI e XVII, o Peru era o polo vitivinícola da América do Sul e os espanhóis que habitaram a região tinham nas zonas costeiras e do sul os principais focos produtores. Mas vieram as guerras de independência da América espanhola, que duraram décadas, e o Peru foi perdendo influência, ao mesmo tempo em que o vizinho de baixo, Chile, foi crescendo. Pouco depois, de 1879 a 1883, aconteceu a chamada Guerra do Pacífico, envolvendo o Chile, de um lado, e as forças conjuntas de Peru e Bolívia (naquela época, a Bolívia tinha saída para o mar e ficava entre os dois outros países) de outro, pelo domínio da região do deserto do Atacama, rica em recursos minerais - desde a descolonização, havia muita controvérsia envolvendo as fronteiras entre os três.
No final das contas, o Chile, que já era um país mais robusto, saiu vencedor da guerra e anexou a região. Ganhou força, poderio, riquezas naturais e desenvolvimento, em todos os setores. Nessa mesma época, a Europa era devastada pela filoxera, e novas regiões vinícolas eram procuradas como se fossem ouro. Assim foi avistado o Chile, um país pequeno, estreito, mas de ótimas condições para o crescimento de videiras. Nesse cenário surgiu a Viña Santa Carolina, uma das bodegas mais antigas do Chile.
Em 1875, o advogado Luis Pereyra Cotapos decidiu tornar real seu projeto de elaborar vinhos de qualidade e contratou um grupo de enólogos franceses - do qual fazia parte Germain Bachelet, um dos fundadores da nova vitivinicultura chilena - para ajudá-lo a selecionar as melhores uvas de Bordeaux e introduzir em sua vinícola, Santa Carolina, nome que homenageava sua esposa, Carolina Iñiguez Vicuña. Entre as cepas escolhidas para o Vale Central estavam a Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Malbec, Sémillon e a Moscatel.
Dois anos mais tarde, o arquiteto francês Emile Doyeré fez o desenho da vinícola, que deveria cumprir com as melhores condições de armazenagem de barricas, assegurando o cuidado na produção de vinhos. Passada uma década, houve a primeira ampliação da Santa Carolina, quando foram erguidos dois pisos, no mesmo estilo colonial de antes, e uma cave subterrânea que, para a época, foi um grande avanço. O ano era 1888, quando toda a tecnologia e conhecimento que se tem hoje ainda não estavam ao alcance.
Toda feita em tijolo, com piso de terra e cheia de arcos (como uma abóbada), que dão ares romanos misturados com um certo classicismo, a Bodega Subterrânea foi feita para manter a temperatura da sala em 14°, no inverno ou no verão. Ao todo, são cerca de 3 mil barricas de carvalho, e é possível armazenar 9,5 mil litros de vinho. Até hoje, um dos maiores atrativos da vinícola é sua cave subterrânea centenária.
No decorrer dos anos, outras pequenas mudanças foram feitas, sempre visando conservar a arquitetura, com o mesmo arquiteto. Durante a segunda reforma por que passou, a fachada ganhou cinco metros a mais e a superfície edificada foi ampliada para 2.500 m². A vinícola é toda feita com teto de madeira, isolado com barro e coberto por telha chilena.
Em 1973, quase um século depois de o projeto ter saído do papel, veio o mais importante reconhecimento: a Santa Carolina foi declarada Monumento Nacional do Chile, e hoje em dia é o único edifício industrial de alvenaria.
Em fevereiro de 2010, depois do forte terremoto que atingiu o Chile, a estrutura da vinícola foi afetada e, então, a Santa Carolina começou seu processo de renovação. Para não perder uma construção tão antiga, a casa histórica foi reformada e reestruturada e, junto com isso, foi construída uma grande sala de degustação dos rótulos de lá, com capacidade para 20 pessoas, além de salas de reunião. No final das contas, depois de toda a reforma, a área total do parque, para eventos ao ar livre, triplicou de tamanho em relação a antes do terremoto.