Tudo o que você gostaria de saber sobre os tintos...

...mas tinha vergonha de perguntar. No universo do vinho, existem muitos mitos, alguns equívocos e importantes dicas. Conheça algumas delas e inicie, passo a passo, sua carreira de enófilo.

Ronald Sclavi* Publicado em 17/04/2006, às 14h14 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43

Você já se sentiu envergonhado em um jantar por não perceber os aromas tostados com notas de tabaco e os sabores sutis, com nuances de frutas vermelhas européias em um vinho tinto? Ou pior: já chegou à conclusão que o seu vinho predileto foi eleito o mais fraco da noite? Calma! Não há motivo para pânico. Este garimpeiro garante: você não é exceção. Talvez, seja apenas honesto. Afinal, vivemos em um país tropical que, até bem pouco tempo, tinha vergonha da própria cachaça. Para todos nós, vinho é quase obrigatoriamente novidade. Os tintos então... Pela redenção dos novos bebedores, tentaremos simplificar este universo.

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Os dois grandes pilares de cheiros e gostos de um tinto são a fruta e a madeira. Entre ambos, há um imenso oceano vermelho onde os enófilos nadam de braçada (muitas vezes, infelizmente, as opiniões são dadas por enochatos - uma espécie que se prolifera com o dobro da velocidade das duplas de música brega e grupos de pagode; ou seja, gente que acha que sabe tudo, mas não conhece nada). Reconheça um e denuncie! Ele segura a taça pela base, apenas com o polegar e o indicador e diz que a temperatura do vinho pode ser radicalmente alterada caso sua mão percorra a haste.

Ele tem todos os equipamentos - mesmo alguns absolutamente inúteis - e faz questão de exibi-los antes do jantar. Não conhece história e nem geografia, mas vive contando curiosidades de manual. Assimila gostos e preconceitos de especialistas de verdade sem questionar. A melhor armadilha para eles é uma degustação às cegas. O sujeito é arrogante o suficiente para não recuar. Daí é simples. Peça a opinião do gênio sobre o vinho sem mostrar o rótulo, o preço e a ficha técnica. É fracasso garantido ou o seu dinheiro de volta.

Quem já viu especialistas de verdade - como os editores de ADEGA, por exemplo - provando e avaliando um vinho, sabe porque digo isso. Bocas e olfatos verdadeiramente treinados são raros e demandam tempo e experiência. Além do que, há mais mistérios entre olfato e o paladar do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Estudiosos garantem que memórias olfativas e gustativas são absolutamente particulares e carregam sentidos diferentes, como são diferentes bocas e narizes. Cheiro de vela para mim pode significar festa de aniversário e, para você, velório. E mais: ninguém garante que o sabor que eu sinto em uma fruta é o mesmo que você percebe.

Mas vamos ao que interessa: para apreciar um tinto, um dos itens decisivos é a temperatura. Vinhos tintos são servidos à temperatura ambiente, certo? Claro que não! Essa é uma daquelas bobagens que se perpetuam como a idéia de que a vírgula é uma pausa para respirar. Se fosse correto, um asmático colocaria vírgulas em lugares diferentes de um cantor lírico. No vinho é a mesma coisa. Esse absurdo atrasou em décadas o desenvolvimento da cultura do vinho no Brasil. Um tinto servido a 27º ou 28ºC é uma experiência desastrosa. A temperatura correta gira em torno de 17º e 18ºC.

Mesmo assim, não há necessidade de comprar uma adega, um cooler e um termômetro para beber corretamente. Basta levar o tinto à geladeira duas horas antes do consumo e retirar meia hora antes de servir. É tempo suficiente para que o vinho equilibre sua temperatura com o ambiente e atinja a temperatura ideal de consumo. Outro ponto que pode ser decisivo na degustação de tintos são as taças. Faça você mesmo a experiência: prove um mesmo vinho em duas taças, uma apropriada e outra comum. A diferença pode significar mais de 50% do sabor do vinho. O motivo é simples: as taças corretas têm um formato que concentra os aromas e fazem com que, ao sorver o vinho, você também sinta o seu buquê. Há no mercado taças específicas para cada tipo de uva.

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Algumas são caríssimas, tem design assinado e tudo. Para começar aos poucos, escolha uma taça para vinhos de Bordeaux. Seu formato se adapta às principais uvas tintas e você pode utilizálas até para brancos, espumantes e fortificados. Há opções em cristais e também em vidro, a preços a partir de R$ 16. Compre duas para começar. Direcione seus investimentos à bebida. Os adereços vêm depois. Outra boa dica para os iniciantes é a paciência. Isso mesmo. O vinho é uma bebida viva. Diferente de destilados e até de outros fermentados; ele reage e se transforma a partir do momento em que a rolha sai da garrafa.

Em alguns casos, quando você estiver diante de um tinto mais encorpado (os espanhóis, por exemplo), o primeiro gole pode parecer agressivo, duro. Calma! Isso significa que o vinho está um pouco 'fechado'. Se você deixá-lo aberto, ele passará por um processo de oxidação, como se envelhecesse rapidamente. Meia hora mais tarde será outro vinho. Outro dilema comum nos tintos reside entre os varietais (vinhos de uma só uva) e os assemblage (vinhos que misturam uvas). Quais os melhores? É o mesmo que perguntar quem é mais bonita Sophia Loren ou Rita Hayworth? Belezas diferentes, apenas.

A primeira apresenta traços firmes e marcantes. A segunda tem um estilo mais elegante e enigmático. Os vinhos são assim. O que realmente pode diferenciá-los é a expectativa de quem toma. De um modo geral, um varietal permite comparações mais rápidas e mais fácil assimilação. Já um assemblage demanda mais atenção e cuidado na hora de beber e, normalmente, revela sabores mais sutis. Cada um tem seu jeito e seu lugar. E quanto às uvas? Qual a melhor? Qual a pior? Novamente, a resposta caminha na direção da liberdade. Responda você, sem medo, e seremos bons amigos. Apenas cuidado com modismos e preconceitos.

O filme Sideways disseminou a idéia de que a Pinot Noir é a melhor uva e que Merlot não serve pra nada. Ótimo filme, principalmente para os produtores da Califórnia que espalharam seus Pinots pelo mundo afora. Para os desavisados, que leram a crítica e foram logo comprando uma garrafa, a decepção pode ter ocorrido antes de terminar a fita. A Pinot é uma uva difícil, chata desde o plantio. Produz vinhos incríveis, sim. Entretanto, é bem mais fácil encontrar um Pinot Noir de quinta categoria, do que um exemplar de primeira (normalmente, bem mais caros também).

Já a Merlot é uma uva simples. Simples como a bossa nova, os Beatles e Paulinho da Viola. Simples como quase tudo que é bom. Dizer que Merlot é ruim é não entender que o mistério do vinho não é a uva. É o momento, a história, o prazer. Qual então o melhor tinto? Certamente é aquele que você tomará com a melhor companhia, no momento mais glorioso, com o coração na taça, a cada gole. Por tudo isso, o melhor vinho será sempre aquele que você ainda não tomou. O melhor tinto é uma prece, uma crença na possibilidade de melhorar, depurar e ser mais feliz.

*Ronald Sclavi (ronald@revistaadega.com.br) é jornalista e garimpeiro de adegas.