Um vinho burocrático

Redação Publicado em 04/03/2009, às 08h52 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45

Não sei se você que está lendo este texto, produtor de vinho, jornalista ou simpatizante, sabe que algumas medidas estão sendo pleiteadas junto ao governo federal para a adoção de mais um controle para os vinhos. Se a medida for adotada sem uma ampla discussão, estaremos dando um grande passo para afastarmos o nosso consumidor e prejudicar a imagem do vinho brasileiro diante dos próprios brasileiros. Como produzir e vender vinhos num país em que, em vez de andarmos para frente, corremos para trás?

Mais uma vez gastaremos tempo e dinheiro com medidas que, embora bem intencionadas, pouco contribuirão para sanar a problemática do setor vitivinícola. Em vez de nos preocuparmos com o baixo consumo do nosso produto, motivado pelo desconhecimento de sua qualidade e com a extorsiva carga tributária, nos socorremos mais uma vez no governo, pedindo que resolva (ou que crie) mais um problema: o Selo Fiscal. Não seria melhor nos unirmos para pedir ao governo que suspenda o IPI do vinho como fez para os automóveis? Isto seria prático e rápido.

A adoção do selo para o vinho diminuirá, de fato, a sonegação, o contrabando e a falsificação? São perguntas que devemos nos fazer antes de instituir mais este elemento em nossas vidas de produtores. As pequenas vinícolas não podem mais pagar o preço por um mecanismo criado sem uma prévia avaliação dos impactos futuros nas pequenas organizações e em toda cadeia produtiva. Teremos mais um custo para nossos vinhos?

Afinal, o selo será comprado, colado, catalogado, controlado, comunicado etc. Além de rótulos, contrarrótulos, cápsulas, tags, selos de indicação geográfica, teremos que explicar para o consumidor mais o Selo Fiscal? Mais uma vez estaremos afastando nosso apreciador, empurrando-o para o consumo fácil de uma cerveja. Vinho não é commodity, não pode levar na sua imagem o mesmo selo usado em cigarros e em destilados. O amante do vinho não pode tirar um lacre que insinue que este produto está no rol dos possíveis criminosos fiscais.

Tantos são os esforços para o reconhecimento do vinho brasileiro e o que estamos tentando fazer? Contribuir para que o Brasil se torne o país do vinho mais burocrático do mundo? Quem vai sobreviver a isso? Conversando com muitos produtores de vinhos, grande parte não aceita a idéia deste selo, pelos motivos supracitados. Deve existir uma maneira menos agressiva de resolver nossos problemas. Quando tudo estiver pronto e decidido, não adiantará reclamar. Temos que lutar dentro do nosso setor e divergir quando necessário. O que sinto é que, a cada dia, o vinho brasileiro vai perdendo espaço para ele mesmo, vai perdendo a sua essência, transitando mais no papel do que na boca dos brasileiros. Uma pena. Luís Henrique Zanini - Enólogo

AINDA SOBRE UM VINHO BUROCRÁTICO

Pode parecer incrível, mas, em pleno 2009, ano em que no Brasil e no mundo a fiscalização se torna cada vez mais "eletrônica", com a adoção das notas fiscais eletrônicas e dos sistemas de controle altamente sofisticados - como o SPED que vem sendo implantado em nosso País -, associações de produtores gaúchos estão pedindo ao governo que adote a selagem das garrafas de vinhos nacionais e importados como método de combate ao contrabando e à sonegação. Nada mais retrógrado e, sobretudo, ineficaz.

No caso do contrabando, é preciso ter em mente que não existe hoje nenhuma dificuldade em identificar o vinho contrabandeado, seja pela presença de contrarrótulo de outros países, seja pela ausência de contrarrótulos. A adoção de selos para vinhos poderá acabar ajudando o vinho contrabandeado. Sonegadores e importadores inescrupulosos poderão encontrar selos falsos (ou de outras bebidas mais baratas) no mercado e conferir as suas garrafas ilícitas uma aparente legalidade. O selo acabará tornando ainda mais complicado o trabalho de identificação de contrabandistas e sonegadores. Além disso, os pequenos produtores estrangeiros (aqueles que não concorrem com o vinho nacional) teriam dificuldades em selar as garrafas para exportá-las ao Brasil, o que seria outro incentivo ao contrabando.

No caso da sonegação, no mercado interno o selo também não vai resolver nada, como podem atestar as empresas que já aplicam o selo em outras bebidas e continuam convivendo com a sonegação. O que tem melhorado muito o problema são outras medidas, mais modernas e não arcaicas como a selagem, tais como a adoção dos medidores de vazão, a nota fiscal eletrônica e o SPED.

O selo penaliza principalmente os pequenos produtores nacionais, pela enorme burocracia que seu uso representa na prática, e o vinho em si, que vai ter mais uma burocracia, mais um custo entre a bebida e o consumidor. Last but not least, as garrafas vão ficar mais feias.

Por tudo isso, poder-se-ia entender que os produtores de cerveja pedissem a adoção do selo para os vinhos, mas é realmente difícil entender como os próprios produtores de vinho possam pedir uma medida tão ruim e ineficaz. Se o selo fosse eficaz para combater a sonegação e contrabando, já teria sido, certamente, adotado para uma infinidade de outros produtos, e não apenas para cigarros e destilados. Além disso, seria utilizado em muitos outros países e não apenas no México e Polônia.

Acreditamos que as associações do Rio Grande do Sul deveriam utilizar toda sua força e poder de articulação para trabalhar a favor do vinho como categoria de bebida. Quanto mais burocracia, quanto mais custos, quanto mais briga entre os diversos segmentos do vinho, mais espaço ganham outras bebidas e menos popular se torna a melhor e mais nobre de todas elas. Afinal, se passássemos do ridículo consumo per capita de dois litros por habitante por ano para apenas três litros (ainda um número muito baixo), não haveria vinho nacional para atender a demanda...

Ciro Lilla - Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe)

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