Ignacio de Saralegui é o responsável por vendas e marketing do grupo Tempos Vega Sicilia e em entrevista exclusiva revelou os rumos da vinícola
Christian Burgos Publicado em 18/10/2022, às 08h43
Mais novo membro no board de diretores do grupo Tempos Vega Sicilia, o jovem Ignacio de Saralegui é o responsável por vendas e marketing da empresa que, além do maior ícone de Ribeira del Duero, o Vega Sicilia, tem em seu portfólio ainda Alión, Pintia e Macán (todos estes também na Espanha), e Oremus, em Tokay, na Hungria.
Vindo da indústria de cosméticos de luxo, em pouco tempo na nova empresa ele já percebeu que há similaridades, mas também muitas diferenças.
Segundo ele, “são duas indústrias, ou dois mundos, em que se vendem sonhos”. E explica: “Acho que nunca se vende uma garrafa de vinho. Você sempre vende outra coisa, que é muito subjetiva e muito imaterial. Você vende excelência, experiências, sensações, status”.
A questão do termo “luxo”, contudo, nem sempre é bem-vinda, pois “acredita-se que o luxo é sempre um produto com marketing por trás”. Sendo assim, “preferimos falar de vinhos de qualidade”. Por fim, resume: “A qualidade não precisa de marketing, ela fala por si.”
Nessa conversa exclusiva, durante sua passagem recente pelo Brasil – em uma viagem na qual conheceu os mercados da América do Sul e aproveitou para provar alguns vinhos sul-americanos –, Saralegui contou um pouco de sua trajetória, mas, mais que isso, revelou os rumos de Vega Sicilia. Confira.
Ignacio de Saralegui: Minha família paterna é do País Basco, que é uma região onde sempre se consumiu muito vinho, principalmente de La Rioja, e meu pai sempre teve o hábito de almoçar e jantar com vinho.
Tanto que nas primeiras vezes que minha esposa veio comer na casa da família, ela olhou para mim e disse: ‘Por que não há copos de água?’ Não havia, havia uma grande tradição de beber vinho. E depois, com o passar dos anos, eu sempre quis aprender, porque para mim não é uma bebida, é uma fonte de conhecimento de cultura mundial. A quantidade de geografia que você aprende através do vinho, a quantidade de histórias, de costumes dos povos que fazem os vinhos é enorme. Esse é um mundo maravilhoso.
Também tive a sorte, ou coincidência, de viver muitos anos em cima de uma grande vinoteca em Madrid, e adorava ir todas as sextas-feiras fazer uma seleção de duas ou três garrafas para o fim de semana e para a semana seguinte. Toda vez que eu ia era duas horas de conversa com os vendedores.
Entrei em fevereiro de 2021. Acho que Vega Sicilia é uma das poucas vinícolas que, para cargos como o meu, costuma procurar pessoas que vêm de fora do mundo do vinho. Eu tentei fazer parte dos departamentos de exportação de vinícolas espanholas várias vezes antes, mas sempre encontrei barreiras de entrada.
Quando vi um anúncio de uma vinícola que procurava um gerente de vendas e marketing, e vi que não estavam procurando um enólogo ou engenheiro agrônomo, disse: ‘Vou me inscrever imediatamente’. Foi tudo confidencial. Quando as entrevistas avançaram e me disseram que eu tinha uma entrevista final com o gerente geral e o dono da vinícola, perguntei o nome da marca. Quando me disseram que era Vega Sicilia, saíram lágrimas dos olhos.
Minha experiência anterior foi na área de negócios, sempre em departamentos de vendas e marketing, e principalmente na área de cosméticos de luxo. Comecei minha carreira na Loreal, na divisão de luxo, e, nos últimos anos trabalhei para uma empresa espanhola de cosméticos de luxo na Espanha, Oriente Médio e América Latina, morando no México.
Para mim, o principal mérito da gestão da família Álvarez e de Don Pablo, em particular, é refletir que melhorar o excelente é complicado. Don Pablo sempre diz que a perfeição não existe, mas que o melhor vinho tem que ser o próximo. São frases que ele repete com frequência.
Seu pai comprou a vinícola em 1982. Alguns anos depois, colocou Pablo no comando da vinícola e ele era uma pessoa fora do mundo do vinho. Trabalhava como advogado em Madrid. Para mim, tem um grande mérito que num curto espaço de tempo tenha conseguido tomar decisões muito importantes no destino da vinícola, fazer estudos de solo, de vinhedo, deixar de usar produtos químicos.
Foram decisões muito importantes para uma pessoa que não veio deste mundo. Agora, em 2022, já se passaram 40 anos desde que a sua família comprou a vinícola, e ele lançou quatro novos projetos na gestão de uma vinícola com uma reputação e uma tradição importante.
No ano 1991, também na região de Ribera del Duero, foi fundada Alión. Foi comprada uma pequena vinícola que já existia, que era a Bodegas Liceo, que foi totalmente reconstruída e foram compradas diferentes vinhas ao redor.
Então, em 1993, depois que o comunismo acabou e a Hungria se abriu ao investimento estrangeiro, eles fundaram a vinícola Oremus em Tokay. Em 2001, lançaram a primeira safra de Pintia que está em Toro, e no ano de 2009, junto com a família do Barão Benjamin Rothschild, criam Macán em La Rioja. E sempre há projetos na cabeça de Don Pablo.
Há um que ainda não foi anunciado, sobre o qual não posso dizer nada, infelizmente, mas será um projeto muito interessante, muito emocionante.
No que diz respeito ao vinho que produz, seu nível de exigência é infinito. Tudo o que pode ser feito para melhorá-lo, deve ser feito. Gonzalo Iturriaga, que é o diretor técnico do grupo, fala brincando, mas sério, que ele é o queridinho da vinícola.
Porque se ele quer ou considera que existe algum tipo de máquina, ou algum instrumento que vale a pena ter na vinícola para melhorar a qualidade do vinho, ele sabe que, se explicar, terá. Don Pablo está sempre disposto investir constantemente na vinícola e no vinhedo para criar um grande vinho.
Praticamente todos os meses são organizadas degustações às cegas nas quais há funcionários da vinícola e um grupo de críticos, jornalistas, algum Master of Wine, grandes provadores. Há degustações para cada um dos rótulos. Pintia, por exemplo, normalmente é degustado com outros vinhos de Toro de faixas de preço semelhantes. São todos da mesma área, mas há sempre alguma ‘armadilha’.
Devemos pontuar os vinhos e escrever sobre de cada um dele. Ninguém sabe que vinhos estão sendo provados, apenas Don Pablo. E então as conclusões são tiradas. E ele organiza isso porque diz que, normalmente, quando viaja ou quando vai a uma degustação para apresentar seus vinhos, é muito comum quem os prova dedicar grandes palavras e grandes elogios aos vinhos. E ele tende a desconfiar. Ele diz que nem sempre são assim, nem sempre são tão bons. E a melhor forma de verificar isso é fazendo degustações às cegas com outros vinhos. Então, quando você vê os resultados, isso é a coisa mais próxima da realidade.
Acredito que dentro da empresa não existe, ou pelo menos não percebo uma decisão de mudar de estilo. É simplesmente uma questão de adaptar ligeiramente o tipo de sensação dos vinhos que se fazem a um paladar que também muda ao longo dos anos.
Os vinhos que foram feitos há 15 ou 20 anos tinham talvez algum excesso de madeira ou eram vinhos mais potentes ou não tão frescos. E agora trata-se de fazer os vinhos nesse sentido, mais sedosos, mais frescos. Há também mudanças importantes, como as mudanças na direção técnica. Mas claro, quando te chamam para ser o diretor técnico de uma vinícola como Vega Sicilia, você não pode fazer muitas experiências.
Cada enólogo tem suas ideias e as coloca em prática. Mas todos sempre respeitaram a filosofia de Vega Sicilia, o classicismo da região e a personalidade da vinícola. Agora é verdade que coisas diferentes são feitas. A elaboração muda constantemente a cada ano, dependendo da safra, diferentes métodos são usados.
Em vinhos como Alión, por exemplo, desde 2017 já há 10% de concreto. Se utilizam mais formatos grandes. Em Macán, por exemplo, eles usam o fudre. Em Vega Sicilia, os primeiros anos de envelhecimento são em pequenas barricas, 225 litros de carvalho – principalmente mais carvalho francês e mais carvalho usado, menos carvalho novo.
Trata-se de diminuir gradualmente o impacto da madeira. E depois, tanto em Valbuena como em Único, começa-se pelas barricas menores, de 225 litros, e depois vão para grandes cubas de madeira, para homogeneizar os vinhos.
Há mais espaço para experimentos principalmente para tintos em Alión e Pintia. Acho que servem um pouco como campo de prática para ver também quais são os resultados em Vega Sicilia. Você tem que ter muita certeza do que quer, do que vai fazer e do que quer alcançar.
Em Pintia, por exemplo, devido ao calor da região no verão, para evitar o amadurecimento excessivo, foram construídas algumas câmaras frigoríficas para que, no momento da vindima, sejam colocadas todas as uvas.
A uva passa 24 horas a uma temperatura baixa, se interrompe a sobrematuração e, no dia seguinte, pela manhã, todas as uvas vão para as mesas de seleção, depois tudo é colocado dentro dos tanques de aço inoxidável para iniciar a fermentação. Mas todas as uvas passam primeiro por essas câmaras frias.
Depende do ano, porque não importa quantas ferramentas usemos, quanta tecnologia seja usada na vinha e assim por diante, pois, no final, no mundo agrícola estamos sempre olhando para o céu. Sempre dependemos da natureza.
Mas, este ano, por exemplo, colocamos à venda quase 90.000 garrafas de Único, 160.000 garrafas de Valbuena, e 17.000 garrafas de Reserva Especial. É sempre um pouco menos de 300.000. Este ano foi um bom ano em termos de volume. Refiro-me às safras que colocamos à venda em 2021, mas normalmente gira em torno de 250 a 300.000 garrafas, o que não é de forma alguma a capacidade do vinhedo. A capacidade produtiva do vinhedo em Ribera del Duero permitiria fazer o triplo ou quatro vezes mais, mas é feita uma seleção muito exaustiva.
Há parte da uva que não usamos, parte da uva que vendemos e parte da uva que usamos em Alión. E a filosofia em termos de volumes e de produção é semelhante em todas as vinícolas. Para Alión é em torno disso. Acredito que a maior produção de Alión até hoje tenha sido de 290.000 garrafas, em Pintia cerca de 250.000, e em Macán estamos chegando a esse número.
O segundo proprietário da vinícola foi uma família de banqueiros, que não eram enólogos, mas bons homens de negócios. Eles vendiam os vinhos para parentes, amigos, pessoas que conheciam os vinhos e que os respeitavam. Chegou um momento em que os vinhos estavam em alta demanda, mas a produção não conseguia suprir a demanda. Então eles decidiram encontrar uma solução muito justa, salomônica, que era conceder uma quota, uma alocação para cada pessoa com base no seu consumo anual. Isso começou a ser feito há quase 100 anos. E o privilégio de poder comprar vinho da vinícola como pessoa física foi sendo passado de pai para filho.
Atualmente, na Espanha, existem mais ou menos 2.500 clientes particulares, que são pessoas que nos enviam um e-mail, todos os anos, dizendo quais vinhos querem. Ao longo dos anos e da evolução da sociedade e do comércio, foram criadas quotas para lojas especializadas, distribuidores regionais e ultimamente também alguns varejistas online. Trata-se de disponibilizar o vinho de forma bastante justa e equitativa, e também respeitar os hábitos das pessoas que confiam em Vega Sicilia há mais de 100 anos.
Na Espanha, em 2021, vendemos cerca de 32%. A pandemia realmente teve um impacto nisso, já que muitos mercados estavam completamente fechados e o canal de vendas de restaurantes ficou fechado por muito tempo. Houve importadores que nos disseram que não podiam comprar toda a sua quota. Mas graças à sorte que temos em ter clientes tão fiéis na Espanha, conseguimos direcionar as vendas internacionais para o mercado nacional. E foi um ano excelente para Vega Sicilia. Foi um ano infeliz em todo o resto, mas felizmente foi um ano muito positivo em termos de vendas.
Então, digamos que houve uma pequena quebra na evolução das vendas entre mercado de exportação e doméstico. O objetivo é poder distribuir equitativamente 25% das vendas na Ásia, 25% na Europa, 25% em todo o continente americano e outros 25% na Espanha. Assim querem distribuir as vendas pelo mundo, incluindo também, é claro, Oriente Médio e África na equação. E a ideia é, daqui a dois anos, estar em 75% estrangeiro e 25% nacional. O que fazemos é cuidar do modelo de distribuição.
Felizmente, vendemos tudo o que produzimos. Não poderíamos vender mais, mesmo que quiséssemos, então tentamos ter muito cuidado onde vendemos, para que os mercados sejam respeitados, que cada país, cada importador, respeite seu mercado, que o posicionamento dos produtos seja respeitado, indo sempre aos melhores restaurantes e que o vinho também seja disponibilizado a quem quiser experimentar.
Brasil é um dos principais países para onde exportamos em volume e também em notoriedade da marca. No Brasil, temos um posicionamento de marca, um reconhecimento, uma reputação que é extraordinária. Também sou responsável pelo departamento de marketing e observo muito as métricas de mídia social.
O número de seguidores que temos no Brasil no Instagram é espetacular e o número de consultas que temos em nossa página do Brasil é impressionante. O português é a terceira língua mais usada em nosso site, que está traduzido para vários idiomas e temos muitas buscas daqui. E em termos de volumes, digamos que, em toda a América, os Estados Unidos são o mercado número um, seguido de perto por México e Brasil. Entre México e Brasil, não há muita diferença.
Elaborado exclusivamente a partir de Tempranillo, com estágio em barricas 80% novas, sendo 95% de carvalho francês e 5% de americano. Essa é a primeira safra que 10% do vinho estagiou em tanques de concreto. O resultado é um tinto que Impressiona pela precisão e pela finesse de seus taninos. Entre as melhores, senão a melhor safra de Alión provada até o momento.
Elaborado exclusivamente a partir de uvas Tempranillo, com estágio de 14 meses em barricas de carvalho francês. Cheio de camadas de aromas e de sabores, mostra frutas vermelhas e negras maduras no ponto certo seguidas de notas florais, de erva secas e de especiarias. Chama atenção pela textura firme e fina de seus taninos finos, com sua acidez pulsante. Fluido e gostoso de beber, está ótimo agora, mas definitivamente recompensará os mais pacientes nos próximos 20 anos.
Elaborado exclusivamente a partir de Furmint, com estágio parcial em típicos barris de carvalho húngaro de 136 litros. Chama atenção pela acidez refrescante e pela textura firme e cremosa, tudo em meio a muita fruta branca e de caroço madura. Tem final cativante e persistente, com toques cítricos, salinos e de pêssegos, que pedem mais um gole.
O puttonyo é um cesto com capacidade de conter cerca de 25 quilos de bagos acometidos pela podridão nobre e, neste caso, foram adicionados 5 puttonyos a cada 136 litros de vinho base, daí a classificação e o nome do vinho que é composto a partir de Furmint, Hárslevelü, Zéta e Sárgamuskotály, com estágio entre 2 e 3 anos em barricas de carvalho de 136 e de 200 litros. Impressiona pela vibrante acidez (8,4g/l) e pela textura firme e cremosa, que rivaliza e equilibra todo o seu dulçor (150 g/l de açúcar) sua sensação de doçura. Profundo, untuoso e cheio de nuances de aromas e de sabores, tem final com toques de pêssegos e de frutos secos, que convidam a mais um gole. O tempo de garrafa fez muito bem a esse vinho.
Elaborado exclusivamente a partir de Tempranillo, com estágio em barricas de carvalho 80% francês e 20% americano, sendo somente 20% de madeira nova. Muito bem feito para uma safra mais quente como 2015, consegue ter ótimo balanço entre concentração e finesse, com sua refrescante acidez e seus taninos firmes e de fina textura aportando equilíbrio ao conjunto e fluidez ao vinho. Tem final untuoso e persistente, com toques mentolados, de ameixas, de ervas e de alcaçuz. Paciência com ele na taça ou na garrafa.
Composto majoritariamente a partir de Tempranillo, acrescido de 6% de Cabernet Sauvignon, com fermentação espontânea (sem adição de leveduras) em tanques abertos de carvalho e posterior estágio de quase 6 anos em barricas de carvalho francês de 225 litros. Impressiona pela profundidade e pela nitidez de fruta vermelha e negra madura no ponto certo, aliando concentração, potência e untuosidade, com finesse e sutileza e tenacidade. Tem taninos firmes e de grãos finíssimos, acidez refrescante e final complexo, cheio e longo, com toques de alcaçuz, grafite, de tabaco, de alfazema, de lavanda e de bálsamo.