Vinho do Porto: celebrar é preciso

Carlos Ernesto Cabral De Mello* Publicado em 21/09/2006, às 12h18 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

Tranporte de Vinho do Porto por barco

Por ter participado ativamente da vida dos brasileiros durante três séculos, o Vinho do Porto, que este ano celebra os 250 anos da demarcação de sua região produtora, o Douro, necessita ser cantado em prosa e verso por toda esta nação que a ele deve muito da sua saúde e alegria.

O Vinho do Porto não é apenas um líquido fruto da fermentação das suas uvas, mas sim uma instituição representativa de um conjunto de virtudes do povo que o elabora com todo o esmero e atenção.

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Nestes últimos 250 anos, o povo português tem o orgulho de dar ao mundo algo tão único que é unanimidade mundial quando nos referimos a vinhos especiais cheios de representatividade e ideais. Nem tudo foram flores na vida desse vinho que foi patrocinador de uma revolução política até ser o embaixador de seu país em todo o mundo.

Considero o Vinho do Porto a alma portuguesa em sua forma líquida. É misterioso afirmar tal, mas quem vasculha a história desse vinho, e com ele convive há 37 anos, como eu, perceberá facilmente que o Porto é, de fato, como dizia um filósofo inglês "o vinho da contemplação filosófica".

Vinho eclético que se apresenta diante do consumidor com vários tipos de cor e de idade, ele proporciona a oportunidade de múltipla escolha ao gosto de quem o degusta. Esse fato já o distingue das demais categorias de vinhos existentes no mundo. Se dentre todos os tipos de Portos: Vintage, Single Quinta, LBV, Colheitas, Com Denominação de Idade e Comuns, você não gostar de nenhum, o problema não é do Porto, mas exclusivamente seu.

Essa coleção de variedades lhe dá o direito de viajar em sua criatividade, procurando as melhores associações de gastronomia que lhe apetece. Isto é fantástico, pois você não é obrigado a se ater a regras e padrões pré-estabelecidos. Nesse sentido, o Porto se torna o vinho da liberdade.

Estadistas, como Marquês de Pombal, dedicaram a este vinho o melhor de suas inteligências e atenções. Não se tratava apenas de um vinho produzido no Douro e exportado largamente para a Inglaterra, mas sim de uma questão de soberania nacional, pois o Vinho do Porto, já naquela época, era o patrocinador do progresso de toda uma nação e representava o seu país com muita galhardia em todos os salões nobres do Velho e do Novo Mundo.

Desde 1756 o Vinho do Porto já era consumido em larga escala pelos brasileiros. A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, fundada em 10 de Setembro de 1756, montou no Brasil três escritórios, no Rio de Janeiro, em Salvador e outro em Recife, para abastecer largamente o mercado brasileiro.

Dessa época até 1940, o Vinho do Porto já era um habitué dos lares brasileiros, sendo consumido em festividades com muita gala, no dia a dia como fortificante e no acompanhamento dos doentes e debilitados, como remédio.

Lamentavelmente, o estado brasileiro, querendo engordar o seu caixa, impôs, a partir de 1940, uma pesada carga tributária a esse vinho, objetivando que nosso consumidor neófito prestigiasse mais o vinho brasileiro quando, sabemos todos, o Vinho do Porto não pode ser igualado por nenhum outro. Apenas pode ser falsificado.

Hoje, assistimos o trabalho desbravador de pequenas, médias e grandes importadoras com este vinho no Brasil. Podemos medir as intenções desses importadores quando encontramos, em suas listas de preços, alguns tipos de Porto disponíveis.

Com ações isoladas ou mesmo apoiadas oficialmente por Portugal, lentamente o Vinho do Porto volta a ocupar o merecido espaço na mesa dos brasileiros. Participamos com muito orgulho e alegria desta celebração, pois nós brasileiros, nestes últimos 250 anos, demos nossa contribuição para a solidificação histórica desse vinho no cenário mundial. Que viva por muitos séculos este néctar que nos aquece a alma e o coração.

*Carlos Cabral é consultor de vinhos do Grupo Pão de Açúcar e acaba de lançar o livro Porto, Um Vinho e sua Imagem.