Uma degustação às cegas de vinhos 'exóticos' revelou que, em médio prazo, países como Turquia, China e México podem surpreender.
Roberto Rodrigues* Publicado em 10/02/2006, às 10h19 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43
Alguns amigos que viajam muito costumam trazer vinhos que muitas vezes ficam guardados à espera de uma oportunidade de comparação. Dessa forma, muitos têm em suas adegas vinhos curiosos - quase exóticos - de países como Turquia, China, Peru, México e Hungria. Surgiu então a idéia de degustá-los juntos, e assim foi feito - foram degustados, às cegas, um vinho branco e quatro tintos, desses países.
#R#Peru
Vinho: Tacama Blanco de Blancos 2004, Viña Tacama, Valle de Ica, Sauvignon Blanc e Viognier, US$ 12**. www.tacama.com.
A produção de vinhos no Peru começou mais ou menos na mesma época que a de outros países de colonização espanhola da América do Sul. Da mesma forma que no final dos anos 80 começou a haver uma modernização das vinícolas, com a aquisição de equipamentos de aço inox e a consultoria de enólogos europeus.
A Viña Tacama é uma das mais antigas do Peru ainda em funcionamento, tendo sido fundada em 1889. Seu nome provém do vinhedo de 180 ha situado no Valle de Ica, um oásis fértil rodeado de desertos, localizado a 300 km de Lima e a 50 km da costa, numa altitude de 400m. A vinícola utiliza tecnologia e assessoria de enólogos franceses.
O Tacama Blanco de Blancos é o melhor branco da vinícola, sendo que é muito consumido no Peru onde suas garrafas são vendidas em poucos meses. O vinho degustado foi elaborado a partir de Sauvignon e Viognier, sendo que esta última predomina. Tem aromas predominantemente jovens (flores e frutas frescas) e agradáveis ao passo que na boca apresenta um amargor exagerado, indicando algum problema durante a vinificação. Se depender do vinho degustado, que é considerado um dos melhores do país, o Peru ainda terá que caminhar muito para melhorar seus vinhos.
#Q#Hungria
A Hungria não é totalmente desconhecida no mundo vinícola pois produz os famosos vinhos de sobremesa Tokaji (com uvas botritizadas). Na última década ocorreram investimentos em novas e pequenas vinícolas, bem como na melhoria de vinhedos existentes e na implantação de novos vinhedos.
O vinho degustado foi um tinto, da casta Kékfrankos (conhecida em Áustria como Blaufränkisch) que produz vinhos vivos, apimentados e de boa cor, para consumo relativamente rápido, sendo uma das mais cultivadas no país. A região de Sofroni, perto da fronteira com a Áustria, é considerada a melhor região para esta casta. Além disso o vinho é produzido a partir de uvas de um único vinhedo, o Spern Steiner.
A pequena vinícola Weninger começou a produzir na região em 1997, sendo bastante conceituada, de propriedade do enólogo Franz Weninger - que ganhou o título de melhor enólogo de 1995 na Áustria - possuindo 25 ha de vinhedos na região de Sofroni. O Sofroni Kékfrankos Spern Steiner teve sua primeira safra em 2000.
Trata-se de um vinho com aromas maduros, lembrando a carne cozida, com taninos não afinados (indicando que não deve ter utilizado madeira), e se mostrou um pouco envelhecido, decepcionando os degustadores. Pelo visto, para vinhos de Hungria, é melhor ficarmos com os mais tradicionais Tokaji. O cultivo de outras castas autóctones está incipiente e os resultados ainda deixam a desejar.
China
Vinho: Dry Red Wine Ruby Cabernet. Produtor: Greatwall. Região: Shacheng.
Uvas: Cabernet e Olho de Dragão, US$ 16.
Os grandes imperadores chineses já consumiam vinho. Na época moderna, a China se fechou muito ao mundo exterior e depois passou por um período de colonização e pela Revolução Maoísta, vindo a se tornar a quarta economia do mundo, tendo ao mesmo tempo a maior população do planeta. Tudo isso fez com a que produção de vinhos ficasse estagnada nos moldes tradicionais. Apenas recentemente algumas grandes empresas sofreram uma modernização visando uma melhoria da qualidade dos vinhos que produzem, sempre pensando na exportação de produtos baratos.
A Greatwall Wine Co. é a segunda maior vinícola da China, tendo sido fundada em 1983 na região de Shacheng, localizada condado de Huailai. Produz 33 marcas diferentes de bebidas, sendo que o Greatwall Dry Red Wine Ruby Cabernet é seu melhor vinho. Seus vinhos são exportados para 20 países representando 40% das exportações de vinhos chineses.
O vinho se apresentou claro e brilhante, sem muito corpo, com taninos agressivos denotando o uso de barris de carvalho (franceses!) já muitas vezes utilizados, carente de maciez e com final amargo. Sem grande estrutura apresenta aromas etéreos, mas não deve ser muito antigo (Obs.: Não foi possível identificar a safra do vinho pois o rótulo está em chinês!).
#Q#México
Vinho: L. A. Cetto Nebbiolo Reserva Limitada 2000, Luis Agustín Cetto, Baja California, Valle de Guadalupe, US$ 18. www.lacetto.com
A Baja California é a maior região vinícola do México com um total de 10.000 ha de vinhedos. A Bodega L. A. Cetto, criada em 1975 por Luis Agustín Cetto, é considerada hoje uma das mais importantes vinícolas mexicanas com sua produção de vinhos de qualidade, utilizando a mais moderna tecnologia.
Com grande tempo de madeira (16 meses), o vinho da melhor linha da vinícola se mostrou ainda jovem, com cor muito escura. Aromas marcantes de frutas, flores e outros oriundos da passagem em madeira de boa qualidade, denotando um estilo "californiano" e a tipicidade da casta de origem italiana. A Baja California tem tudo para produzir vinhos de qualidade e deve trazer surpresas em médio prazo.
Turquia
Vinho: Sarafin Cabernet Sauvignon Kirmizei Sek Sarap 2000, Sarafin, Gallipoli Península, Cabernet Sauvignon, Eu 12.50. www.sarafin.com
As descobertas arqueológicas confirmam que a Turquia foi a região onde o cultivo da videira começou. Ao mesmo tempo, sua localização geográfica é propícia ao cultivo de vinhedos de grande qualidade.
Sarafin é uma vinícola que produziu seu primeiro vinho em 1966, renovou seus vinhedos nos anos 90 importando mudas européias que foram plantadas na Península de Gallipoli em vinhos próximos às praias do Mar Egeu, no lado europeu do país.
Mar Egeu, no lado europeu do país. Um varietal de Cabernet Sauvignon com passagem em barricas de carvalho francês novo por 18 meses. O vinho se mostrou ainda jovem apesar de seus cinco anos. Vinho encorpado, de cor violácea, com muitos aromas oriundos do estágio em madeira. O álcool (14%) está muito integrado ao restante do vinho e os taninos, embora muito presentes, são de excelente qualidade. Sem dúvida alguma, o melhor vinho dentre todos os degustados, podendo ser guardado por muitos anos.
A Turquia, país de origem do néctar dos deuses mantém a produção de vinhos de qualidade que são ainda quase que totalmente desconhecidos. Com o ingresso do país na União Européia seus vinhos serão exportados em maior volume e se tornarão mais conhecidos. Devemos ficar atentos, pois é uma região bastante promissora.
*Roberto Rodrigues é enófilo e consultor de vinhos - rr@pobox.com.
** Todos os preços são de lojas nos respectivos países, sem qualquer imposto de importação. Agradecimentos a Álvaro Loureiro (advogado) e a Maria Elizabeth Brêa (antropóloga), que trouxeram os vinhos em suas viagens pelo mundo.