1863

A espetacular prova de um Vinho do Porto de mais de 150 anos

Por Christian Burgos Publicado em 13/10/2014, às 00h00

A garrafa do Taylor’s Porto Colheita 1863, com 151 anos de idade

Todo apaixonado pelo vinho faz dos aniversários uma ocasião para abrir aquele “canhão”. Conosco não é diferente. Nesta edição, celebramos os nove anos de ADEGA e, em julho, já estávamos discutindo o que íamos degustar.

Neste momento, nosso amigo Fernando Seixas, da Taylor’s, ofereceu uma degustação muito especial. Seriam quatro vinhos, entre eles um Taylor’s 20 anos, um Taylor’s 40 anos e o Taylor’s 1964.

Só para lembrar, apenas 5% dos Vinhos do Porto são Tawnies Antigos (10, 20, 30 e 40 anos) e menos de 1% são Colheitas, como o 1964 (Tawnies Antigos de uma única safra). Degustar estes “Old Ports” já seria motivo para juntar um punhado de conhecedores à mesa, mas a Taylor’s foi além e nos deu o motivo que faltava para colocar todos os planos de lado. Nesta degustação, teríamos nada menos que um representante da nova categoria “Very Old Port”, um Taylor’s 1863.

Qual a dimensão de degustar um vinho com 20 anos? E com 40 anos? E com 50 anos? E com 151 anos? E todos numa mesma memorável noite? Três dos vinhos da mesa eram mais velhos que a maioria dos que os degustavam, sendo que o 1863 chegou a uma idade inimaginável para um ser humano.

Especial

O enólogo David Guimaraens adicionou aguardente vínica para diluir e equilibrar o líquido

 

Apenas duas barricas da safra de 1863 chegaram aos nossos dias

A Taylor’s é um dos mais tradicionais produtores de Vinho do Porto, tendo sido fundada em 1692. Ao longo de sua história, a empresa foi adquirindo e adicionando às suas próprias reservas parcelas de Portos muito antigos, envelhecendo em barricas, incluindo algumas raras e valiosas do século XIX. Essas aquisições são usualmente utilizadas para enriquecer os Taylor’s 40 anos, mas, muito ocasionalmente, em vinhos muito especiais, surgem as raras “Edições Limitadas”.

A safra de 1863 foi uma das últimas grandes de Porto antes da filoxera. As únicas duas barricas deste vinho são algumas das raríssimas a chegar a nossos dias em perfeitas condições e, segundo Adrian Brigde, diretor geral da Taylor’s “este fenomenal Porto é uma cápsula do tempo, oferecendo um vislumbre de um passado distante”.

O plano inicial previa degustarmos os vinhos acompanhados de um menu organizado pelo chef Luís Espadana, da Tasca da Esquina, que abriu o restaurante especialmente para nos receber. O chef demonstrou grande flexibilidade e sensibilidade quando pedimos para que atrasasse a preparação dos pratos e degustássemos previamente todos os vinhos sem acompanhamento, para só depois jantarmos na companhia das bebidas.

E assim demos a partida. Conosco (Christian Burgos e Eduardo Milan) estavam Arthur de Azevedo, Marcel Miwa, João Paulo Gentile, Gabriel Zipman, Alessandro Breda, Fernando Seixas, João Roquette, Henry Araújo e João Palhinha.

Diferenças

Os Tawnies antigos permanecem por anos em suas barricas onde evoluem concentrando-se e oxidando, desenvolvendo aromas extremamente complexos, usualmente no campo nas nozes e amêndoas. Uma vez engarrafados, ao contrário dos Vintages, não passarão por grande evolução, mantendo muito de seu perfil na data em que foram envasados.

Os Tawnies 10, 20, 30 e 40 anos têm em sua composição vinhos que, na média, têm esta idade. Os Tawnies cujas barricas são de uma safra específica e ficaram guardados por longo prazo até serem engarrafados originam os famosos Colheitas, como é o caso do 1964 que degustamos.


As amostras vieram em ampolas de vidro acondicionadas em elegantes estojos de madeira

Após o líquido viscoso dominar a taça, o aroma do vinho extrapolou

Os Tawnies Antigos e os Colheitas, para mim, representam a fé no futuro, um ato de generosidade de um produtor com as próximas gerações das centenárias casas do Vinho do Porto. Afinal de contas, um Colheita do amanhã seria facilmente comercializado em sua totalidade como um Vintage hoje, mas, ao invés disso, a casa o mantém estocado por décadas, abrindo mão de uma receita segura no presente.

São décadas de capital investido, de espaço e também de dedicação para manter os vinhos em condições perfeitas de armazenamento sob os cuidados de zelosos guardiões até a hora de seu engarrafamento. É a renovação de um compromisso iniciado por gerações que nos precederam e possibilitaram que degustemos esses tesouros hoje.

São caros? Certamente não são baratos, mas, pergunto qual seria a alternativa para poder comprar hoje um vinho que foi guardado especialmente para você por décadas a fio. Para mim, valem cada centavo.

Emoção

A conversa prévia era animada. Éramos como crianças na noite de Véspera de Natal. Abrimos os serviços com o Taylor’s 20 anos. Em seguida, veio o 40 anos, que exerceu lindamente seu papel de nos sintonizar com o que teríamos à frente. Sua riqueza nos fazia pensar sobre quão melhor poderia ser qualquer outro Porto.

Nesse momento, chega o 1964, e se tivéssemos parado aí já teria sido uma das grandes degustações da minha vida. Se eu estivesse completando 50 anos em 2014, correria para comprar uma garrafa destas para celebrar. Na minha opinião, seu preço de R$ 750 é uma pechincha.

Após esta pérola de 50 anos, chegou o grande momento. A mesa estava em franca animação, as conversas corriam em paralelo, mas cessaram quando Fernando Seixas apresentou a caixa do 1863. De dentro de um papelão, saiu uma nobre caixa azul e, de dentro dela, surgiu a linda caixa de rádica que se abre com um certificado assinado pessoalmente por Adrian Bridge. Aos pés do certificado, encontramos não uma garrafa, mas um decanter com uma tampa de cristal gravada e polida à mão na Escócia. A saber, foi feita uma série de 1.800 garrafas, das quais 1.600 já foram alocadas ou vendidas. As 200 restantes integrarão o “library stock” do hotel The Yeatman. Em Portugal, são vendidas por US$ 4 mil.

A linda caixa de rádica se abre com um certificado assinado pessoalmente por Adrian Bridge

Nós, assim como os principais críticos do mundo, recebemos as amostras deste vinho em ampolas de vidro acondicionadas em elegantes estojos de madeira. Cada ampola de 1863 serviu dois dos degustadores, sendo que Arthur de Azevedo guardou um pouquinho para compartilhar depois com sua esposa. Um bom exemplo para os outros que não se mostraram tão cavalheiros.

A viscosidade do líquido que deixava as ampolas era incrível, uma concentração resultante da perda constante de líquidos para a evaporação ao longo de 151 anos na barrica. A evaporação acumulada foi tanta que o genial enólogo David Guimaraens adicionou aguardente vínica para diluir e equilibrar o líquido. Após o conteúdo viscoso dominar a taça, o aroma do vinho extrapolou e espalhou-se pelo ambiente. Em boca, a concentração e a potência são quase indescritíveis, e taninos e acidez equilibram este Golias.

Após o silêncio contemplativo, a conversa foi se aquecendo novamente. Estávamos claramente tentando prolongar o momento, sentindo os aromas, mais do que bebendo, e mantendo um último gole o máximo possível. Os pratos começaram a chegar à mesa e passamos do papel de críticos ao de fãs de um grande vinho e de uma degustação única.



Na mesa estavam Alessandro Breda, Arthur de Azevedo, Christian Burgos, Eduardo Milan, Marcel Miwa, João Paulo Gentile, Gabriel Zipman, Fernando Seixas, João Roquette, Henry Araújo e João Palhinha

Avaliação dos vinhos

AD 92 pontos
TAYLOR’S TAWNY 20 ANOS
Taylor’s, Douro, Portugal (Qualimpor R$ 341). Âmbar translúcido. Aromas de frutas secas, lembrando figos. Muito complexo, com notas defumadas e algo de esmalte. No palato, esbanja acidez, muito frescor, bom corpo e persistência, chamando a atenção pelo equilíbrio do conjunto. Redondo, suculento e vibrante. Tem uma nota agradável de frutas cítricas em compota no final. EM

AD 94 pontos
TAYLOR’S TAWNY 40 ANOS
Taylor’s, Douro, Portugal (Qualimpor R$ 2.164). Aqui já se tem uma nota mais pronunciada de frutos secos e de figo, mostrando um tom medicinal e herbáceo muito agradável. Tem acidez vibrante, muito equilibrado, cheio de volume, chamando a atenção pela textura, ganhado em concentração, precisão e elegância, com um final complexo lembrando melado, flores cítricas e amêndoas. EM

AD 95 pontos
TAYLOR’S COLHEITA 1964
Taylor’s, Douro, Portugal (Qualimpor R$ 750). Esta edição limitada foi lançada em janeiro de 2014 e envelhecida durante 50 anos em cascos de madeira antes de ser engarrafada. Apresenta cor âmbar pálida e brilhante, e aromas complexos e pronunciados de frutos secos, com notas especiadas, tostadas, de tabaco e de caixa de charuto. No palato, chama a atenção por ser delicado e aveludado em conjunto com uma vibrante acidez, que aporta vida ao conjunto. É estruturado, profundo, cheio e de final longo e persistente, com notas de melaço e sempre num contexto de elegância, com várias camadas de sabor. EM

AD 97 pontos
TAYLOR’S COLHEITA 1863
Taylor’s, Douro, Portugal (Qualimpor – não disponível no Brasil).Denso e de cor âmbar de reflexos esverdeados. Muito vivo nos aromas, com notas medicinais, de figo seco, algo de amêndoas e nozes envoltos por uma nota herbácea fresca e agradável, no final as notas de iodo se mostram bem presentes. Chama a atenção pela intensidade, pela acidez vibrante, pela profundidade e pela persistência, esbanjando complexidade. Ótimo volume e final muito longo. Um vinho de meditação em todos os sentidos. EM

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