Clos Apalta, de Alexandra Marnier, ganha prêmio de "Vinho do Ano" e coloca os sul-americanos definitivamente no mapa
Christian Burgos Publicado em 09/12/2008, às 09h21 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
O Brasil definitivamente está na rota internacional do vinho. Em novembro, logo após o Clos Apalta 2005 se tornar o primeiro vinho sul-americano a receber o título de “Vinho do Ano” pela revista Wine Spectator, a revista ADEGA entrevistou com exclusividade, e em primeira mão, Alexandra Marnier Lapostolle, proprietária da chilena Casa Lapostolle – produtora deste premiado vinho, que deve ser catapultado à categoria e ícone, com direito a aumento de preços (talvez) e restrição de garrafas por clientes (com certeza).
Como começa a Marnier-Lapostolle?
A origem do nome é a família Marnier, que está na região de Sancerre desde o século XVIII. Meu tataravô, Alexander Marnier, casou com uma Lapostolle, que tinha uma destilaria ao sudeste de Versalhes. Isso em meados do século XIX, e eles estavam produzindo bebidas alcoólicas com diferentes sabores, mas sem uma marca. Meu tataravô decidiu fazer alguns experimentos para uma nova bebida e a lançou como Grand Marnier. Ele era um grande amigo de César Ritz, e o Grand Marnier foi lançado no Ritz em Paris, de Londres, e assim por diante. Ele disse: “Eu criei, inventei a receita, mas começou na destilaria de Lapostolle. Então, vou adicionar o nome Lapostolle ao meu”. Naquele tempo machista, este foi um ato muito lisonjeiro.
A família continua nos negócios da Grand Marnier?
Hoje ainda é propriedade de família, dirigida por meu pai, e onde trabalham também um tio, meu irmão, meu primo e meu marido. Então, muita gente da família. Trabalhamos juntos e passamos muito tempo juntos. Temos uma casa no sul da França, que Alexander Marnier construiu em 1923, onde nos reunimos. Lá, meu avô começou a colecionar plantas e hoje temos um dos mais bonitos jardins botânicos privados no mundo, com 18 mil espécies diferentes.
E você não ficou na empresa original?
Depois de ter sido criada em Paris, casei com um francês, cuja família vive em Genebra há três gerações. Então eu o segui, como uma boa mulher (risos). Fui morar em Genebra, mas ainda queria estar envolvida nos negócios. Nossas raízes estão em Sancerre e, como queria desenvolver mais esse lado vitivinícola propus: “Por que não fazemos um estudo para ver onde podemos comprar uma vinícola”. Pesquisamos na França, em Bordeaux, mas nunca era exatamente o que queríamos. No final, disse que gostaria de ir ao Chile, pois havia lido que lá a origem dos vinhedos era da França pré-filoxera. Queria ver como esses vinhedos haviam se desenvolvido. Talvez com essas vinhas pudéssemos fazer algo, porque conhecemos bem as variedades francesas”.
Quando foi isso?
Em 1993. Então, meu marido e eu viajamos para a Argentina e Chile, depois seguiríamos para a Califórnia. Paramos no Chile, pois o importador do Grand Marnier no país é o mesmo há mais de 60 anos e havia muitas relações entre as duas famílias – meu avô costumava pedir a eles que enviassem plantas do Chile nos contêineres que voltavam vazios das exportações de Grand Marnier. Foi muito bom, porque não visitamos o Chile como turistas, e fomos levados aos locais certos.
Na primeira viagem, você já terminou em Apalta?
Sim. Foi há 15 anos, em 1994, e entre as propriedades que visitamos, havia Apalta. Naquele tempo, havia uma vinícola que pertencia a Don José Rabat e outras que pertenciam a pequenos produtores que vendiam as uvas para as grandes companhias de vinho. Ninguém sabia exatamente a jóia que se tinha lá, completamente perdida.
Você foi muito rápida na decisão, não?
Tive um pressentimento muito bom andando nesses vinhedos. Então, voltei para a França e disse: “Tive um bom pressentimento, mas realmente gostaria de ter o conselho de alguém de quem havia ouvido falar, Michel Rolland”. Sabia que ele estava trabalhando em Bordeaux, mas também na Califórnia, na Argentina, em outros países. Foi interessante para eu ter o ponto de vista de alguém que não conhecia somente o terroir francês.
Você o conhecia pessoalmente na época? Ou foi a reputação?
Não. Havia lido em revistas de vinho. Veja como são importantes! Havia lido muitas entrevistas dele e sempre gostei de suas idéias e do estilo de seus vinhos. Foi muito engraçado, pois tentei contatá-lo com meu nome de casada e, com dificuldade, achei o telefone de seu irmão. Então, telefonei e disse: “Tenho um projeto e queria muito me encontrar com Michel Rolland”. “Sim, sim. Mas ele é muito ocupado”. Então eu disse: “Minha família produz Grand Marnier”, e tudo mudou. Então, nos encontramos – meu marido, eu, Rolland e sua esposa – e tivemos uma conexão instantânea. Conversamos muito sobre vinhos, a vida. Então, pedimos para ele vir e checar se estávamos certos sobre Apalta.
E quando vocês foram a Apalta novamente?
Em julho de 1993. Ele nos disse que era um lugar ótimo e que realmente acreditava que podíamos produzir algo ótimo. Foi assim que começamos com Don Pepe, aportando os vinhedos em Apalta e trazendo nossa experiência francesa.
Em 1994, você estava produzindo sua primeira safra. Você, primeiramente, foi para o Chile em 1993; e em 1994, estava no mercado?
Sim. Decidimos que iríamos produzir uma safra. Se o vinho não fosse bom, venderíamos a granel e encerraríamos a aventura. Se fosse bom, continuaríamos. E o vinho ficou muito bom. Nosso nome é Marnier-Lapostolle. Marnier fora destinado para o cognac e queríamos mostrar para nossos importadores, distribuidores, que realmente acreditávamos nessa marca. Foi assim que decidimos que íamos pôr o nome Lapostolle.
Você falou sobre a importância de ter vinhedos antigos para produzir os vinhos. Essa foi uma decisão fundamental?
Não, mas encontrar vinhedos antigos foi um ótimo adicional. Foi importante não apenas por serem antigos, mas antigos no solo e microclima certos. Isso é único.
Os vinhedos atualmente não recebem mais irrigação?
Eles não são irrigados há mais de 30 anos. Foram plantados em 1920 e paramos de irrigar por volta de 1970. São vinhedos antigos, plantados em solo pobre, rodeado de montanhas, e que tem o estresse hídrico exatamente necessário. O que os faz únicos são vários fatores: vinhedos antigos, do lado sul, no hemisfério Sul. Quando está do lado do sul no hemisfério Sul não se recebe tanto sol como no lado norte. Então, temos o sol suficiente e dias lindos o ano todo. No fim da tarde, as montanhas nos protegem do calor excessivo, fornecendo mais frescura e acidez aos vinhos.
Onde ficam seus vinhedos no Chile?
Um em Casablanca – onde temos Pinot Noir e Chardonnay –, um em Requinoa – aos pés dos Andes, onde produzimos Sauvignon Blanc e Shiraz, e um pouco de Cabernet Sauvignon e Merlot – e Apalta – onde há Merlot, Carmenère e Cabernet Sauvignon, e plantamos recentemente um pouco de Syrah.
Você tem muito bons vizinhos em Apalta. Vocês trabalham juntos para produzir uma denominação de origem do Vale?
Sim, pois Apalta ainda não tem denominação de origem, mas adoraríamos ter. Talvez agora, que temos o “Vinho do Ano”, talvez o governo se encoraje para fazer algo específico.
E quanto à produção orgânica?
É isso o que queremos: ser orgânicos. Atualmente somos orgânicos nos nossos vinhedos. Estamos no processo de sermos certificados. Mas, é longo, leva dois anos. Mas acredito que é o futuro para o Chile. É mais fácil ser orgânico lá por causa do maravilhoso clima seco e por ser uma ilha protegida. Então, devíamos todos tentar ao menos ser sustentáveis.
Construir uma vinícola gravitacional é parte do conceito orgânico?
Sim, queria ter o vinho fluindo naturalmente, como um rio descendo as montanhas. Não queria usar algo artificial, bombeando para transportar o vinho da área de fermentação para os barris, e dos barris para a garrafa. Disse: “Vamos ter a vinícola para destacar ainda mais a qualidade das uvas que recebemos”. É por isso que acabamos construindo.
Quantos andares para dentro da terra tem a vinícola?
São cinco níveis, a 25 metros de profundidade: recepção das uvas, fermentação, sala de barricas de primeiro ano, sala de barricas de segundo ano e engarrafamento. A primeira safra que produzimos na nova vinícola foi em 2005.
E nesta safra, o vinho é eleito o “Melhor do Mundo”. Qual o segredo?
Fomos evoluindo. Fomos número três, em 2000. E dois, com a safra de 2001. O que mostra que o terroir é realmente algo único.
Há outras vinícolas no terroir de Apalta.
Não é o mesmo terroir. Falamos sobre terroir em metros. Ademais, temos vinhedos antigos, somos os primeiros a ter sombra à tarde. São pequenos detalhes como esses que fazem grande diferença. Acho que esse lugar específico era realmente o certo.
Que outros detalhes fazem a diferença?
Temos muitas mulheres que desengaçam os cacho uva por uva. Na verdade, com a máquina de desengaçar, você ainda tem pequenos pedaços que te dão taninos. Então, fazemos à mão e obtemos somente a fruta. Até a cor do mosto fica diferente.
O que mais?
No Clos Apalta, 2005 foi o primeiro ano que utilizamos uma pequena porção de Petit Verdot.
E a fermentação em tonéis de carvalho? Como funciona?
Em cada tonel de 75 hectolitros fermentamos uva de mais ou menos um hectare, talvez um pouco mais. Por hectare podemos ter 4, 5, 6 mil quilos, depende. Nosso vinhedo é separado em 21 lotes, cada um para um tonel.
E qual o benefício para o vinho?
Primeiro, porque um pequeno conteúdo é sempre melhor. Segundo, achamos que uma pequena troca, durante a fermentação, com o oxigênio de fora, é interessante. Mas muito pequena e por isso escolhemos pessoalmente a madeira na França para a construção dos tonéis.
Estes tonéis dão mais trabalho e agregam custos na produção, não?
Sim. Acho que podemos usá-los por dez anos, mas não é certeza. Talvez oito.
E como se separaram os lotes durante o processo?
Cada um dos 21 tonéis originais transformam- se em 400 barris. Então, selecionamos os barris, e decidimos se esse barril vai ou não para o blend. Normalmente, utilizamos 80% ou 90%. Entretanto, em 2006, utilizamos 60%.
Quantas garrafas de Clos Apalta você está produzindo?
Dependendo da safra, entre 3.000 e 5.000 caixas.
Como esta premiação afetou sua companhia e como pensa que vai afetar no futuro?
Fiquei muito orgulhosa, pois recebi alguns e-mails da minha equipe dizendo: “Estamos muito animados, muito orgulhosos. Não devemos parar de tentar melhorar e ainda temos muitos detalhes para melhorar. Asseguramos que não vamos deitar sobre os louros desse prêmio. Vamos trabalhar ainda mais para tentar melhorar todos os vinhos”.
Como seus colegas vinicultores chilenos reagiram à premiação?
Muitos me telefonaram e disseram: “Estamos muito felizes por você, mas estamos felizes pelo Chile. Você é parte de nossa história e de nosso país, e coloca o Chile no mapa”. Até argentinos, me escreveram: “Seu vinho é sul-americano e pôs a América do Sul no mapa”.
Você acredita neste benefício coletivo?
Estou totalmente convencida que isso vai ajudar, acho que as pessoas vão começar a pensar no vinho chileno, no argentino, no sul-americano, da seguinte maneira: “Eles realmente podem produzir qualidade surpreendente”.
Quando você recebeu as notícias de que seu vinho havia sido premiado, todos os seus vinhos já estavam vendidos? O que vai acontecer com esses vinhos?
Já estava tudo vendido. Espero que meus distribuidores e importadores tomem muito cuidado com o vinho para que seja distribuído bem, nos lugares certos, e que as pessoas que sempre apoiaram Casa Lapostolle sejam os primeiros a ter acesso.
E quanto ao preço?
Acredito que os vendedores vão aumentar o preço.
Isso é bom? Você vai aumentar o preço na próxima safra?
Como todo ano. Não vou mudar minha política de aumento de preços. Aumento o preço 5% todo ano.
Essa é sua política desde o começo? Não importa se o ano é de um bom vinho ou de um vinho ruim?
Se a safra não é tão boa, produzimos menos a fim de manter a qualidade dos nossos vinhos.