Responsável pela maior produção de uvas do Brasil, a cidade gaúcha de Bento Gonçalves celebra, ao lado de seus distritos e cidades vizinhas, a colheita das uvas
Silvia Marcella Rosa Publicado em 01/03/2011, às 13h23 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47
Antes de tudo ser tão científico e pragmático, nós homens, celebrávamos. Celebrávamos a passagem das estações, as batalhas e as conquistas, as artes, a religião e o amor. Mas principalmente, celebrávamos as colheitas, que garantiam aos povos a sua continuidade e crescimento.
Aqui no Brasil, lugar onde as tradições do vinho vieram – em sua maioria – da Itália, o vinho era, até bem pouco tempo, somente o líquido da celebração, mas raramente seu motivo. Algumas cidades do interior do estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul sempre tiveram festas e feiras de vinho, mas, com o tempo, elas tomaram outros rumos, que não o da celebração da colheita das uvas, e perderam seu vínculo com o passado.
Felizmente, da mesma forma que a indústria nacional vem crescendo a olhos vistos, as antigas festas e celebrações vêm sendo resgatadas e voltam a entrar nas cidades e ocupar seus espaços públicos, envolvendo a comunidade, os turistas e os produtores.
Em Bento Gonçalves, cidade serrana do Rio Grande do Sul, conhecida como a “Capital Brasileira da Uva e do Vinho”, os festejos começaram na virada do ano com uma série de festas de Réveillon que abrem a temporada do “Bento em Vindima”. “Bento em Vindima é um evento público e agregador, que vem crescendo ano após ano, pois temos conseguido que a comunidade volte a se interessar e a participar, bem como as empresas que entendem que esse é um momento excelente para o turismo e para os negócios”, explica a secretária de turismo da cidade, Ivane Remus Fávero.
Modernizando tradições
Entre os descendentes de italianos, o momento é mesmo de celebração, principalmente em um ano em que o clima favoreceu a safra, e as festas se espalham pelos distritos de Bento Gonçalves, como em Faria Lemos, com a Festa de la Prima Uva, no Vale Aurora – um resgate de tradições das famílias imigrantes que acontece, como era no passado, no salão paroquial.
“Aproveitamos o que a natureza nos oferece, e que preservamos com carinho, e colocamos um atrativo para que as pessoas desejem participar de uma nova experiência em um cenário tradicional e encantador”, conta a enóloga Bruna Cristófoli, que organiza o “Edredom no Parreiral”, para grupos de até seis pessoas, que aproveitam a beleza da paisagem entre as videiras e edredons, com lanches, vinhos e jazz suave.
Ao todo, são 46 vinícolas localizadas no município de Bento Gonçalves e muitas delas abrem suas portas, parreirais e caves para receber turistas.
Municípios vizinhos de Bento Gonçalves também celebram a vindima
Ultrapassando fronteiras
Os mais de 800 mil visitantes que vão a Bento Gonçalves a cada ano não deixam de visitar as cidades vizinhas, como Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Esta última um ex-distrito de Bento, dentro do Vale dos Vinhedos, que organizou a 6a edição da Festa de Abertura da Vindima – que, neste ano recebeu, somente em dois finais de semana, mais de 22 mil pessoas, com shows musicais, desfiles de carros alegóricos e cursos gratuitos de degustação, entre outras atividades. “Acredito que atingimos o nosso objetivo, de divulgar o município e valorizar o viticultor local que dedica seu tempo aos parreirais”, comemorou o enólogo e presidente da festa, Roque Faé.
Na cidade de Flores da Cunha, ocorre a Fenavindima (Festa Nacional da Vindima), que se inicia com os “Jogos da Colônia”, reunindo moradores de variadas comunidades ao redor da cidade em atividades “esportivas” inusitadas, como corrida de carriola, revezamento de salame, esmagamento uva com os pés, cabo de guerra, lançamento de ovo e arremesso de queijo.
O lado mais tradicional da festa acontece em um pavilhão decorado como uma vila italiana – que reúne vinícolas, moveleiros e produtores locais – e nas ruas da cidade – que recebem desfiles noturnos de carros alegóricos, apresentações musicais e de dança de grupos folclóricos que prestigiam a cultura local, além, é claro, da degustação de uvas in natura e de vinhos.
ADEGA no Vale dos Vinhedos
O recém-eleito presidente da Aprovale (Associação dos Produtores de Vinhos do vale dos Vinhedos), Rogério Valduga, acredita no resgate de tradições dos antepassados e na profissionalização da comunidade como uma forma de gerar negócios e atender melhor os turistas: “As associações precisam das comunidades e vice-versa. Assim, queremos trabalhar para estarmos mais próximos das pessoas que fazem a cultura deste lugar, pois as nossas ações conjuntas serão mais efetivas”, afirma Valduga, que também é proprietário da Vinícola Torcello, no Vale dos Vinhedos.
ADEGA esteve presente em vários eventos que compuseram o “Bento em Vindima” não somente como convidada da colheita, mas também trabalhando para a divulgação do conhecimento da cultura do vinho. Sílvia Mascella Rosa promoveu uma palestra sobre harmonização na Casa das Artes. Além disso, ADEGA foi co-anfitriã de um jantar harmonizado organizado em parceria com a secretaria de turismo da cidade, a Casa de Madeira (restaurante do grupo Valduga) e várias vinícolas da serra.
Tradições muito antigas voltam à tona durante as festas no Vale dos Vinhedos
O jantar, preparado com base em alguns pratos típicos dos imigrantes, foi servido para 68 pessoas e cada um dos cinco pratos foi harmonizado com um vinho de um dos distritos que compõem o município de Bento Gonçalves.
#Q#A entrada de frutas frescas, queijos, copa e torradas foi acompanhada do espumante Brut 130 da Casa Valduga (do Vale dos Vinhedos), escolhido para receber os participantes, refrescá-los na noite quente do final de janeiro e preparar o paladar para os pratos seguintes.
Uma salada de folhas mistas foi acompanhada de queijo de ovelha tostado (dos Caminhos de Pedra) e um molho feito com uma redução de aceto balsâmico e geléia de Malbec. Este prato foi harmonizado com o espumante rosé da Dal Pizzol (de Faria Lemos), buscando equilibrar as texturas das diferentes verduras e casar os sabores frutados da geléia e do espumante rosé.
O primeiro prato foi um gnocchi de batata doce sobre molho de tomate concasée e um fio de azeite de manjericão servido na hora, acompanhado do tinto Salton Desejo 2006 (de Tuiuty). Essa combinação aveludada, e que puxa para os sabores doces, acalma o paladar e aquece suavemente.
Em seguida foi servida, sobre a polenta mole com queijo colonial, uma codorna de cozimento lento em panela de barro, com seu próprio molho reduzido. Para acompanhá-la, o Cabernet Franc XII da Valmarino (Pinto Bandeira), que com sua intensidade e potência, equilibrou os variados sabores do prato.
Finalizando o jantar tão especial, foi preparado um cheesecake de leite de cabra, com coberturas de geleia de kiwi e de frutas vermelhas, acompanhado do refrescante espumante Moscatel Punto Nero (de Bento Gonçalves).
De todos os eventos, a certeza de que o processo de envolvimento de comunidades e turistas nas celebrações da vindima é irreversível por um simples motivo: adoramos celebrar e celebrar com vinho é perfeito.
ADEGA esteve presente no evento “Bento em Vindima”, com uma palestra e um jantar harmonizado