Os segredos para envelhecer um vinho? Eis tema que me foi destinado pelo dr. Piero Garbellotto no encontro "O rio Piave no tonel", que aconteceu em Colfrancui (Treviso) em 14 de maio passado. Respondi simplesmente: "a vinha". Resposta provocatória, mas...
Redação Publicado em 21/09/2006, às 11h51 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
O tonel é ainda um poderoso instrumento da adega, principalmente hoje, quando consumidores inteligentes e preparados buscam alguma coisa no copo, principalmente uma precisa identidade ligada à cepa, ao território e às práticas tradicionais de adega.
Nas montanhas que surgem no limite entre Piemonte e França (outros dizem na região do Trentino) nasceu, há dois mil anos, o tonel, o clássico recipiente de madeira para o vinho.
Era um simples tronco de árvore, escavado em seu interior e, de alguma maneira, recheado de vinho.
Até então, os seguidores de Baco tinham conservado a bebida em terracota e em odres de pele de animais.
Os franceses e os espanhóis preferiram o tonel pequeno, de 225 litros, enquanto os italianos escolheram o tonel de maior volume, até maior que 100 hl. Mas, na metade dos anos 60 do século passado, o tonel ficou definitivamente "fora de moda".
Em seguida, chegaram os regulamentos de produção dos vários Barolo, Barbaresco etc. em que a conservação na madeira era obrigatória, e as adegas se encheram de madeira de alta qualidade. Ao mesmo tempo, foram ampliados os conhecimentos específicos: até aquele momento, o complexo processo de maturação do vinho durante sua permanência na madeira para a oxidação e sucessivamente em garrafa, em processo de redução, era pouco conhecido.
Grande quantidade de estudos e pesquisas foram produzidas sobre a matéria prima e sua elaboração, sobre os mecanismos específicos do envelhecimento e sobre o papel do oxigênio que transmigra no vinho através da parede semipermeável da madeira.
Os fenômenos relativos ao envelhecimento: o que acontece na madeira?
O vinho, no interior do tonel, sofre fenômenos complexos que podem se subdividir em:
evaporação do álcool e da água através dos poros;
dissolução de algumas substâncias da madeira;
trocas gasosas com o exterior;
reações de caráter físico-químico-biológico.
É interessante a ação do oxigênio porque influi sensivelmente na formação do bouquet e na estabilidade da cor.
O aporte de oxigênio ao vinho, durante sua permanência no tonel, é devido às trasfegas, à porosidade da madeira, ou então pela passagem através das fissuras existentes nas aduelas e nas rolhas. Este gás pode reagir com muitas substâncias.
Das complexas reações antocianosflavanos nasce uma cor estável no vinho.
Um excesso de bitartarato de potássio pode ser negativo, porque na fase de precipitação arrasta consigo material corante. Ao contrário, uma boa quantidade de polissacarídeos favorece a estabilização dos antocianos. Durante a conservação, a formação de perfumes terciários esta ligada ao que a madeira libera e ao papel do oxigênio.
Os compostos derivados da lignina que se encontra nas aduelas, passam para o tonel: formam-se em seguida aldeídos de vários tipos, entre os quais a vanilina e o seringoaldeido. Mas o mecanismo não é completamente conhecido. Passam para o vinho outros compostos entre os quais cumarinas, lactonas, taninos e outros compostos fenólicos voláteis.
Quando acontecem reações de oxidação branda, acetalização ou esterificação, os perfumes terciários são os primeiros a serem favorecidos: são conotações olfativas intensas de especiarias, animais e balsâmicas.
Os aromas percebidos lembram baunilha, rosa murcha, couro, alcatrão, tabaco, alcaçuz, cânfora e o clássico goudron, e estão ligados ao surgimento de novas substâncias com nomes estranhos: nor-isoprenóides, damascenona, vitiespiranos.
No tonel, a concentração de flavanos leva a fenômenos de polimerização das cadeias das pro-antocianidinas - leia-se taninos - com reações complexas entre metais, antocianos e colóides. Estes fenômenos determinam modificações na cor e no gosto do vinho.
#Q#Predomina, com o tempo, uma cor granada-alaranjada com diminuição da intensidade da cor e, no gosto, se adquirem maior maciez e harmonia, graças também à formação de cadeias de moléculas relativamente longas, por parte dos flavanos. Mas estes são fenômenos muito complexos e, em parte, ainda a serem estudados: freqüentemente ocorrem reações entre flavanos, colóides e polissacarídeos, com conseqüente aumento da maciez dos vinhos; outras vezes surgem oxidações indesejadas que levam à formação de compostos de retro-gosto amargo e muito pouco agradável.
A madeira imprime no vinho características de cor, aroma e sabor |
Problemáticas de adega
Consideraremos inicialmente as condições de adega para que nosso vinho evolua qualitativamente de maneira ideal. Em seguida veremos os problemas específicos que o responsável pela adega e o enólogo devem enfrentar no trabalho cotidiano.
1 - Atitude
Esta é função do vinhedo. Há tempos se sabe que somente uma boa bagagem fenólica, juntamente a uma ótima estrutura, garante um bom resultado no fim da conservação.
Para esse fim, são prioritárias a vocação da cepa, a natureza do terreno, as técnicas no vinhedo e na adega, em particular a extração das partes sólidas da uva durante a vinificação (maceração). Estes são os valores ideais:
Álcool = 13,5 - 14 graus
Polifenois totais = mais de 2,5 g/l
Antocianos totais = mais de 500 mg/l
Além de acidez e pH adequados.
2 - Trasfegas
Em geral, todos concordam com uma por ano.
Mas seria melhor perguntar: de quanto oxigênio o vinho precisa para evoluir bem? A questão não está resolvida. Por experiência direta, podemos afirmar que é melhor efetuar trasfegas nos primeiros anos de vida do vinho. Em seguida, é melhor reduzir o aporte de oxigênio, limitando-se a uma trasfega anual.
3 - Atestos
Deveriam ser efetuados a cada 15 dias, mas depende do período e da variação térmica na adega.
Completa-se o nível por 7 - 8 meses quando a temperatura desce - setembro a março - despeja-se o excesso por três, quatro meses, praticamente, no verão.
Uma pessoa experiente percebe a mudança de estação pela leve transudação da madeira dos tonéis.
Quanto vinho é consumido? O saldo final é negativo: cerca de 2% em volume, ao ano.
4 - Permanência
Algumas vezes os regulamentos de produção impõem tempos de permanência na madeira excessivamente elevados, com o oxigênio que se torna um inimigo do vinho.
Todos concordam sobre o fato de que o Barolo da safra 1992, se fosse antes para o aço inox, melhor seria. Talvez, dois anos na madeira tivessem sido excessivos.
Lembramos também o ano de 1996: correu-se para levá-lo ao aço porque envelhecia demais na madeira.
Ao contrário, o Barolo de 1964, como lembram os velhos enólogos, "não envelhecia nunca". Ficou pelo menos três - quatro anos na madeira. O mesmo se deu com a safra de 1978.
Cada vinho, cada ano, é uma história à parte.