A formação da cor nos tintos

A tonalidade de um vinho tem um papel significativo na percepção de sua qualidade

Hugo Cesar Stefano Da Silva Publicado em 26/04/2016, às 11h00 - Atualizado às 10h27

Para a percepção das cores, o olho humano transforma em sensação de luz certas radiações, mais especificamente os comprimentos de onda compreendidos entre 390 nanômetros e 820 nanômetros, ou seja, a luz visível. A cor do vinho vem do fato dele ser capaz de absorver diferencialmente as radiações coloridas que o atravessam. O vinho tinto, por exemplo, parece vermelho porque absorve a maioria das radiações correspondentes às outras cores do espectro, exceto aquelas que originam a cor vermelha, deixando passar, portanto, as radiações vermelhas até nossos olhos.

 

Mas para que o resultado deste sistema fisiológico seja positivo e satisfaça as expectativas do apreciador de vinhos, existe um complexo processo químico que se inicia no vinhedo e é influenciado diretamente durante os processos de vinificação.

Os compostos responsáveis pela intensidade corante estão presentes nas uvas e correspondem a um grupo particular de fenóis conhecidos como antocianos. As antocianinas são um subgrupo dos antocianos, porém, por apresentarem mais estabilidade química, podemos considerá-las como o grupo responsável pela coloração dos vinhos. As antocianinas, calculadas como malvidina-3-glucosídica, apresentam-se em quantidade nas variedades para vinho tinto com muita cor, tal como o Cabernet Sauvignon, na faixa de 1g/kg, podendo chegar a 5g/kg para variedades tintórias como a Alicante Bouschet.

Em termos gerais, estes compostos correspondem a um grupo pertencente aos taninos, ou seja, a família dos flavonóides. Eles se caracterizam por uma estrutura química correspondente aos anéis de seis átomos de carbono unidos por um heterociclo central de três átomos de carbono, na forma esquemática se pode representar como uma estrutura C6-C3-C6.
A cor das uvas tintas começa a aumentar quando as bagas iniciam sua maturação e há o acúmulo de açúcares simultaneamente. A principal rota de síntese dos compostos fenólicos se origina a partir do aminoácido fenilalanina, mediante a ação da enzima Fenilalanina amonia-liase, que dá origem aos primeiros compostos fenólicos, base de grande parte dos compostos flavônicos, entre eles os antocianos e taninos.

Pesquisas demonstram que os principais fatores que interferem na síntese de compostos responsáveis pela coloração das uvas e do futuro vinho, além das características genéticas de cada variedade, são as temperaturas e a luz. Na primeira, as enzimas apresentam faixas de temperaturas ótimas que estão entre 15°C a 27°C e, a segunda, como estímulos luminosos fundamentais para regulação das rotas de sínteses. A quantidade de açúcar também é fundamental, já que são substratos para realização da síntese destes compostos colorantes. 

Nos vinhos já elaborados, fatores como o pH, o nível de dióxido de enxofre, a temperatura, o nível de oxigênio, a presença de etanal ou acetaldeído, entre outros, afetam a estabilidade e a coloração presente nos mesmos. As antocianinas se encontram em vacúolos presentes principalmente nas cascas das bagas. No momento que começa o processo de vinificação, as antocianinas são extraídas desde o desengace e esmagamento por ruptura das células e dos vacúolos, até o início da maceração, passando rapidamente para o mosto, ainda quando há um baixo conteúdo de álcool.

Os antocianos apresentam um equilíbrio em função do pH entre formas químicas diferentes, o que condiciona aspectos muito importantes da cor do vinho. Com o pH muito baixo, a forma da maioria dos antocianos presente no vinho é conhecida como cátion flavílio, que apresenta uma coloração vermelha. A partir do momento em que o pH aumenta, o cátion flavílio passa para uma forma química conhecida como base quinoidal de cor violácea e na pseudobase carbinol que é incolor. Por outro lado, a pseudobase carbinol pode transformar-se em um composto conhecido como calcona, que apresenta uma ligeira cor amarela. No vinho, existe um equilíbrio entre as formas vermelha, azul e incolor. Para o pH que se apresenta na maioria dos vinhos, na faixa de 3,5 a 4, apenas 20% a 30% das antocianinas se encontram coloridos. Os restantes 70% a 80% de antocianinas potencialmente poderiam colorir o vinho, porém estão incolores neste pH.

Quanto às transformações que ocorrem na cor dos vinhos, além das relacionadas com a perda por oxidação das antocianinas, há também importantes formações de novos pigmentos mais estáveis e de colorações diferentes. Um grupo de compostos muito reativos denominados flavonóides, conhecidos de forma geral como taninos, se unem com as antocianinas. A união antociano- tanino pode ser do tipo direta, dando origem a compostos vermelhos ou mediada por etanal ou acetaldeído, gerando compostos que são vermelhoazulados. No caso da união mediada por acetaldeído, justifica-se a importância dos vinhos passarem por um período em barricas de carvalho para ocorrer uma micro-oxigenação permitida pelos micro poros da madeira.

Quanto à determinação da cor, os enólogos geralmente utilizam um método tradicional para medir quantitativamente a cor de um vinho tinto. Este método utiliza o espectro que mede especificamente a quantidade da luz que o vinho absorve em dois comprimentos de onda: 420 nanômetros e 520 nanômetros. Usando estes valores, os enólogos podem desenvolver uma impressão de tonalidades vermelha, marrom e amarela de um vinho, além de manter um padrão de cor nos lotes e nas safras. A análise da coloração é um importante parâmetro de controle da qualidade. As vinícolas podem documentar os resultados e calcular os efeitos de variáveis durante a colheita e os processos de elaboração. 

 

Por sua grande complexidade, o conhecimento da cor dos tintos é um desafio que merece muitos estudos para promover práticas enológicas que ajudem a preservar as matérias corantes dos vinhos, mantendo este importante atributo sensorial.