A Vanguarda Espanhola

No paulistano Eñe, ADEGA promove um encontro memorável entre vinhos prestigiados e as inovações gastronômicas dos irmãos Torres

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 29/11/2007, às 14h09 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

Ensalada de Anchovas Frescas

Com respeito aos franceses, os espanhóis têm conquistado mais destaque internacional nos últimos anos. Eles estão revolucionando a gastronomia com inovações e experimentos, exportando novos conceitos. Chefs de cozinha espanhóis têm mostrado ao mundo genialidade e predisposição para pesquisar novos ingredientes e métodos.

A surpresa estava a nossa espera no primeiro “Enogourmet” realizado por ADEGA em um restaurante espanhol, em São Paulo. Em 2007, os irmãos gêmeos de Barcelona, Sergio e Javier Torres, inauguraram o restaurante Eñe, nos Jardins.

Essa grande noite teve oito vinhos harmonizados com sete pratos preparados pela dupla catalã. Começamos com um Jerez, o Fino Quinta, para recepcionar os convidados, e seguimos com o jantar harmonizado com seis vinhos espanhóis e um português, um vinho verde do Minho.

Os loucos pela gastronomia dessa inebriante noite foram: Marcos Camargo (advogado), Roberto Ramos (executivo do setor petroquímico), Matias Avilla (executivo do setor de seguros), Bessa (economista e professor), Luiz Vilaça (executivo de tecnologia da informação), Paulo Rogério Bueno (empresário e colunista de ADEGA), Christian Burgos (empresário e publisher de Adega) e eu, seu editor de vinhos.

1. Matias Avilla
2. Christian Burgos
3. Luiz Villaça
4. Marcos Camargo

5. Roberto Ramos
6. Luiz Gastão Bolonhez
7. Paulo Rogério Bueno
8. Sérvio Tulio Prado Jr

Em nosso primeiro encontro, de um lado tínhamos uma das inovações dos irmãos, do outro, uma Cava, espumante espanhol da Catalunya. As “Batatas Cristal” são cortadas em lâminas muito finas com o auxílio da mandolina, depois são secas. Levam um toque de sal e pimenta do reino antes de serem levadas ao forno sobre uma placa de silicone durante cinco ou seis horas, a 70ºC. As batatas ficam quase translúcidas de tão finas, com uma crocância incrível. Essa combinação da crocância com as persistentes e finas bolhas da Cava mostrou a todos que teríamos uma noite diferente.

“Cochíníllo Crujíente com Manzana”

A segunda harmonização foi o casamento entre um vinho verde seco e profundo com uma salada de anchovas. O vinho “Muros de Melgaço 2005” é um vigoroso branco jovem com muita presença, por isso precisava de um prato com personalidade. A “Ensalada de Anchovas Frescas” é um prato que une mar e montanha. O peixe com pele é marinado em azeite e limão, envolto em uma base de tomate concassê, ciboulete, e coberto com uma fina lâmina de Jámon. A intensidade do peixe foi equilibrada com o toque de limão e a deliciosa acidez do tomate. O conjunto, em contato com o vinho branco, proporcionou uma sensação impressionante.

A próxima harmonização foi o encontro de um dos vinhos brancos mais espetaculares de toda a Espanha, o “Viña Gravonia Crianza 1995”, com um prato bem comum naquele país. O nome da obra de arte é “Pimientos del Píquílo Dominacion de Origen Navarra”: Pequenos pimentões vermelhos recheados de Brandade de Bacalhau, preparada com bacalhau confitado em azeite e “montado” com leite, creme de leite Luiz Villaça e azeite de alho. O pimentão quase doce, porém com certa acidez, envolve uma massa bem branca e super tenra. O conjunto estava muito bom com a Brandade, sobressaindo-se sobre o pimentão. Um prato artístico e com boa intensidade. Para encarar esse prato tínhamos um branco com 12 anos de idade, de cor amarela e um final muito longo e persistente. A harmonização estava ótima, pois tanto vinho quanto prato eram marcantes e se complementaram.

#Q#

Logo a seguir veio a “Terrine de Foie Gras segundo Receita Medieval Catalana”, marinada com 24 tipos de especiarias no vinho tinto. O marcante do prato foi a textura tenra da Terrine. Normalmente, os franceses preparam este prato com a consistência firme. Já o catalão era quase um creme, com as bordas avermelhadas devido ao cozimento no vinho tinto. O companheiro dessa delícia cremosa foi um tinto muito jovem do Priorato, o “Salmos 2005”. Apesar da juventude, o vinho, que foi a grande surpresa da noite, estava vivo e delicioso. Pois bem, a harmonização da gordura do foie com a acidez e a fruta do vinho imprimiu uma sensação de sintonia total, comentou Christian.

A próxima façanha foi mais um desafio no quesito harmonização. Sergio preparou um “Huevo Trufado”. Para acompanhá-lo decidimos colocar um dos mais intensos vinhos da Espanha, o “Quinta de Sardonia 2004”. O ovo trufado, ou ovo de inverno, é assim chamado por ser feito com ingredientes do inverno europeu, como a trufa e os cogumelos. O royal de ave é um flan preparado com ovo, por isso é servido na casca, leva leite, ovos, cogumelos, sal, pimenta do reino e caldo de ave. Depois da preparação, esse flan descansa por 48 horas, para que não forme bolhas. A emulsão que vai por cima do ovo, já pronto para servir, é feita de caldo de trufa e de ave.

Muita força, mas com sutileza e incrível retrogosto. Para acompanhar esse fantástico ovo, não tínhamos outra opção se não um vinho de muita potência, pois em caso contrário, o ovo iria se sobrepor. O “Quinta de Sardonia” cumpriu bem seu papel, estava maduro e com muita presença. O prato despertou a acidez marcante do vinho.

A surpresa estava por vir. Para degustar o vinho “Pago Negralada 2002”, da Abadia Retuerta, um monumento, o “Cochíníllo Crujíente com Manzana”. Esse prato é cozido a vácuo, em baixa temperatura, durante 48 horas. Dourado no forno, e acompanhado por um molho de carne e maçãs quentes.

Um prato de sonhos que teve a gordura do leitão equilibrada pela doçura da maçã. Ao fazer o encontro entre o leitão e o encorpado “Pago Negralada”, tivemos a certeza de que o reino de Juan Carlos e Sofia é mesmo um país que vem roubando a cena da gastronomia mundial.

Um prato de sonhos que teve a gordura do leitão equilibrada pela doçura da maçã. Ao fazer o encontro entre o leitão e o encorpado “Pago Negralada”, tivemos a certeza de que o reino de Juan Carlos e Sofia é mesmo um país que vem roubando a cena da gastronomia mundial.

Fino Quinta Pale Dry

Osborne, Jerez de la Frontera - Espanha (Miolo, R$61,00). Vinho produzido a partir da uva Palomino, a estrela do sul da Espanha e responsável por grandes e especiais vinhos fortificados. Cor amarelo forte, com reflexos levemente esverdeados. Aromas impressionantes de amêndoas tostadas. Um vinho que encanta no nariz pelo equilíbrio, apesar de ser fortificado com aguardente vínica. Sua intensidade no paladar é tão notória quanto no nariz. Seco, com deliciosa acidez e toques defumados e de sal. Um excelente vinho para começar um grande evento enogastronômico. Excelente hoje e com mais três anos de plenitude na garrafa.

Cava Brut Nature

Jané Ventura, Penèdes - Espanha (Mistral, R$62,48). A cava é quase uma religião na Espanha. Essa garrafa apresenta fina perlage, não muito abundante. Cor amarelo com reflexos dourados. Muito leve (11,5% de álcool) e discreta. Tem final um pouco rústico, o que a faz agradável e provocante. Na boca é de média persistência e com agradável e fresco final. Pronta para o consumo.

Alvarinho Vinho Verde Muros
de Melgaço 2005

Anselmo Mendes, Minho - Portugal (Decanter, R$135,90). Amarelo palha intenso. Aromas cítricos com toques florais e madeira na medida (estagia por oito meses em barricas de carvalho francês). No palato é um vinho muito elegante, com ótima acidez e detalhes minerais no retrogosto. Um vinho branco vigoroso que não tem competidor quando o assunto são vinhos verdes. Quase todo ano é eleito o melhor branco do Minho. Um vinho que vai evoluir muito na garrafa. Podemos abrir uma garrafa hoje, mas estará melhor em dois anos e vai permanecer muito bom nos próximo cinco anos.

Vinã Gravonia
Crianza 1995

R. Lópes de Heredia, Rioja - Espanha (Vinci, US$53,25). Amarelo profundo. A cor é conseqüência de estágio de quatro anos em barricas de carvalho. Aromas encantadores de maçã, frutas secas e mel. Na boca é puro equilíbrio entre fruta, álcool (12,5%), acidez e vivacidade. Um branco de exceção com muita vida e frescor. Maduro hoje e com mais cinco anos de plenitude pela frente. Produzido 100% com a uva Viura.

#Q#

Salmos 2005

Torres, Priorato - Espanha (Reloco, R$177,00). Novidade de Miguel Torres, que agora tem um vinho do Priorato. Essa é a segunda safra desse vinho, que já mostrou a que veio. Um blend de Garnacha Tinta, Syrah, Mazuelo e Cabernet Sauvignon. Lindo rubi escuro. Aromas deliciosos de especiarias, compota de frutas negras e vermelhas entrelaçadas com um delicioso carvalho. Na boca é imponente, gostoso e com taninos muito bem formados. O tostado da madeira e a fruta madura estão totalmente integrados ao álcool (14,5%). Em plena juventude. Tem mais dez anos de guarda.

Quinta de Sardonia
2004

Viñas De La Vega Del D., Castílla y Léon - Espanha (Gran Cru, R$240,00). Vinho produzido com técnicas biodinâmicas. Seu blend é composto de 5% Cabernet Franc, 30% Cabernet Sauvignon, 3% Malbec, 20% Merlot, 5% Syrah, 36% Tinto Fino (Tempranillo no Duero e Castilla) e 1% Petit Verdot. Quase sólido e retinto na cor. Seu primeiro ataque no nariz é exótico e bombástico. Apresenta fruta madura, especiarias e boa carga de baunilha. Os 15% de álcool estão integrados no conjunto, mas ele não se sobressai, tamanha a intensidade do vinho. Na boca é forte, gordo, macio e com excelente final. Um grande vinho. Muito bom hoje, mas tem 15 anos de muita vida e evolução pela frente.

Pago Negralada
Syrah 2002

Abadia Retuerta, Sardon del Duero - Espanha (Península, R$909,00). Na produção desse vinho, a seleção das uvas foi intensa e detalhada. Aromas sensuais de muita fruta madura, toques de ervas e especiarias, com boa presença de madeira (passa por 24 meses em barricas de carvalho francês de grão fino). Na boca é um vinho potente, denso e alegre. Longo e persistente final. Apesar de impactante hoje, na flor da idade, evolui já na garrafa e pelos próximos dez anos. 100% Tempranillo.

La Cilla Pedro Ximenez

Bodegas Barbadillo, Saluncar de Barrameda - Espanha (WordWine/La Pastina R$130,00).Vinho produzido a partir de uvas Pedro Ximenez, secadas em esteiras e, então, vinificadas. Quase negro na cor. Super denso. Remete a aromas de alcaçuz, frutas secas, uvas passas e um toque de café. Sua cremosidade e doçura são impressionantes. Um vinho diferente e muito rico. Profundo e prazeroso. Uma experiência única. Excelente para consumo hoje e mais 15 anos de guarda.