A volta de um clássico

Marcelo Copello Publicado em 29/05/2008, às 07h25 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45

Uma das mais antigas lendas do rico folclore de nossa bebida predileta remonta ao medievo e tem como personagem principal uma ave faminta. O galo mais famoso da história viveu na Toscana, Itália, há mais de 400 anos e teve atuação decisiva em uma disputa política, chegando a evitar uma guerra.

As cidades-estado de Siena e Florença não se entendiam no estabelecimento das fronteiras de seus vinhedos. Decidiu-se por uma disputa entre cavaleiros. Um representante de cada lado partiria, de madrugada, na direção do oponente. O local onde estes se encontrassem marcaria o limite territorial. A largada seria dada ao cantar de um galo. Os habitantes de Siena selecionaram um garboso animal bem nutrido e de penas muito brancas. Os florentinos optaram por um galo preto e mal alimentado. Este último, despertado pela fome, cantou primeiro. O cavaleiro de Florença partiu na frente estendendo as fronteiras da cidade até o Castello de Fonterutoli. O Gallo Nero (galo negro) tornou-se, desta maneira, o símbolo deste que é um dos vinhos mais famosos do mundo, o Chianti.

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“Gallo Nero”, símbolo dos florentinos na disputa pelas fronteiras dos vinhedos com Siena

O nome etrusco Clante-i, para designar a região, é citado em documentos do século VIII e as primeiras menções ao seu vinho datam do século XIV. Mas foi apenas em 1716 que o Gran Duque Cosimo III, da mítica família Médici de Florença, outorgou o ato que fez desta uma das primeiras áreas vinícolas geograficamente demarcadas.

Não se sabe bem como era o gosto deste vinho nos seus primórdios. Sua “fórmula” tem sido aperfeiçoada ao longo dos séculos. O padrão do Chianti moderno foi estabelecido pelo Barão Bettino Ricasoli (1808-1890). Depois de décadas de experimentações, ele chegou ao corte que é usado como base até hoje: 70% da tinta Sangiovese, que dá o caráter, corpo e cor; 20% da tinta Canaiolo, que contribui com maciez; e 10% das uvas brancas Trebbiano e Malvasia, que conferem leveza e frescor à mistura.

A receita do Barão fez sucesso e a popularidade do vinho cresceu ainda mais no início do século XX. Com isto, os viticultores de regiões próximas começaram a produzir vinhos semelhantes e engarrafá-los sob o nome de Chianti. Os produtores da região original se sentiram prejudicados e criaram, em 1924, o Consorzio del Marchio Storico ou Consorzio Chianti Classico, cujas garrafas vêm identificadas por um selo próximo ao gargalo que traz como símbolo o inconfundível galinho preto.

Nos anos 1950-1960, a qualidade caiu e Chianti virou sinônimo de vinho de trattoria, com as garrafas do tipo Fiasco, com fundo de palha, penduradas no teto. Este tipo de embalagem foi totalmente abandonada pelos produtores de qualidade, que atualmente usam vasilhames do tipo bordalês.

Vinhedo em Chianti

Em 1966, a região ganhou sua DOC (Denomicação de Origem Cotrolada) baseada nos já antiquados métodos do Barão Ricasoli. A qualidade continuou caindo e a produção aumentando, o que, de certa forma, motivou o aparecimento do que hoje chamamos de “supertoscanos” (vinhos “fora da lei”, feitos na Toscana com utilização de uvas estrangeiras). O Tignanelo, pioneiro desta categoria, foi criado neste contexto pelo Marquês Piero Antinori em 1971. E o que é este grande vinho senão um Chianti, da região clássica, porém feito com 80% Sangiovese e o restante de Cabernet Sauvignon, sem as utilizar as uvas brancas, até então obrigatórias?

A região foi elevada a DOCG (Denomicação de Origem Cotrolada e Garantida) – grau mais alto da lei italiana –, em 1984. Desde então, as regras de elaboração do Chianti, no que diz respeito às uvas, mudaram várias vezes, flexibilizando- se e aproximando o Chianti do mercado internacional. Desde 2006, o Chianti Clássico precisa ter ao menos 80% de Sangiovese, não pode mais ter uvas brancas e os restantes 20% podem ser de quaisquer tintas, o que na prática permite o uso de castas como Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot, ou mesmo a elaboração de Chiantis com 100% de Sangiovese, assemelhando-se ao Rosso ou o Brunello di Montalcino.

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Depois do crescimento da região, esta foi subdividida em oito sub-regiões, conforme sua origem e assim expressas nos rótulos: Chianti Clássico, região entre Siena e Florença – não é garantia de qualidade, mas a maioria dos bons vem daqui; Chianti Colli Fiorentini, das colinas próximas à Florença; Chianti Rufina (não confundir com Rufino nome de um produtor), próxima à cidade de Rufina, com bons produtores, mas difícil de achar no Brasil; Chianti Montalbano, nos arredores da cidade de Montecarlo, noroeste de Florença; Chianti Colline Pisane, das colinas de Pisa; Chianti Colli Senesi, ao redor de Siena; Chianti Colli Aretini, próximo a Arezzo. Além disso, o vinho pode ostentar apenas a palavra Chianti em sua etiqueta, o que significa ser originado de partes menos nobres da região.

Os Chianti têm ainda a divisão de duas categorias: riserva e normale. A indicação riserva pode aparecer associada a qualquer das subzonas acima. A diferença no estilo – não necessariamente na qualidade – é grande. Por lei, os reservados precisam envelhecer 26 meses antes de chegar ao mercado, enquanto os outros apenas de quatro a sete meses. Na prática, os primeiros terão um estágio maior em carvalho, mais corpo e álcool. Para muitos, isto descaracteriza o Chianti – historicamente um vinho jovem, leve e vivo. Os normale cumprem melhor seu papel à mesa, enquanto os riserva marcam mais presença em degustações por seu caráter e estrutura. Faça sua escolha.

É bom lembrar que leis determinam apenas um mínimo de padrão, mas não qualidade. Os Chianti continuam sendo irregulares, indo dos quase sem nenhuma condição de serem bebidos aos excelentes. A classe sempre virá da vontade e capacidade do produtor. Avaliamos e selecionamos abaixo exemplares disponíveis em nosso mercado: