O que isso significa? O que os produtores podem fazer em relação a isso? O que vai acontecer no futuro?
Dirceu Vianna Jr - Mw Publicado em 14/05/2010, às 08h31 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
Por razões relacionadas especialmente ao aquecimento global, saúde, capacidade de envelhecimento e gastronomia, a indústria está demonstrando uma crescente preocupação com os níveis de álcool dos vinhos. Há uma evidência irrefutável no mundo todo de que o teor alcoólico vem subindo desde 1980. O AWRI (Australian Wine Research Institute - Instituto de Pesquisa de Vinho Australiano) publicou uma pesquisa feita entre 1984 e 2000 que sugeria que os níveis de álcool tenham aumentado de uma média de 12,4% para mais de 14%.
Estatísticas similares do Californian Grape Crush Report (relatório da safra de uvas da Califórnia) demonstram que a média subiu de 12,5%, em 1978, para 14,8%, em 2001. Mesmo em regiões clássicas como Bordeaux, onde 20 anos atrás era normal encontrar vinhos com 12%, o nível tem aumentado dramaticamente. Durante a campanha "en primeur" deste ano, as degustações no Château La Mission Haut Brion revelaram teor alcoólico de 14,9%; e com o Château Troplong Mandot mostrando 15,5% no rótulo. Com uma evidência tão clara, é impossível negar que os níveis de álcool, e consequentemente os estilos dos vinhos, estejam mudando.
Mudanças climáticas são apontadas como as principais razões para o aumento dos níveis alcoólicos, mas é possível reverter
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Quais as razões?
Métodos modernos de viticultura são parte da resposta. Não há dúvida de que o conhecimento em viticultura se desenvolveu enormemente nas últimas duas décadas. Este conhecimento tem dado aos viticultores a habilidade de assegurar que as plantas se mantenham saudáveis por mais tempo durante a temporada de crescimento, o que significa que os produtores são capazes de manter os cachos por mais tempo nas vinhas.
"Hang time" (tempo de espera), é o termo utilizado para indicar a prática de deixar as uvas na vinha além do ponto de maturação de açúcar para alcançar maturação fenólica. No entanto, quando isso é atingido, os níveis de açúcar estão altos, o que consequentemente significa que o teor de álcool do vinho será alto. Esta é uma questão importante que está diante de muitos produtores hoje no mundo.
Críticos como Robert Parker parecem favorecer vinhos mais ricos, com opulência de frutas em suas notas. Mas os consumidores também têm sua parcela de culpa na alteração dos estilos ao optar por vinhos para consumo imdediato, geralmente mais frutados, ou seja, com mais álcool |
Melhoria nas técnicas de manejo da copa também exercem um impacto. Com sistemas de suporte de vinhas mais elaborados usados em lugares mais frios, como Nova Zelândia, é impossível alcançar níveis de açúcar mais altos nas uvas. Copa abertas concedem mais luz do sol à planta, o que tem um impacto positivo no teor de açúcar.
Outra técnica aplicada no fim do período de amadurecimento, especialmente em regiões de clima mais fresco, é a prática da remoção das folhas. Removendo-as do redor dos cachos, aumenta a exposição da fruta ao sol. Isso, por sua vez, melhora o acumulo de açúcar. Além das técnicas, há o fator variedade das uvas. Algumas castas, como Viognier, Grenache e Zinfandel são reconhecidas por suas capacidades de acumular altos níveis de açúcar.
Nos últimos 20 anos, leveduras comerciais foram criadas para desenvolver diversas características desejáveis, entre as quais, a habilidade de fermentar vinhos a seco sob várias condições. Isso gerou leveduras capazes de lidar com as uvas com níveis de açúcar acima de 26º Brix, o que pode equivaler a 15 ou 16% de álcool.
Além das ferramentas de vitivinicultura, talvez uma das mais influentes - responsável por um aumento dos níveis alcoólicos - seja a caneta dos críticos de vinho que, algumas vezes, precisam provar mais de 100 amostras em um dia. Neste tipo de ambiente competitivo, os vinhos que podem chamar a atenção do crítico são geralmente os com aromas exuberantes de frutos maduros. Na maioria dos casos, os estilos estão associados com alto teor de álcool, isso sem mencionar uma boa quantidade de madeira.
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Um dos críticos mais influentes do mundo no momento, Robert Parker parece favorecer esses vinhos ricos, com opulência de frutas que se sobressaem. Notas altas de Parker significam preços altos, daí a razão pela qual tantos produtores estão trocando o estilo de seus vinhos para satisfazer o nariz e o palato de tais críticos, assim como dos consumidores.
Uma vez que os consumidores têm parecido menos inclinados a comprar vinhos para guardar por 15 ou 20 anos, eles também têm parte nisso, quando se trata de alteração de estilos. Os consumidores parecem estar guiando essa tendência na direção de vinhos mais frutados, o que geralmente aponta para mais álcool.
Finalmente, as mudanças climáticas são apontadas por muitos como uma das principais razões do aumento dos níveis alcoólicos. Isso por ser facilmente compreendido pela análise recente dos dados do IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
O que a indústria pode fazer a respeito dessa tendência?
A escolha de onde estabelecer um vinhedo é talvez a decisão mais importante que pode ser tomada para infl uenciar o nível de maturação das uvas. Os produtores que estão planejando novos desenvolvimentos estão buscando lugares mais frescos para plantar as vinhas. Este é o caso na Catalunha, norte da Espanha, onde os produtores estão procurando terras em maior altitude, em que as temperaturas são notoriamente mais baixas.
A variedade da uva também faz parte e "bombas de açúcar" como Viognier poderiam ser evitadas em favor de cepas que tendem a acumular menores níveis de açúcar, como Verdicchio, por exemplo.
Além da casta, o produtor também pode considerar o uso de porta-enxertos, pois têm impacto direto na produtividade. Rendimentos mais baixos tendem a aumentar a concentração, incluindo maiores níveis de açúcar. Escolhendo porta-enxertos adequados, o teor de açúcar na uva e, por consequência, o nível de álcool do vinho pode ser reduzido. Essa alternativa, assim como outras que serão listadas a seguir, vai contra o pensamento moderno, que, em geral, tem como objetivo baixos rendimentos e altos níveis de concentração.
Para vinhedos estabelecidos, é recomendado que produtores tenham como meta uma redução do nível de fertilizante, de acordo com Brett Snelson, um produtor australiano de Barrossa Valley.
Em termos de viticultura, algumas ações tomadas por produtores que buscam diminuir os níveis alcoólicos no blend final incluem evitar copas muito grandes, abertas e elaboradas em climas ensolarados, e se fixar em vinhas pequenas e simples, como é o caso das partes áridas da Espanha. A remoção excessiva das folhas nas semanas antecedentes à colheita pode fazer com que as uvas murchem e desidratem devido ao aumento da luz do sol. Este foi o caso em alguns Châteaux na região de Bordeaux em 2003 e o resultado, em alguns lugares, foi uma fruta com altos níveis de açúcar.
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Dependendo da região de produção, a irrigação pode ser aplicada antes da colheita para atenuar os níveis de açúcar. Essa técnica foi usada com sucesso por alguns produtores do estado de Oregon, nos Estados Unidos, durante o período de calor antes da colheita de 1998, para assegurar que os frutos chegassem à vinícola com o equilíbrio adequado.
O período da colheita é crítico e os produtores devem evitar colher muito tarde se quiserem diminuir os níveis de álcool. Se houver cachos com maturação heterogênea, é preferível eliminar os de desenvolvimento tardio durante a vindima, pois a opção de fazer a "colheita verde", apesar de amplamente adotada por muitos produtores, resulta em um aumento de concentração dos componentes das uvas, incluindo açúcar.
Uma vez que as uvas chegam à vinícola, há uma maneira muito simples, mas controversa, de baixar os níveis alcoólicos: adicionar água ao mosto. Isso é feito em muitos países do mundo e é tão simples quanto abrir uma torneira. É aceitável e perfeitamente legal em países como Estados Unidos. Mesmo em várias nações onde essa prática não é permitida, ela é usada por muitos.
Uma forma mais natural e talvez mais aceitável de reduzir o álcool seria via a seleção de certas cepas de leveduras que notoriamente produzem menor nível de etanol por grama de açúcar. Em geral, seria preferível leveduras selvagens se a meta fosse reduzir o álcool, mas muita pesquisa tem sido realizada para descobrir e desenvolver uma cepa de levedura com esse propósito.
Em termos de tecnologia, há muitas opções disponíveis para os produtores que querem reduzir os níveis alcoólicos de seus vinhos: osmose reversa, ultrafiltração, "spinning cones" (tecnologia em que o vinho passa por uma coluna cujo sistema de cones rotativos separa frações voláteis, incluindo o álcool, através de forca centrífuga e vácuo), destilação a vácuo; e a lista continua.
Pode soar técnico e futurístico considerar tais intervenções físicas numa bebida que, na maioria das vezes, traz à mente belas paisagens de vinhedos, um velho produtor carinhosamente cuidando de suas vinhas e um senso de que o vinho é um produto natural. Bem-vindo ao mundo onde o vinho é percebido com uma commodity, não fruto da natureza. Pode ser triste, pode ser chocante, mas, em alguns casos, é verdade.
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É possível que vejamos uma diminuição gradual dos níveis de etanol nos vinhos mais básicos e intermediários. Entretanto, no topo da cadeia, onde os vinhos são vendidos por centenas de dólares ou mais por garrafa, e onde o preço é intrinsecamente ligado às altas notas dadas pelos críticos, é esperado que os produtores continuem produzindo vinhos potentes, amadeirados e alcoólicos |
E o consumidor?
Não há dúvidas de que críticos e jornalistas, especialmente na Europa, estão, cada vez mais, pedindo vinho com níveis menores de álcool, mais elegância e frescor. Mas os consumidores parecem estar menos preocupados com isso. Não muito tempo atrás, alto teor alcoólico era sinônimo de melhor qualidade na França. De fato, o sistema de qualidade, em alguns casos, ainda favorece isso ao deixar os vinhos com 0,5% a mais de álcool usar à palavra "Superieur", como é o caso em Bordeaux.
No Brasil, de acordo com Guilherme Corrêa, um dos mais talentosos sommeliers do Brasil, "o consumidor não toma o teor alcoólico como uma variável importante ao efetuar a compra. E quando o faz, ao contrário do europeu - que tem preconizado vinhos com teores moderados de álcool - prefere vinhos mais alcoólicos, acima dos 14%, pois faz uma associação do álcool com corpo, maior concentração, maior qualidade."
Eugenio Echeverria, que está frequentemente em contato com consumidores através da "The Wine School", acredita que os consumidores brasileiros levam em conta outros parâmetros como o nome da marca, o estilo do vinho, a variedade da uva, o país de origem e vários outros fatores antes de pensarem no nível de álcool. Echeverria, que é chileno, faz palestras por toda a América do Sul, especialmente no Brasil. Ele acredita que seus compatriotas se comportam de maneira similar e o álcool nunca é um fator decisivo quando os chilenos compram vinhos.
Flávio Pizzato, da Pizzato Vinhas e Vinhos, também crê que o consumidor brasileiro associa os níveis alcoólicos com corpo e, em geral, optam pelos vinhos com altos teores, que são considerados mais cheios de corpo e sabor. No entanto, em círculos mais especializados, Pizzato acredita que há sinais de que o consumidor está começando a buscar vinhos mais equilibrados, sem tanto álcool.
Consumidores brasileiros não consideram o teor alcoólico uma variável importante na hora da compra
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O que nos aguarda no futuro?
Devido às preocupações expressas por compradores de vinho e jornalistas, os produtores estão começando a ouvir e reagir. Há algumas evidências de que estamos começando a ver vinhos com menores teores de álcool no mercado. Existem produtores que já estão colocando em prática um programa de redução de álcool para ficar na frente de seus concorrentes.
É possível que vejamos uma diminuição gradual dos níveis de etanol nos vinhos mais básicos e intermediários. Entretanto, no topo da cadeia, onde os vinhos são vendidos por centenas de dólares ou mais por garrafa, e onde o preço é intrinsecamente ligado às altas notas dadas pelos críticos, é esperado que os produtores continuem produzindo vinhos potentes, amadeirados e alcoólicos. Levará mais tempo até começarmos observar mudanças nesse patamar.
Razões para buscar vinhos menos alcoólicos
Dependendo do estilo do vinho, o teor alcoólico é simplesmente um componente da estrutura geral e deveria estar equilibrado com os outros elementos estruturais. Contudo, em certos estilos, o álcool desempenha um papel essencial, ditando, inclusive, o estilo e tendo impacto na capacidade de envelhecimento, como é o caso dos Vinhos do Porto, Sherry e Madeira, por exemplo. Nesses estilos, não há razão ou vantagem em reduzir o teor alcoólico, pois haveria um impacto no estilo e possivelmente na longevidade.
Para os vinhos tranquilos, uma das principais razões para buscar uma redução do teor de álcool são questões de saúde. Estou certo de que a maioria das pessoas teve uma dor de cabeça depois de uma noite em que acredita que não bebeu mais do que devia. A resposta para isso pode ser os níveis de álcool que superam os 14 %. Talvez essa seja uma das razões pelas quais os impostos de muitos países punam bebidas com teores alcoólicos mais altos, acima de 15%, na maioria das nações europeias. Nesses casos, isso pode representar uma razão econômica para os produtores diminuírem os níveis de álcool.
Impacto na estrutura, envelhecimento e harmonização
O álcool por si só não tem infl uência no perfi l de sabor, mas está diretamente relacionado com o nível de maturação, o que obviamente dita aromas e sabores. Não podemos dizer que um vinho com teores mais altos apresentam maior intensidade de sabores. É possível que um Sauvignon Blanc do Loire, de 12,5% apresente maior intensidade que um Sauvignon Blanc de lugares como o sul da França, ou Califórnia, onde geralmente atingem 13,5% ou mais. Ao contrário da crença popular, álcool não é sinônimo de sabor.
Os componentes estruturais responsáveis pela capacidade de envelhecimento em vinhos brancos incluem primordialmente a acidez e o pH, enquanto que nos tintos são parte da mistura. O álcool é uma mera consequência dos níveis de maturação, portanto é incorreto dizer que o teor alcoólico sozinho tem impacto direto na capacidade de envelhecimento dos vinhos tranquilos.
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Porém, uma coisa é certa: estes vinhos com altos níveis de álcool, consequentemente baixa acidez natural e alto pH, não vão envelhecer tão bem quanto um que tenha níveis moderados de etanol, maior acidez natural e pH mais baixo. Por exemplo, um Syrah do norte do Rhone irá, na maioria dos casos, envelhecer mais graciosamente e por mais tempo que um Shiraz australiano.
Além das questões técnicas, o principal é que o vinho é feito para ser apreciado e, em muitos casos, harmonizado com comida. A densidade específi ca do álcool é menor que a da água, entretanto, ele possui uma textura mais viscosa que contribui com o corpo do vinho. Teores alcoólicos mais altos contribuem para uma estrutura mais robusta. Uma estrutura potente irá sobrepujar pratos mais leves. Portanto, voltamos à questão do equilíbrio.
Uma das maiores desvantagens dos altos níveis de álcool nos vinhos é sua sobreposição em relação aos pratos com os quais estão sendo servidos. Isso não signifi ca que vinhos mais alcoólicos não podem ser apreciados com comida. Eles podem. No entanto, é mais comum que os com níveis mais moderados tendam a harmonizar melhor, especialmente com pratos com sabores mais delicados.
Pode-se ter 12% ou 15%, mas a questão chave e vital é assegurar que o vinho em si esteja em harmonia. Uma vez que ele está equilibrado dentro de sua própria estrutura, a tarefa do consumidor, ou do sommelier, será descobrir um prato adequado para acompanhar um vinho em particular, tenha ele mais ou menos álcool.