Flores da Cunha e Nova Pádua conquistam a terceira Indicação de Procedência do Brasil
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 19/02/2013, às 06h08 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h48
Na tarde do dia 4 de fevereiro de 2013, sob um brasileiríssimo céu azul brilhante e límpido e entre parreirais verdes, ornados pela beleza ímpar dos cachos de uvas, foi aberta oficialmente a vindima da cidade de Flores da Cunha, na Serra Gaúcha. E como se não bastasse o fato de o dia ser de uma perfeição cinematográfica, a cidade celebrava uma colheita de alta qualidade e a notícia do reconhecimento pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) do pedido de Indicação Geográfica para seus vinhos finos. A região dos Altos Montes - que abrange os municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua - torna-se assim a terceira a conquistar a Indicação de Procedência, depois do Vale do Vinhedos (elevado no ano passado à condição de Denominação de Origem) e de Pinto Bandeira.
Prensagem rápida
O processo correu rápido, por conta da experiência dos envolvidos com os pedidos anteriores, que fez com que os estudos fossem levados às autoridades com maior precisão de informações: "Nosso projeto chegou ao INPI mais completo, pois hoje sabemos das experiências das outras regiões, temos um bom compartilhamento entre os enólogos - que vai contra a impressão de que eles trabalham em lados opostos como concorrentes - e assim as análises e pesquisas também correram mais rápido. Da entrega do pedido (em março do ano passado) até o aceite passou menos de um ano", explica Deunir Argenta, presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos dos Altos Montes, a Apromontes, e sócio da vinícola Luiz Argenta.
O ex-presidente da entidade, Paulo Tonet (sócio da vinícola Terrasul) explica que praticamente desde a fundação da Apromontes, em 2002, já havia o desejo de trabalhar para diferenciar a região. Assim, alguns anos depois teve início um mapeamento das terras e das propriedades que já produziam uvas finas (os dois municípios são os maiores produtores de uvas de todo o estado do Rio Grande do Sul, somando-se uvas finas, híbridas e de mesa). "Os estudos preliminares é que nos mostraram efetivamente que tínhamos o potencial para a produção de qualidade, digna de uma IP. Foi assim que a associação decidiu entrar com o pedido, já bem embasado e objetivando mostrar a qualidade do produto final", completa Tonet.
Para chegar ao ponto de formalizar o pedido da Indicação de Procedência, o trabalho conjunto de várias entidades foi essencial, além da abertura e disponibilidade dos onze associados da Apromontes para mostrar seus processos e métodos produtivos. Ao todo, o projeto mobilizou uma equipe de 15 pesquisadores diversas instituições.
Projeto para a aprovação da IP de Altos Montes correu mais rápido devido ao know-how dos envolvidos
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Reconvertendo a história
O município de Flores da Cunha, com seus pouco mais de 27 mil habitantes, tem na produção de uvas o sustento de milhares de famílias desde épocas remotas do começo da imigração italiana para o país. Em décadas passadas, boa parte dessa produção era vendida para engarrafadores de outros estados e cidades como Jundiaí e São Roque, em São Paulo. Até hoje a produção ainda está muito ligada às uvas de mesa e aos vinhos comuns, fonte do sustento e dos investimentos da maior parte dos vitivinicultores da cidade. Mas aos poucos o mercado também começa a mudar: "Há 4 ou 5 anos vendíamos a granel cerca de 12 milhões de litros de vinho de mesa. Hoje não chega a 40% disso. Outro fator é que o preço por litro do vinho de mesa é quase o mesmo do quilograma da uva, por volta de R$ 0,90", conta Volmar Salvador, sócio da Terrasul, vinícola que vem passando por enormes mudanças nos últimos anos que visam, também, a adaptação às regras da IP. Aos vinhedos de uvas finas do município de Pinheiro Machado, na Campanha Gaúcha, que já pertencem à empresa, serão agregados outros dentro dos limites da IP, nas cidades de Flores da Cunha e Nova Pádua. O objetivo da empresa é ter vinhos de alto padrão que possam exibir o selo da indicação geográfica e favorecer os produtores de uva da região. "Vinho fino agrega valor e os produtores de uva precisam se conscientizar disso", completa Salvador.
Esse, aliás, é um dos maiores objetivos da Apromontes nos próximos anos: fazer com que alguns dos produtores de uvas de mesa reconvertam seus vinhedos para as uvas finas, diminuindo a produtividade por hectare e valorizando o terroir local. Como há (cadastradas) quase 2 mil propriedades vitícolas na região, trabalhando com uvas finas e de mesa, o processo pode demorar. "Há um trabalho interno muito sério para ser feito em relação à reconversão de vinhedos com nossos produtores. Felizmente, os associados já estão bem alinhados em relação à isso. Agora, de posse da IP, teremos os melhores argumentos para convencer os viticultores a investirem mais ainda nos vinhedos", afirma o presidente Deunir Argenta.
Segundo as normas, os espumantes secos (brancos ou rosados) podem conter apenas Riesling Itálico, Chardonnay, Pinot Noir e Trebbiano. Para os doces, as variedades de Moscato aceitas são o Branco, Giallo, de Alexandria, Clone R2, além da Malvasia |
Separação de mosto
A alta qualidade das três últimas safras (2011, 2012 e 2013) serve, também, como argumento para os donos de vinícolas (muitos deles enólogos) demandarem dos produtores de uvas a melhoria da matéria-prima: "Precisamos fazer os viticultores entenderem o trunfo que a IP será em nossas mãos. Temos uma região privilegiada, cujas últimas safras foram realmente especiais e, se tudo continuar como está agora, 2013 será um sucesso enorme. Não podemos deixar nada disso se perder por não fazermos o que é necessário", enfatiza Paulo Tonet.
Os vinhedos da região fazem parte da Serra Gaúcha, no nordeste do Rio Grande do Sul, e a área delimitada da IP Altos Montes engloba 174 quilômetros contínuos, nos dois municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua. Em termos geológicos, a região tem rochas vulcânicas, incluindo basaltos, riolitos, e solos argilosos. O nome "Altos Montes" se justifica pela altitude média dos vinhedos, a 678 metros acima do nível do mar, com picos de cultivo beirando os 900 metros. "Nessas altitudes e com a grande amplitude térmica da região (em pleno verão as temperaturas variam entre 10 graus e 32 graus), conseguimos uvas de alta maturação sem perder acidez. Assim temos, por exemplo, excelente potencial para produzir espumantes de método tradicional maduros e complexos", conta o enólogo Daniel Salvador.
Trabalho em relação à reconversão de vinhedos está entre as prioridades da região
Ele, que é vice-presidente da Apromontes e sócio da vinícola que leva seu sobrenome, passou a ter a dura missão de presidir o Conselho Regulador da entidade, responsável pelo cumprimento das normativas de controle que delimitam a IP.
Ele conta que cinco vinícolas (das 11 que pertencem à Apromontes) terão os vinhos com o selo da IP num primeiro momento. Serão apenas 14 rótulos da safra de 2012. Esses vinhos já passaram por análise de degustação dos membros do Conselho, pesquisadores da Embrapa e da Associação Brasileira de Enologia (ABE). "Por volta de abril e maio haverá degustação, análise e certificação dos produtos de 2013. Nessa safra, o número de vinhos certificados deve dobrar devido ao melhor preparo das vinícolas para o envio de amostras", destaca Salvador.
Algumas das regras às quais os vinhateiros terão que se adequar são as que delimitam, por exemplo, as uvas com as quais os vinhos podem ser feitos. Os tintos podem ser de Cabernet Franc, Merlot, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Ancellotta, Refosco, Marselan ou Tannat. Os brancos com Riesling Itálico, Malvasia de Candia, Chardonnay, Moscato Giallo, Sauvignon Blanc ou Gewürztraminer. Os rosados devem ser de Pinot Noir ou Merlot e os espumantes secos (brancos ou rosados) podem conter apenas Riesling Itálico, Chardonnay, Pinot Noir e Trebbiano. Para os espumantes doces, as variedades de Moscato aceitas são o Branco, Giallo, de Alexandria, Clone R2 além das uvas Malvasia.
Para garantir a tipicidade, no mínimo 85% da uva utilizada deve ser proveniente da área delimitada e a produtividade dos parreirais de tintas e brancas para vinhos secos e espumantes não pode ultrapassar as 10 toneladas por hectare (em alguns casos é de apenas 8 toneladas). A exceção é das uvas Moscato, que podem ter produtividade de 13 toneladas/hectare. Todos os vinhos devem ser elaborados, envelhecidos e engarrafados dentro da área delimitada e, por fim, todos os lotes de vinhos precisarão ser rastreados sob o controle do Conselho Regulador da IP e nenhum vinho pode ir para o mercado sem passar pelo crivo da comissão de degustação que avalia, às cegas, a qualidade dos produtos.
#Q#VINHOS AVALIADOS AD 89 pontos AD 88 pontos |