As enzimas

Autênticos biodinamizadores, as enzimas estão presentes em todas as reações metabólicas que alimentam os sistemas de vida. Sem elas, a nossa existência certamente seria bem diferente

João Afonso(*) Publicado em 14/12/2006, às 08h18 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44

A sacarose é a enzima que nos permite beber o futuro vinho

São grandes moléculas com um segmento proteico. Derivam de organismos fúngicos e bacterianos e existem aos milhares, encontrando- se em todos os tipos de células vivas. Contrariamente aos catalisadores inorgânicos industriais, as enzimas são catalisadores biológicos, altamente especializados, que atuam sobre um substrato (especificidade de ação absoluta) ou grupo de substratos (especificidade de ação relativa). O seu nome é composto pelo sufixo "ase" que determina a sua natureza enzimática e por um prefixo que refere o substrato sobre o qual atua (amilase - amido; lipase - lípidos; protease - proteínas)

Nas condições de temperatura e pressão do meio celular as moléculas orgânicas são muito estáveis. Se não existissem enzimas, todas as reações energéticas que estão na base da vida seriam impossíveis, não só pela lentidão, como pela enorme quantidade de energia que necessitariam para se realizar. Elas têm grande versatilidade pois trabalham tanto dentro como fora das células ou mesmo fora dos organismos onde foram sintetizadas e possuem uma durabilidade e consistência impressionante: uma só molécula pode realizar num pequeno intervalo de tempo vários milhões de ciclos catalíticos (reações metabólicas), sem se gastar ou perder rendimento. Estas particularidades possibilitaram pela Bio-tecnologia moderna o desenvolvimento de um número mais ou menos dilatado de enzimas industriais destinadas a servir o aumento da produção alimentar, assim como a sua crescente qualidade.

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Fragilidades enzimáticas
Esta enorme força de trabalho ao serviço da vida tem, no entanto, alguns pontos fracos. São, por exemplo, sensíveis à temperatura do meio: temperaturas baixas inibem-nas, retomando o posto de trabalho assim que a temperatura aumenta, mas temperaturas altas danificam a sua estrutura molecular impedindo-as de voltar a trabalhar. É por esta razão que as temperaturas excessivamente altas de verão bloqueiam a função da fotossíntese, trazendo vários problemas para a correta maturação das uvas.

O avanço da biotecnologia possibilita a produção de enzimas industriais de qualidade

O pH do meio também influencia significativamente a atividade enzimática. Há enzimas que têm uma atividade ótima em meio ácido, outras em meio neutro e outras ainda em meio básico. Desta forma se compreende que todos os sistemas de vida têm enzimas adaptadas à função e à situação. A vinha também tem suas próprias enzimas.

Abençoada Sacarase
Na vinha, entre todas as enzimas que participam no crescimento vegetativo e reprodutor das plantas, a Sacarase (também chamada Invertase) é a enzima que nos permite beber o futuro vinho. Presente em todo o reino vegetal, é ela que degrada a molécula de sacarose, um dissacarídeo não fermentável, em glicose e frutose, dois monosacarídeos fermentáveis. Sem ela não haveria a fermentação alcoólica e, conseqüentemente, da uva viria apenas sumo. É ela também que no caso de chaptalização procede à mesma operação possibilitando a fermentação do açúcar adicionado ao mosto.

Vinhos clarificados com enzimas necessitam de filtrações mais rápidas

Cuidado com as oxidases
Assim que a película do bago de uva é rompida, o sumo da uva fica exposto ao ar e as oxidases começam a fazer estragos, caso não se proteja o mosto contra a ação destas enzimas. Têm o nome de tirosianase e lacase. A última presente em uvas atacadas pelo fungo Botrytis cinerea é mais solúvel, mais ativa e, portanto, mais perigosa para um mosto que não se deseja oxidado. As oxidases estão fixadas nas partes sólidas da uva e a sua passagem para o mosto, assim como a dimensão dos estragos provocados, depende do trabalho mecânico exercido sobre a vindima. O anidrido sulfuroso é o nosso precioso aliado, pois impede estas enzimas de trabalharem e fixarem rapidamente oxigênio nos polifenóis do mosto, degradando a sua qualidade.

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Eno-enzimas industriais
As principais enzimas industriais comercializadas no setor da enologia são pectinases, hemicelulases, glucanases e glicosidades. A produção destas enzimas é controlada pelo OIV que determina que apenas os fungos Aspergillus niger e Trichoderma harzianium possam ser utilizados na produção industrial destes grupos enzimáticos.

As pectinases estão envolvidas na degradação das pectinas do mosto e as hemicelulases na degradação das pectinas da película das uvas (estas enzimas são discutidas mais adiante). As glucanases são parte importante da parede dos fungos, incluindo das Saccharomyces cerevisiae, responsáveis pelas fermentações alcoólicas. Estas enzimas são principalmente usadas na clarificação dos mostos de uvas atacadas com o fungo Botrytis cinerea, ricos em glucanos, e também na autólise de leveduras, acelerando o processo e permitindo uma maior intensidade e complexidade de gosto no vinho. As glicosidases têm por missão remover o açúcar que se encontra ligado a compostos aromáticos (monoterpenos, por exemplo), inibindo a sua característica odorante. Assim os vinhos se tornam mais aromáticos.

As pectinas diminuem a viscosidade do mosto

Por um mosto mais limpo
No caso da vinificação em branco, as pectinases permitem que os sólidos em suspensão no mosto, acabado de extrair da uva, sedimentem com maior rapidez, encurtando o tempo de decantação, período sempre crítico deste tipo de vinificação.

O mosto da uva contém cerca de 1g/l de pectinas - estes elementos, formados por ácido pectico, hemiceluloses e gomas, funcionam como uma espécie de cola das células vegetais. Mas o mosto também contém pectinases naturais encarregadas de as destruir. Ambos os elementos aumentam na uva à medida que a maturação se completa. Mas o uso de anidrido sulfuroso na protecção contra oxidações inibe estas pectinases naturais. Assim são adicionadas ao mosto em decantação enzimas pectolíticas (pectinases) industriais que rompem as pectinas diminuindo a viscosidade do mosto e permitindo uma velocidade de sedimentação mais rápida dos elementos sólidos em suspensão. Vinhos clarificados com enzimas necessitam de filtrações mais rápidas.

Em Busca da Extração
No caso da vinificação em tinto o uso de enzimas de extração permite obter nos mostos uma cor mais intensa e brilhante, taninos mais maduros e macios e aromas mais limpos e focados. O caráter varietal e a qualidade da fruta são aumentados e melhorados. A película das uvas contém pectinas (protopectinas) que são destruídas por hemicelulases - um grupo de enzimas encarregadas de tratar vários tipos de substratos que separados permitem uma maior extração dos componentes aprisionados em moléculas complexas da película das uvas.

Um aspecto importante deste produto enológico é possuir pouca quantidade de antocianases de modo a assegurar futuramente uma boa estabilidade da cor. Antocianases são enzimas que não se desejam nos mostos tintos.

Alimentando leveduras
Durante a fermentação, é a vez das proteases facilitarem a vida às leveduras e bactérias lácticas. Estas enzimas degradam as proteínas do mosto em polipéptidos e aminoácidos, que assim são facilmente assimilados pelas microorganismos responsáveis pelas fermentações alcoólica e maloláctica, assegurando que elas se desenvolvam de uma forma saudável e se completem.

*Agradecimentos à Revista de Vinhos (Portugal) por material cedido