Para a Páscoa, é claro, bacalhau. Mas, para não cair no clichê, bacalhau com sotaque francês e belas harmonizações.
Redação Publicado em 18/04/2006, às 08h24 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h43
#R#
Claude é o mais carioca dos chefs franceses - mora no Rio há 27 anos - e seu novo restaurante oferece culinária variada em um espaço ajardinado com a atmosfera charmosa dos autênticos bistrôs. Além desse abnegado editor que vos escreve e do renomado chef, foram convidados a emprestar seu palato à reportagem: Lívia de Almeida - editora de gastronomia de Veja Rio; Sérgio Queiroz - diretor do grupo Jornal do Brasil-Gazeta Mercantil-Forbes; o empresário Fernando Chinaglia Leta e Marcos Bittencourt - diretor da Revista ADEGA.
Pedi a Claude que preparasse dois pratos, um mais leve e popular, chegado aos vinhos brancos, e outro mais estruturado e complexo, que pedisse tintos. O chef escolheu começar com uma 'brandade de bacalhau' (peixe desfiado misturado com purê de batata, alho e azeite, típico do sul da França) e depois atacar com um 'lombo de bacalhau imperial' (com acelga, bacon, passas, molho Bordelaise e foie gras).
Restaurante 66 Bistrô |
Escolhi três brancos e três tintos, de modo que o leque de níveis de sabor e diferentes equilíbrios - 'acidez-maciez-taninos' fosse amplo. Vejam quais foram minhas opções em 'Vinhos da noite'. Antes de qualquer garfada, no entanto, solicitei a Guilherme Corrêa, uma das maiores referências nacionais quando o assunto é harmonização, que nos fornecesse uma base teórica sobre o que iríamos encontrar.
A teoria por Guilherme Corrêa* | ||
Como bem dizem nossos irmãos alémoceano, "bacalhau não é peixe, bacalhau é bacalhau". A lógica desta máxima lusitana, por mais naif que pareça, é a que nos guiará para um perfeito casamento do famoso peixe salgado com os mais diversos vinhos. O bacalhau, por sofrer um processo de secagem com sal, concentra na sua carne uma incrível potência de sabor, à qual vinhos ligeiros, pelos seus atributos de delicadeza, não conseguem fazer frente.Um exemplo de incongruência é a do bacalhau com Vinho Verde, harmonização tão divulgada, excetuando- se os monocastas Alvarinho, mais estruturados. Na 'brandade de bacalhau', o sabor e o sal do bacalhau são suavizados pela presença da batata, que confere uma tendência ao doce à preparação. O azeite emulsionado traz cremosidade e aroma ao conjunto, perfumado também pelo alho fresco.Precisamos da estrutura de um branco como o Encruzado e o Chardonnay, apesar de que o carvalho mais presente neste último pode brigar no fim-deboca com o sabor marinho do peixe e com o alho cru. O álcool do Encruzado será ainda suficiente para tratar a untuosidade, bem como a sua acidez confrontar a tendência ao doce da preparação.O Alvarinho também deverá surpreender positivamente, com a acidez mais nervosa trazendo vida à força amilácea do purê de batatas. Talvez possa apenas sobrar um pouco de untuosidade não enxuta no palato, devido à suculência gerada pelo equilíbrio tão vivaz do Alvarinho. O 'bacalhau imperial' convida um tinto.Vencerá aquele que apresentar a balança de equilíbrio mais pendente à maciez alcoólica e glicérica, com taninos sedosos e maduros. Bacalhau com vinho tinto funciona somente assim, a não ser que o comensal goste de sentir os taninos do seu vinho sabendo a metal, pois bacalhau é mar concentrado! Por esse motivo, o Mouchão poderá sentir o peso da sua juventude.O espanhol, leva vantagem por sua idade e por vir de um meso-clima que atua a favor da maturidade. A Barbera, intensa e com uma veia de frescor, poderá prosperar pela fruta carnuda, a qual ajuda a amortecer a salinidade do peixe. No fim, o vencedor emergirá da contraposição da dureza conferida pela salga e concentração do bacalhau com o conforto que o vinho oferecer ao palato.*Guilherme Corrêa é sommelier formado pela Associazione Italiana Sommeliers. |
A prática
Brandade de Bacalhau
Este delicioso prato pendia claramente para um conjunto macio, perfumado e cremoso, acentuado ainda mais ao se acrescentar azeite. Todos os vinhos de alguma formaram bom par com a receita. As escolhas do grupo foram bastante diversas. O Alvarinho, por ser o mais leve e fresco, foi considerado por todos o 'curinga' dos brancos - não desagradou a ninguém e, para Marcos, foi o melhor, pois foi o que mais valorizou o prato.
O Encruzado foi o predileto de Lívia, de Claude e meu, pois teve grande afinidade aromática com o preparo e igual nível de maciez. O Chardonnay foi o predileto de Sérgio e Fernando, por sua estrutura que realmente impressiona. Já Lívia, Claude e eu achamos que esse branco barricado se sobrepunha ao prato e não tinha afinidade necessária, mas, independente do prato, foi o eleito por todos o melhor branco da noite.
Lombo de Bacalhau Imperial Um lombo alto de bacalhau, com molho de vinho tinto e uma fatia de foie gras em cima impõe respeito! Não é para qualquer vinho! O Barbera saiu-se muito bem e foi o predileto de Marcos. Por sua limpeza, fruta e boa acidez, foi o que melhor contrapôs-se ao sal do prato. Para Fernando, no entanto, o vinho italiano, pedia uma carne. O Pozuelo, por sua maciez e evolução foi o que menos entusiasmou, embora tenha sido a escolha de Lívia, por ser o que menos interferiu com a estatura do prato. Sergio, por sua vez, confessou que preferia ficar nos brancos já que para seu paladar sal e taninos não se misturaram bem.
O Mouchão causou amor e ódio. O vinhão do Alentejo, enquanto foi amargo ao palato de Lívia, foi a escolha de Fernando, minha e de Claude. Por sua complexidade e estrutura somente ele esteve a altura do prato, além disso, combinações à parte, foi unanimemente o melhor vinho da noite. A conclusão que pudemos tirar foi que mesmo para um bacalhau "à francesa", os vinhos portugueses ainda são a grande escolha. Pois!
#Q#
Brancos
Alvarinho Soalheiro 2004, António Esteves Ferreira, Vinho Verde-Portugal (Mistral - US$ 34,90) . O mais leve e acídulo dos brancos escolhidos, de cor esverdeada muito brilhante. Bom ataque e
Encruzado 2003, Quinta dos Roques, Dão-Portugal (Decanter - US$ 32,20). Dos brancos, o meio termo entre maciez-acidez, com uma boa gama de aromas. Belíssimo perfil aromático, elegante, com frutas
Vitisterra Chardonnay 2002, Viña Morandé, Vele de Casablanca-Chile (Morandé do Brasil - R$ 170). O mais encorpado dos brancos, com passagem marcante por madeira. Amarelo dourado. Ótimo ataque
Tintos
Barbera d'Alba Paigal 2003, Marchesi di Barolo, Piemonte-Itália (World Wine - R$ 125). Dos tintos, o de melhor acidez, mais jovem e frutado, com 12 meses em barris franceses. Tem cor rubi violácea
Pozuelo Reserva 2000, Bodegas Castaño, Yecla-Espanha (Península - R$ 48). Dos tinto o mais macio e pronto. Elaborado com 80% Monastrell, 15% Tempranillo e 5% Cabernet Sauvignon, amadurecido 22 meses em barris americanos. Granada escuro, aromas
Mouchão 2001, Herdade do Mouchão, Alentejo-Portugal (Adega Alentejana - R$ 161,60). Dos tintos o mais estruturado, complexo e taninoso. Granada escuro, com boa complexidade aromática, agregando fruta madura, minerais a notas de evolução e influencia da
*Confira Tabela de Notas na página 71.