Barolo e a unificação do reino da Itália

Como o “vinho dos reis” prosperou durante a unificação do reino italiano

Arnaldo Grizzo Publicado em 29/08/2018, às 12h00

Camillo Benso, Conde de Cavour, o homem que colocou Barolo no mapa e ainda ajudou a unificar a Itália

No começo do século XIX, o território da Itália era composto por diversos pequenos estados, cada um deles controlado por um reino. Boa parte, porém, submissa ao Império Austríaco. Nessa época, os italianos estavam “atrasados” em relação a nações como Inglaterra e França e ainda não tinham uma unidade como país. Isso passou a incomodar o filho de um importante latifundiário do Piemonte.

Foi após voltar de suas viagens pela Europa, especialmente pela França, Inglaterra e Suíça, que Camillo Benso (que se tornaria famoso por seu título, Conde de Cavour) decidiu implementar o que havia aprendido em suas terras e em sua região. Uma de suas primeiras preocupações foi com a agricultura. Por volta de 1830, Cavour não estava muito contente com a uva Nebbiolo, típica do local.

Ele queria que os vinhos lá produzidos tivessem o sabor dos borgonheses que ele havia provado na corte de Savoia, que reinava sobre a Sardenha. Na época, o Piemonte pertencia ao Reino da Sardenha. Não à toa, Cavour decidiu plantar 5 hectares de Pinot Noir em suas propriedades. No entanto, passou a investir mesmo na Nebbiolo. Até então, Barolo não era considerado um grande vinho – aliás, acredita-se que era um vinho doce na época.

Além de Cavour, outro importante nome da região estava interessado em desenvolver os vinhos locais. A Marquesa de Barolo, a francesa Juliette Colbert di Maulévrier, casada com o importante Carlo Tancredi Falletti, tinha saboreado vinhos franceses em sua juventude e queria poder provar algo semelhante em suas terras. Assim, Cavour e ela dedicaram-se ao Barolo.

 

Francês ou italiano?

A Marquesa de Barolo também teve papel central na história de um dos mais renomados vinhos italianos

Acredita-se que quem influenciou decisivamente na revolução da produção de Barolo foi o enólogo francês Louis Oudart, que foi contratado por Cavour para cuidar dos vinhos de sua propriedade. Oudart, veio de Champagne, mas diz-se que gostava dos vinhos de Bordeaux. Em 1843, a Marquesa também o contratou. Quando Oudart chegou em Barolo, a Nebbiolo era cultivada em grandes rendimentos e colhida muitas vezes precocemente, pois amadurecia apenas no final de outubro ou mesmo em novembro. Depois de colhidas, as uvas ainda iam para adegas muito sujas, onde ocorria uma fermentação errática que geralmente era interrompida pelo inverno, antes de todo o açúcar ser fermentado.

Diz-se que Oudart então diminuiu rendimentos, assegurou que suas uvas fossem colhidas maduras, as adegas limpas, e com novos equipamentos de fermentação para que se pudesse produzir um tinto mais equilibrado e seco. Sua ideia era produzir algo como Bordeaux.

No entanto, uma pesquisa recente de Kerin O’Keefe afirma que o mentor desse novo Barolo não teria sido Oudart, mas um enólogo italiano chamado Paolo Francesco Staglieno. Ele foi o autor de um manual de vinificação chamado “Istruzione intorno al miglior metodo di fare e conservare i vini in Piemonte”, publicado em 1835. Teria sido ele o enólogo chamado por Cavour para trabalhar em sua propriedade em Grinzane entre 1836 e 1841. A tarefa de Staglieno era produzir vinhos de qualidade voltados para envelhecimento e estáveis o suficiente para serem exportados, algo que na época ficou conhecido como “o método Staglieno”. Segundo essa pesquisa, Oudart era um comerciante de vinho, não um enólogo, que no início do século XIX se mudou para Gênova e criou uma cantina, Maison Oudart et Bruché. Quando ele veio para Alba, Cavour já estaria seguindo as diretrizes de Staglieno e produzindo vinhos secos.

 

Revolução nas vinhas e no país

Cavour foi um dos grandes incentivados de Garibaldi

Seja influência italiana ou francesa, a verdade é que, ao mesmo tempo que Barolo começou a ganhar a reputação que tem hoje, a Itália começou a ressurgir como nação unificada. E, assim como o vinho, graças a Cavour. Por suas habilidades políticas e econômicas, Camillo Benso foi escolhido por Vitor Emanuel II, então rei da Sardenha, para ser seu Primeiro Ministro. Antes disso, Cavour já havia fundado um diário chamado “Il Risorgimento”. Ele acreditava que a Itália só atingiria o seu completo potencial se fosse unida como país e passou a apoiar a unificação sob a Casa de Savoia e Vitor Emanuel.

Cavour foi um dos principais personagens da unificação italiana juntamente com Giuseppe Garibaldi e Giuseppe Mazzini. Ele incentivou Garibaldi na famosa “expedição dos mil”, que trouxe a Sicília e Nápoles para a união, assim como os estados pontifícios. Quando Vitor Emanuel II declarou o Reino da Itália independente em 17 de março de 1861, Cavour foi nomeado Primeiro Ministro. Ele porém não viveu muito para ver o restante da glória italiana e de Barolo, tendo morrido quatro meses depois.

Os vinhos de Barolo logo passaram a ser os favoritos da nobreza italiana, então localizada em Turim, e começaram a ser conhecidos como “o vinho dos reis e o rei dos vinhos”.

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