Enólogos, médicos, pesquisadores e apreciadores se encontraram na Serra Gaúcha para pensar e degustar os vinhos brasileiros
Sílvia Mascella Rosa* Publicado em 22/10/2008, às 10h29 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
Setembro foi um mês movimentado na Serra Gaúcha. Durante três eventos (XII Congresso Brasileiro de Viticultura e Enologia, II Simpósio Internacional Vinho e Saúde e XVI Avaliação Nacional de Vinhos), foi possível descobrir alguns meandros de uma indústria que nós, apreciadores, só conhecemos engarrafada e rotulada. Em paralelo, o grupo 'Wines from Brazil' recebeu 12 jornalistas estrangeiros que conheceram a região, vinícolas e vinhos com o objetivo de reforçar nossa imagem de país vitícola no exterior.
Dr. Gregory Jones falou sobre os efeitos das mudanças climáticas |
ADEGA estava lá com algumas perguntas que nem sempre aparecem nas rodas de degustação. Com o que se preocupam os enólogos brasileiros? Quais são as pesquisas na área de saúde e vinhos? Quais as impressões daqueles que provam nossos vinhos pela primeira vez?
E as respostas logo começaram a aparecer, com a presença do Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, na abertura do congresso. As lideranças da cadeia produtiva da uva e do vinho têm se manifestado, ao longo deste ano, em busca de maior apoio governamental e a vinda do ministro e seu discurso foram um sinal de que o grupo se faz ouvir. Para os produtores, no entanto, a presença mais importante foi a da governadora, Yeda Crusius. No ano passado, sua ausência foi sentida e lamentada nos eventos. Neste, ela veio, fez um discurso contundente em favor do vinho brasileiro, assinou acordos para disponibilizar recursos para o setor e brindou com espumante.
Ao longo do congresso, discutiu-se desde o patrimônio histórico-cultural das regiões produtoras, as novas tecnologias de produção e cultivo, até os desafios do mercado, pois quem faz quer vender. A palestra do Dr. Gregory Jones, geógrafo da Universidade do Oregon, sobre as mudanças climáticas e suas implicações chamou a atenção. Ele contou que, até bem pouco tempo, muitos vinhos eram chaptalizados (recebiam açúcar), pois as condições do clima impediam que as uvas amadurecessem completamente. Agora, com o aquecimento global, o processo fica cada vez mais raro, indicando um futuro em que coisas antes impossíveis - como o cultivo de Merlot no Reno - possam acontecer.
Dos dias de convivência com vários enólogos do País, duas coisas ficam claras: são poucas as empresas que ainda dormem sobre os louros do passado e consideram que não há espaço para inovação. A estas só resta reclamar do mercado. A maioria, contudo, já percebeu que, para vencer em um cenário competitivo, é imperativo ter qualidade, sensibilidade e tecnologia.
Um exemplo é a Vinícola Don Guerino, em Alto Feliz. A família Motter é mais uma entre os imigrantes italianos que só faziam vinhos de mesa, mas a produção de fermentados finos têm levado a empresa a outro patamar, aproximando- a do consumidor mais exigente. A mudança tem resultados evidentes nas taças (veja seção CAVE) e reforça uma indústria preocupada em agradar.
Moderação e benefícios
Beber vinho, segundo vários estudos científicos, é mais que prazer. No Simpósio, médicos e pesquisadores foram unânimes em dizer que, embora a tônica seja a moderação, os benefícios do vinho são inegáveis. Isso ficou claro nas apresentações, como na do neurologista Vincenzo Solfrizzi, da Universidade de Bari, que tratou sobre os efeitos positivos do vinho contra a progressão da demência e do Alzheimer; na da nefrologista chilena Cleo Bosco, com estudos sobre o efeito protetor do vinho nas doenças renais; e da médica francesa, Dominique Lanzmann, que trouxe uma pesquisa mostrando os benefícios do consumo moderado na incidência de vários tipos de câncer.
Uma mesa redonda sobre Vinho e Coração reuniu o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Jorge Guimarães, a pesquisadora do INCOR, Silmara Coimbra, e o presidente da Liga de Combate à Hipertensão, Eduardo Barbosa. Cautelosos e didáticos, eles destacaram os benefícios do consumo moderado de vinho no aumento do HDL (conhecido como "bom colesterol"), a atuação de substâncias - como os flavonóides e o resveratrol - na prevenção do estresse oxidativo e frisaram a necessidade da mudança de estilo de vida para prevenir doenças cardíacas. É claro que não sugeriram que alguém, que nunca bebeu nada alcoólico, começasse a beber vinho regularmente. Mas os palestrantes afirmam que, para pessoas de boa saúde, que já apreciam a bebida, a moderação e a constância, aliada a outros bons hábitos, pode, sim, trazer benefícios a longo prazo.
#Q#Médicos trataram dos benefícios do vinho para a saúde |
Conhecer e avaliar
Avaliações, em qualquer setor, são sempre envoltas em controvérsia. A 26ª edição da Avaliação Nacional de Vinhos, grandiosa e significativa, não está imune a isso. Vários produtores não inscrevem suas amostras por acreditar que, ao avaliar fermentados que ainda não estão prontos, a seleção pode funcionar de maneira negativa. Ainda assim, o certame vem crescendo. Ao todo, 62 empresas de seis estados forneceram 317 amostras desta safra. Os enólogos da ABE as recolhem nas vinícolas, fazem as análises químicas e as degustações prévias que resultam em um painel dos 30 vinhos mais representativos da safra e em 16 amostras selecionadas como melhores. Em 27 de setembro, 16 degustadores provaram os vinhos juntamente com 800 pessoas e fizeram seus comentários para a platéia. O que mais chamou a atenção dos especialistas (brasileiros e estrangeiros) foi a alta qualidade média da safra (como ADEGA antecipou na edição 30) e a boa perspectiva desses vinhos. A jornalista Sheila Purrit, presidente do Wine Writers Circle of Canadá, ficou impressionada com o alto nível e fez um apelo para que os enólogos brasileiros não abusem da madeira, comprometendo o caráter da fruta que aparece em muitos de nossos vinhos. Para o público, ela afirmou: "Encontrei cuidado e limpeza nas cantinas, evolução técnica e boas práticas de produção. Volto ao Canadá para escrever que o Brasil é mais do que o país do biquini e da Bossa Nova, é também um país de vinhos". Após uma semana imersa nesse mundo, e de olho no aniversário de ADEGA só me resta dizer: saúde, vida longa e bons vinhos!
Alta qualidade média da safra 2008 chamou a atenção de especialistas na Avaliação Nacional de Vinhos |
*Sílvia Mascella Rosa viajou para Bento Gonçalves a convite da Associação Brasileira de Enologia (ABE).