A obra foi encomendada ao artista Arnaldo Pomodoro que fez uma escultura que celebrou os 100 anos da marca Ferrari
Por Arnaldo Grizzo Publicado em 28/07/2016, às 16h00
No começo do novo milênio, a família Lunelli, detentora da Cantina Ferrari, no Trento – entre outras propriedades espalhadas pela Itália –, encomendou ao artista Arnaldo Pomodoro uma escultura que celebrasse os 100 anos de nascimento da marca Ferrari. O prestigiado escultor levou dois anos, mas apresentou uma obra de sete metros, uma espiral dinâmica que evoca a efervescência dos espumantes feitos pela família. O trabalho monumental, fundido em bronze e batizado de Centenarium, hoje está diante da cantina no Trento.
No entanto, o principal trabalho de Pomodoro para os Lunelli ainda estava por vir. Amigo de longa data da família, ele (que nasceu em 1926) é um dos mais renomados artistas italianos e suas esculturas estão espalhadas pelo mundo todo, especialmente suas gigantescas esferas de bronze, com as quais ficou mundialmente famoso. Portanto, bastou um novo convite da família, que acabara de adquirir uma propriedade numa das mais centrais regiões da Itália, a Úmbria, para que o escultor se entusiasmasse e criasse algo singular – o “Carapace”, ou seja, a “Carapaça”, segundo ele, a primeira escultura do mundo em que se vive e se trabalha.
Em 2001, a família Lunelli adquiriu a Tenuta Castelbuono, numa região central da Úmbria, onde passou a produzir seu Sagrantino di Montefalco, típico daquela parte da Itália – um vinho potente e longevo, que pode ser tanto seco quanto doce. Nos primeiros anos, dedicaram-se somente aos vinhedos dos 30 hectares encravados entre as comunas de Bevagna e Montefalco, que foram convertidos para a agricultura biológica. Contudo, era preciso montar uma vinícola para abrigar a produção.
Já com belos projetos tanto no Trento, com a Tenuta Margon, e na Toscana, com a Tenuta Podernovo, os Lunelli resolveram ir ainda mais longe e convidaram Pomodoro a montar o projeto de sua nova vinícola, que não seria apenas um local de trabalho, mas uma obra de arte – um escrínio para o vinho, como descreveram. O escultor aceitou imediatamente o desafio.
Em poucos dias, o artista rabiscou as linhas que formariam o que ele batizou de “Carapaça”. Ele decidiu criar uma obra que colocaria em questão os fronteiras entre escultura e arquitetura, que, ao mesmo tempo que dialogasse com o mundo exterior, ou seja, com a paisagem ao seu redor, também falasse com o interior, com o vinho, cuja produção tem de ser estritamente funcional.
Segundo Pomodoro, a “Carapaça” nasceu do estudo do lugar. “A paisagem me lembrou a da Montefeltro (na Emília-Romagna), onde nasci, assim como também vi em muitas pinturas de Piero della Francesca”, disse o escultor, recordando os quadros do artista do período do Quattrocento do Renascimento italiano, que muitas vezes usou a paisagem da Úmbria como pano de fundo.
“A minha intervenção, portanto, não deveria perturbar a doçura das colinas por onde os vinhedos se estendem, mas precisava se integrar perfeitamente com o ambiente”, apontou Pomodoro. “Então, tive a ideia de uma forma que lembra a tartaruga, símbolo de estabilidade e longevidade, que, com sua carapaça, representa a união entre a terra e o céu”, concluiu.
No interior, linhas simples e curvilíneas mantêm a originalidade do projeto
Pinturas do artista Piero della Francesca, do Quattrocento, também influenciaram o desenho da vinícola
A cantina precisou de seis anos de intensos trabalhos – guiados pela sensibilidade do escultor em conjunto com os aspectos técnicos do arquiteto Giorgio Pedrotti – para ficar pronta e só foi aberta ao público em junho de 2012. Ao final, ela se apresenta como uma grande cúpula coberta de cobre, gravada por rachaduras que lembram os sulcos da terra que a abraça. Ao lado, um elemento escultórico em forma de dardo vermelho que fura o chão enfatiza o trabalho na paisagem. Dentro, as linhas simples e curvilíneas continuam, com escada em caracol e barricas dispostas em círculo.
Para o artista, a “Carapaça” não é uma vinícola, mas uma escultura em que se pode viver e trabalhar, um lugar onde a arte e a natureza dialogam enfatizando tanto a excelência do “contentor” (o edifício) quanto do conteúdo (o vinho). Ao entrar em sua obra, Pomodoro afirmou: “Pela primeira vez na minha vida, tive a emoção de ser capaz de andar, falar e beber dentro do meu trabalho”.
“Pela primeira vez na minha vida, tive a emoção de ser capaz de andar, falar e beber dentro do meu trabalho”, afirmou Pomodoro
No centro, há uma escada em caracol e as barricas estão dispostas em círculo