Chocolate, a megera domada por Baco

Sabores ricos e densos amaciados com álcool, uma delicada e deliciosa combinação

Por Marcelo Copello Publicado em 22/03/2016, às 18h00 - Atualizado em 15/04/2019, às 16h03

 

Uma pergunta costuma bater à minha porta com frequência: "qual o vinho para o chocolate?". Na história dos ditos casamentos entre bebidas e alimentos, o chocolate talvez seja a "megera domada" desse enredo. Assim como a Catarina, de Shakespeare, essa iguaria espanta os pretendentes ao matrimônio. Seu amargor, doçura, sabor e teor de gordura são tamanhos que comprometem a apreciação da maioria das bebidas que se apresentam para a núpcia. E por que, então, insistir em uma combinação tão complicada? Porque, assim como nos relacionamentos pessoais, muitas vezes a paixão se sobrepõe à harmonia. E paixão não falta aos chocólatras. Esse é nada menos que o doce mais apreciado do mundo, exercendo grande fascínio sobre seus aficionados. Anualmente são consumidos 4 milhões de toneladas em todo o mundo. Per capita, a Suíça está em primeiro lugar, com 10 quilos anuais. No Brasil, comemos 1,3 quilo ao ano, número tímido para o segundo produtor mundial de cacau (300 mil toneladas), atrás apenas da Costa do Marfim. O chocolate tem mais de 5 mil anos de história. É originário da América, onde era preparado em forma líquida pelas civilizações pré-colombianas. Foi levado para a Europa pelo navegador espanhol Cortez em 1528 e tornouse popular como bebida. O formato em barra, como é mais conhecido hoje, surgiu em 1847, na Inglaterra. O aspecto mais sedutor dessa jóia marrom é sua textura. A manteiga de cacau derrete exatamente à temperatura do corpo humano, o que confere a esta apetitosa comida uma sensação luxuriante quando em contato com a boca. Sem mencionar os efeitos de diversos de seus componentes, como a capacidade de estimular a produção de serotonina, neurotransmissor que provoca sensação de bem-estar. Mas como reconhecer e degustar um bom chocolate? Morda um pedaço pequeno e deixe-o desmanchar lentamente na língua. Se for de qualidade, irá dissolver-se de modo uniforme. Seu tato ao derreter deve ser cremoso, liso como o cetim e macio como o veludo. Evite os pastosos, grudentos ou granulosos. A presença de arenosidade é indicação de que demasiado açúcar foi usado. Seu paladar deve ser equilibrado em sua doçura e amargor, e o final longo, agradável e sem deixar gosto de nenhum tipo de química. Aromas comuns em bons exemplares são: nozes, caramelo, terra, fumaça, chá, manteiga, baunilha (o mais típico) e especiarias, além de algumas frutas e flores. Falo do produto puro, sem contar com os possíveis sabores adicionados à ele.

Se Petrucchio domou a megera Catarina, muitas bebidas podem fazer o mesmo com o chocolate. Quando se trata dessa união, o vinho é o enlace mais explosivo. Nesse caso, não estamos falando apenas de harmonia, mas também da paixão dos consumidores por um e por outro. Como muitos relacionamentos tempestuosos, mesmo quando não duradouros, saciam nossas paixões.

Dos vinhos comumente recomendados, o Porto sempre brilha por seu teor alcoólico e doçura. Um Tawny velho é para um chocolate ao leite e um Vintage jovem para os mais amargos. O Sauternes harmoniza por sua textura densa, aromas e doçura; o Champagne, pela elevada acidez que o torna um curinga, combina com quase tudo. Uma boa surpresa pode ser um Jerez do tipo Pedro Ximenez, generoso vinho espanhol que não se intimida com o desafio. E, finalmente, o Banyuls, um fortificado doce do sul da França, potente, que para muitos é a melhor opção. Vinhos secos costumam sofrer nessa relação. O chocolate faz com que os encorpados figurem magros e desapareçam. Dê preferência aos jovens e frutados, pois os envelhecidos e barricados perdem todas as nuanças quando submetidos ao doce de cacau. A opção mais praticada é o Cabernet Sauvignon. Em destaque 5 sugestões de vinho e sugestões de chocolate para acompanhá- lo. Degustei cada vinho com 6 tipos de chocolate: branco, ao leite, meio amargo (60% de cacau), sabor laranja, café e menta.