Combinações de sotaque italiano

ADEGA reuniu convidados para uma prova de harmonização com viés italiano no Seraphini, sob a batuta do chef Rogério Alves

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 15/06/2009, às 12h20 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46


A Revista ADEGA novamente se lançou à empreitada da harmonização. Nesta edição, o cenário foi o restaurante Seraphini, no elegante bairro dos Jardins, em São Paulo. Auxiliados pelo chef Rogério Alves, seguimos por mais uma aventura enogastronômica buscando as combinações entre o vinho e deliciosos pratos.

A casa, inaugurada em setembro do ano passado, é um projeto do jovem, porém experiente, chef. Formado em finanças pela Pepperdine University, nos Estados Unidos, Rogério apaixonou-se pelo mundo da gastronomia durante seus oito anos de estada na terra do Tio Sam, onde passou por cozinhas em San Diego, Los Angeles, Fort Lauderdale, até um estágio no restaurante Charlie Trotter, em Chicago. Trotter é conhecido hoje como um dos mais criativos e geniais chefs de toda a América e considerado por muitos um louco, por outros, um gênio. Um autodidata de fazer inveja

O que difere Rogério de muitos chefs é - alem da competência e total entrosamento com as panelas - o amor pelos vinhos. Com jeito de garoto, um boné fashion daqueles de beisebol na cabeça e um largo sorriso no rosto, ele trafega pelo salão do restaurante transpirando sua paixão pela enogastronomia.

chef entendia do babado, por seu brilho nos olhos ao falar de cada vinho, cada harmonização e profundidade e domínio ao detalhar matérias-primas e ingredientes. A profundidade e o interesse só foram aumentando a medida que os vinhos italianos foram despontando em meio ao planejamento. Além de demonstrar nítida preferência pelos vinhos da terra de Michelangelo, ele aprecia os mais "desconhecidos" e "diversos". Seria injusto, contudo, dizer que Rogério é um "italianófilo", pois também gosta de vinhos de qualquer país, desde, é claro, que sejam de boa qualidade. A cada vinho, o chef foi se superando e depois de uma boa conversa, chegamos mais uma vez ao nosso recorde, ou seja, oito pratos harmonizados com oito vinhos.

Abertura com Champagne

Agendamos para o final de maio nosso evento. Os amantes da boa mesa nessa noite inesquecível foram Fernando Quinteiro (publicitário), Alexandre Frias (empresário do setor de tecnologia), Miguel Cui (executivo do setor de telecomunicações), Ricardo Ramos (empresário do segmento de luxo), Giuseppe Lo Russo (executivo do setor de serviços), Renato Zimmerman (empresário do segmento de esportes), Christian Burgos (publisher de ADEGA) e seu editor de vinhos. Todos foram acolhidos com uma taça de Champagne, a mesma que seria servida com a primeira harmonização. Minutos após as boas-vindas, à mesa, onde o simpático e competente maître Aldo Tuono nos esperava. Nosso anjo da guarda da noite não desgrudou do grupo um só minuto, com um serviço descontraído e muito eficaz.

A entrada - na realidade um antepasto de frutos do mar - estava leve e delicada. Lulas, camarões e polvo em uma cama de folhas com vinagrete de mostarda. Os frutos do mar foram refogados e regados em um molho vinagrete com um toque de mostarda Dijon. Um conjunto interessante que recebeu o excelente Champagne Brut, da casa Montaudon, de Reims, recém-chegado ao Brasil.

A harmonização foi clássica segundo Ricardo Ramos. A alface e seu leve toque amargo em contraponto à força dos frutos do mar recepcionou bem o Champagne que, nesse caso, não tinha nada de sutil, como muitos Brut entry-level no mercado. Os Champagnes dessa casa são encorpados e firmes. Estão mais para um vinho gastronômico do que para coquetel. Isso ficou claro, já que degustamos esse Brut solo na chegada e depois junto com o prato. Sem dúvida, ficou muito melhor ao lado do apetitoso antepasto.

Ravioli com Taleggio e Gewürztraminer

No segundo encontro da noite, fomos apresentados ao Ravioli recheado com queijo Taleggio e compota de pêra pouchet finalizado com mel trufado. O contraste do doce com o forte sabor do Taleggio e a leveza do mel - aromatizado com trufas negras - propiciou uma sensação deliciosa no palato. Esse prato (imperdível para quem aprecia queijos com bastante caráter) estava sublime e precisava de um vinho com firmes aromas e muita personalidade.

Escolhemos o jovem, aromático e frutado Gewürztraminer 2006 do produtor André Kienztler, um dos bons produtores de vinhos da Alsácia. Alexandre Frias disse sem pestanejar: "Perfeita harmonização, prato e vinho são feitos um para o outro". Sem dúvida, temos muitas opções para essa harmonização, mas o adocicado do prato com o também leve adocicado do vinho foram o ponto máximo desse encontro. Uma harmonização por similaridade.

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Garoupa, macadâmia, ratatouille, Chardonnay

A próxima etapa, ainda com um prato do mar, foi um marcante encontro. De um lado tínhamos uma Garoupa grelhada com crosta de macadâmia, acompanhada de ratatouille e molho de beterraba enfeitando. Esse prato é um dos clássicos do chef Rogério. A delicadeza e a intensidade da macadâmia casou sobremaneira com a maciez da garoupa e se contrastaram com a crocância do ratatouille. Um conjunto interessante e com certa sintonia entre a gordura da castanha e a suavidade do peixe. Esse conjunto precisava de um vinho com muita personalidade.

Escolhemos talvez o melhor branco encorpado da Itália, o Chardonnay Planeta, da Sicília, agora da safra 2006. O 2005 já foi estrela de um Enogourmet no ano passado. Um branco muito potente e com personalidade de sobra, que cumpriu o papel de complementar e fazer com que tanto vinho quanto prato crescessem. Fernando Quinteiro, fã confesso dos tintos, emendou: "Esse é um superbranco e ficou delicioso com o inusitado peixe".

Dois Barbarescos e suas combinações

Na época da preparação, decidimos colocar dois Barbarescos de estirpe da mesma safra, a especial 2004. Foi difícil decidirmos com qual deles começar e, para nossa felicidade, acertamos, pois o que queríamos era começar com o mais leve, delicado e talvez menos intenso e depois irmos para o mais forte e presente.

O Barbaresco Rabajá, de Bruno Rocca, é moderno e com uma complexidade aromática espetacular. Talvez o Nebbiolo jovem mais especial já degustado ao lado de seu irmão, o Rabajá 2001.

Nossa decisão foi harmonizá-lo com um Risoto preparado com queijo Brie e compota de figo no Vinho do Porto reduzido. A compota de figo foi cozida em Vinho do Porto durante 24 horas para apurar o açúcar do figo. Aqui, um momento de reflexão. Não conseguimos unanimidade na mesa, pois muitos foram taxativos em afirmar que vinho e prato não cresceram após a união. O risoto estava delicioso, mas, por sua passagem pelo açúcar, inibiu um pouco o Barbaresco. O conjunto estava bom, mas longe de ser uma harmonização nota 10. Aprendizado anotado, fomos adiante.

O matrimônio que vinha a seguir foi grandioso. Barbaresco de raça (Il Bricco, da Pio Cesare) e Ravioli de Batatas com trufas negras. O chef foi genial nesse prato, pois a delicadeza da massa recheada com batata foi finalizada com lascas de trufas negras. Imaginem um ravioli recheado de purê de batata... Parece piada, mas estava sublime e muito aromático.

Trufas e Barbaresco é tudo de bom e uma das mais maravilhosas harmonizações. Esta, especificamente, foi diferente da anterior, pois a complementaridade se deu pelos opostos. O prato era delicado, fino e sutil, porém com um perfume encantador. Do lado do vinho, tínhamos um Barbaresco firme, intenso e volumoso. Sensacional sensação e, nesse caso, vinho e prato foram catapultados para cima.

Carré e polenta com Taurasi

Após dois Barbarescos decidimos ir do Norte para o Sul e escolhemos um Taurasi da Campania para acompanhar mais um prato com muito sotaque italiano. O Carré grelhado, crostado com mostarda e farofa de pão italiano, foi acompanhado de polenta branca italiana cremosa. A carne especial - corte de cordeiro uruguaio - estava ao lado de um acompanhamento delicado, a polenta cremosa branca italiana que, segundo o chef, tem o objetivo de não esconder o sabor do tenro carré.

Esse prato é delicioso e, sua apresentação, muito linda. De comer com os olhos. O conjunto do prato é de média/ alta intensidade, mas com uma enorme elegância que casou excepcionalmente bem com o selvagem, quente e autêntico Taurasi Vigna Macchia dei Goti 2003, do artesão Antonio Caggiano. O mais interessante dessa harmonização foi que o vinho tinha - além das citadas características - um inesperado frescor, que contrabalanceou com a intensidade da carne do cordeiro. Miguel Cui, um estudioso das teorias de harmonização, aplaudiu esse encontro.

Costela de javali e Carignano

Nosso último encontro antes da sobremesa foi arrasador. Escolhemos um vinho diferenciado e único para harmonizar com a Costelinha de javali assada, laqueada com molho Seraphini, servida com anéis de cebola crocante. O tinto foi o Carignano de Sulcis Terre Brune 2004, da Casa Santadi, da Sardenha. A costela do javali é preparada em lenta cocção e acompanhada de molho criado no Seraphini à base da redução do roti do javali.

A textura do prato estava "dos sonhos", com a carne quase desmanchando. No paladar, estava intensa e precisava de uma bebida firme e com boa acidez. Quando colocamos o fermentado na boca, silêncio total. Um vinho saboroso, rico, cheio de vida e com a acidez vibrante que precisávamos. "Uma harmonização perfeita", disse Christian Burgos, não deixando escapar sua perplexidade pela surpresa que, tanto harmonização, quanto vinho, causaram-lhe.

Goiabada com catupiry e Moscatel de Setúbal

A sobremesa, para fechar essa esplêndida noite, foi a perfeita combinação do catupiry com uma bela goiabada cascão, preparados em forma de petit gateau. Servida quente, essa iguaria estava equilibrada e com um delicioso contraste do doce/ salgado. Temos alguns vinhos para acompanhar esse doce. Nossa decisão foi para um untuoso e fortificado Moscatel de Setúbal safrado, o 1998, da Bacalhôa Vinhos. Ricardo Ramos encerrou dizendo: "Essa combinação foi hours concours. Uma extensão do céu".