Ao comprar antecipadamente, você garante bons preços para vinhos futuros
Redação Publicado em 20/01/2019, às 11h00 - Atualizado em 23/06/2019, às 18h15
Todo fim de março e começo de abril, o mundo do vinho se agita. É início da campanha en primeur de Bordeaux que atrai a atenção de enófilos de todo o planeta. Em poucas semanas, estipula- se o preço de alguns dos mais famosos vinhos da França e, rapidamente, os negociantes adquirem lotes para revender aos consumidores. Comprar en primeur é uma forma de garantir grandes vinhos, geralmente a bons preços, em determinadas safras. É o típico mercado de futuros. E, mesmo aqui no Brasil, é possível comprar dessa forma.
Os vinhos en primeur vendidos em Bordeaux (geralmente) são os da safra do ano anterior, ou seja, no começo de 2017, os vinhos oferecidos eram os da colheita do fim de 2016. Esses vinhos nem sequer estão engarrafados. Nessa época, eles ainda estão em barrica e, para poder avaliar o potencial da safra, negociantes, críticos, jornalistas etc. reúnem-se nos Châteaux para fazer provas de barrica. Assim que as primeiras pontuações são divulgadas, os produtores começam a divulgar seus preços. Quanto mais bem avaliada uma safra, mais caro o vinho.
Os negociantes, então, têm a opção de comprar lotes – ou alocações, como são chamados – de determinados Châteaux com os quais já fazem negócio há anos. O vinho, contudo, só lhes será entregue pelo produtor cerca de dois anos depois. Ou seja, garrafas da safra 2016 provavelmente só estarão disponíveis no mercado em 2019. Em um primeiro momento, essa venda en primeur pode até parecer um pouco confusa para quem não está acostumado, mas é um sistema usado pelos bordaleses há vários séculos e funciona até hoje quase inalterado.
Com uma história tão longa desse sistema de vendas, Châteaux e négociants possuem relações muito estreitas. Como os produtores raramente vendem en primeur diretamente para consumidores finais, é preciso fazer essa compra através de um negociante ou um agente que compre diretamente de algum negociante – que provavelmente vai revender as garrafas com preço igual ou muito similar ao original, pois é de interesse dos négociants revender as garrafas o mais rapidamente possível, já que assim eles garantem suas alocações todos os anos.
A maioria dos negociantes, obviamente, costuma ser europeus. No entanto, em um mercado globalizado, cada vez mais novos players surgem e abocanham algumas fatias de lotes de importantes Châteaux. No Brasil, uma das poucas empresas que compra dessa forma (na verdade, usando seu direito de comprar as alocações de um negociante) é a Grand Cru. “Trabalhamos com vinhos en primeur desde 2002 no Brasil e, nesse tempo, a única safra que não compramos nada foi em 2013”, conta o sommelier Fabiano Aurélio, da loja da importadora na rua Bela Cintra, em São Paulo.
Ele explica que, todo ano, a Grand Cru recebe uma lista com os vinhos disponíveis e seus respectivos preços, em euros, que encaminha para os clientes interessados. “Para encomendar, você paga apenas o valor da garrafa em euro no dia e, depois, quando ela chegar ao Brasil, paga 75% desse mesmo valor em euro relativo aos trâmites de importação. Aí, pode vir retirar ou mandamos entregar, como preferir”, explica Aurélio. Ou seja, a importadora cuida de toda a parte logística. Ela também permite que o cliente monte caixas com vinhos diferentes e não seja obrigado a comprar caixas fechadas de um único Château, por exemplo.
Você também pode comprar en primeur diretamente de negociantes especializados em atender consumidores finais. “Essa solução é complicada, pois alguém precisa cuidar da importação. Isso pode ser dispendioso e arriscado se forem apenas algumas garrafas, além das taxas de frete serem altas para pequenas quantidades”, aponta Christopher Cannan, ex-diretor da Europvin, um dos mais reputados negociantes de Bordeaux. “Poucos negociantes gostam de armazenar os vinhos para os clientes devido aos custos”, acrescenta.
Cannan frisa a importância de se trabalhar com um importador que tenha uma boa reputação. “No passado, houve problemas com comerciantes ingleses que desapareceram antes que os vinhos fossem entregues. Portanto, busque um negociante e um importador de confiança”, afirma.
Outra solução seria comprar os vinhos na França, Inglaterra ou Estados Unidos, por exemplo, de lojas especializadas. Há diversas que fazem esse serviço no mundo todo, mas os trâmites e valores são similares e você ainda precisa encontrar uma forma de embarcar os vinhos para o Brasil após eles serem entregues. Sabendo disso, algumas lojas, incluindo as renomafotosdas Berry Bros & Rud, da Inglaterra, e a Sherry-Lehmann, dos Estados Unidos, por exemplo, chegam a oferecer tempo de estocagem em suas próprias caves até que os clientes possam retirar os vinhos. Isso costuma ser pago separadamente.
Para aqueles que pensam em comprar fora e trazer os vinhos na mala ainda é preciso lembrar que compras que ultrapassem US$ 500 precisam ser declaradas na alfândega e é necessário pagar 50% de imposto sobre a quantia que superar essa cota.
Espalhadas pelo mundo, há muitas pessoas que compram vinhos en primeur como investimento, que realmente apostam na valorização das garrafas para revendê-las no futuro. No entanto, acredita-se que a maioria dos compradores apenas invista em seu próprio prazer futuro e não esteja tão interessado assim no mercado especulativo, especialmente depois de safras como 2005 e 2009, quando os preços subiram vertiginosamente durante a campanha en primeur e, já após alguns anos, não se alteraram tanto assim para que houvesse grandes lucros com a revenda.
Portanto, quem tem interesse em adquirir para si alguns dos grandes vinhos bordaleses (vale lembrar que não são apenas os Bordeaux vendidos en primeur, mas há alguns ícones da Borgonha, do Rhône, da Itália, da Espanha, da Califórnia, da Austrália e até do Chile, que também utilizam esse sistema) tem uma boa oportunidade ao comprar antecipadamente, geralmente garantindo preços mais em conta do que se fosse comprar o vinho no futuro.
Para boa parte das safras, isso realmente ocorre, pois quase sempre há uma valorização do vinho. Em safras mais fracas, porém, a diferença não costuma ser tanta. Para se ter uma ideia, vamos dar como exemplo uma garrafa do mítico Cheval Blanc da safra 2013, a última a chegar ao mercado e considerada uma das menos prestigiadas dos últimos anos. Na campanha en primeur de 2014, ela foi vendida a 300 euros e hoje costuma ser encontrada nas lojas para revenda por mais de 550 euros, um valor bastante próximo do que alguém teria pago (aqui no Brasil) se tivesse comprado antecipadamente.
Por outro lado, em uma safra como 2012, a valorização tem sido intensa. Um exemplo é o Château Ausone, que teve preço en primeur de 355 euros e agora está sendo vendido, em média, por mais de 770 euros, cerca de 150 euros a mais do que alguém pagaria se tivesse comprado no lançamento, já considerando os impostos de importação.
Ou seja, en primeur, às vezes, significa economia, mas, mais que isso, significa primazia ao ter acesso a vinhos que, às vezes, podem se esgotar rapidamente. Portanto, caso você realmente esteja interessado em comprar en primeur alguns vinhos clássicos, não fique postergando, pois, em questão de dias, eles podem já estar todos vendidos.