Combinações atraentes fazem dessa dupla clássica de inverno uma harmonização perfeita
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 29/07/2022, às 10h40
Pode ser que não seja verdade, mas diz a lenda que o suíço que deixasse seu pedaço de pão cair dentro da panela de fondue (diz-se “fundi”) deveria dar uma volta no chalé, na neve e sem sapatos.
Outros castigos menos enregelantes pediam que se beijasse a pessoa à sua direita ou até que o perdedor lavasse a panela ao final do encontro.
Verdade ou mentira, fica a certeza de que o fondue é uma das comidas comunitárias mais simpáticas do mundo, inventadas por um povo que adora queijo, vinho, pão e coisas precisas, que parecem incluir até a técnica de não perder o pão no queijo.
A história da culinária conta que o fondue suíço teria nascido no cantão francês (cantões são as regiões nas quais se divide a Suíça, em geral fazendo divisa com outros países) em meados do século XVIII.
Nessa época, havia uma grande produção de leite, queijo e vinho e o país já vendia para muitos países vizinhos. Assim, derreter os queijos em uma panela e comer com pedaços de pão amanhecido era uma coisa natural a se fazer nas longas noites de inverno alpino.
O vinho branco seco entra na receita (assim como o destilado – o mais utilizado é o Kirsch, feito com cerejas) para temperar (e dar um pouco de acidez quando os queijos são muito jovens) e agir como anticoagulante do leite, preservando a cremosidade.
Já os queijos tradicionais da receita são o Emmental e o Gruyère, mas um queijo típico da região de Neuchâtel, o Vacherin, também pode entrar, sempre na mesma proporção dos outros dois.
Quando o fondue se popularizou apareceram versões francesas, como o Bourguignonne, que é o fondue de carne frita em partes iguais de manteiga e óleo, o Bouillon (ou chinês), que é um caldo rico e aromático onde se cozinham pedaços de vegetais e de camarão, e o fondue de chocolate, receita na qual uma pequena quantidade de bebida alcoólica também entra, com o mesmo objetivo, de temperar e fazer o leite do chocolate não coagular.
Para fazer frente a todo o leite e gordura que compõem um fondue de queijos, é preciso um vinho com boa acidez. Na Suíça, ele é acompanhado de um branco de uvas produzidas no cantão de Valais, chamadas Fendant.
Na verdade, essa uva é a Chasselas francesa, uma uva neutra, com boa acidez, que pode resultar em vinhos tanto muito simples quanto também com mineralidade, crocância e com um fundo de amêndoas.
Como os vinhos suíços são raros no Brasil (existem, mas em pouca quantidade e muitas vezes com preços altos), podemos combinar o fondue de queijo com brancos da uva Sauvignon Blanc, que puxam para um lado mais cítrico ou vegetal, com brancos mais simples como da uva Pinot Grigio, cheios de frescor e suavidade, com alguns Riesling delicados e até com um Chardonnay com pouca ou nenhuma passagem por madeira.
Os brancos, com seu frescor, acidez e, por vezes, um pouco de untuosidade, garantirão que o fondue não fique enjoado e que a boca fique limpa para o próximo bocado. É importante, no entanto, evitar os brancos muito aromáticos, como os das uvas Torrontés ou Viognier, pois seus aromas irão se sobrepor aos do prato.
Mas se é impossível resistir a um tinto (cuidado pois a combinação de queijo derretido e vinho tinto é, muitas vezes, a responsável pelas dores de cabeça), não esqueça que a acidez deve continuar presente e um frutado suave pode ser agradável, assim pense em Pinot Noir simples, ou em alguns vinhos assemblage (com mais de uma uva) como um Bordeaux não muito envelhecido.
Para os fondues de carne, os vinhos podem ter mais corpo, taninos mais presentes e acidez moderada. Mas não estranhe se ele não fizer frente a todos os bocados. A carne utilizada no fondue é, em geral, magra e bastante neutra, portanto, os sabores que irão prevalecer são dos molhos que acompanham o fondue, e nesse caso a regra muda.
Molhos de mostarda, pimenta e shoyu nem sempre são ingredientes fáceis para combinar com vinhos, dificultando a harmonização. Você pode tentar um Cabernet Sauvignon do Novo Mundo, não muito jovem ou até mesmo um Merlot ou Malbec leves, mas é bom levar em consideração que muitos dos molhos que acompanham o fondue de carne (e neste caso também o fondue chinês) irão harmonizar muito bem com um espumante brut, sempre uma escolha alegre para um prato comunal.
Quando o assunto é doce, uma regra vale ouro: o dulçor do vinho deve ser igual ou maior que o prato, pois há o enorme risco de o vinho desaparecer com a intensidade dos sabores que ocupam a boca com os doces.
No caso do fondue de chocolate, há doçura, untuosidade e, por vezes, até a acidez das frutas que o acompanham e, para tudo isso, nada melhor do que um Vinho do Porto Tawny, cuja untuosidade e presença de sabores de frutas secas e passas farão frente ao chocolate e seus acompanhamentos.
Mas, como o álcool do Vinho do Porto é alto, ele não deve acompanhar todo o prato, assim a escolha poderá ser também de um espumante da uva Moscatel ou, em uma escolha bastante ousada, seguir com o tinto da uva Malbec, que muitas vezes tem aromas de chocolate e de café. Mas é essencial finalizar com um cálice de Porto e um pedaço de bolo de nozes com fondue de chocolate, para garantir que os sabores do inverno sejam companhia até a primavera.