No exterior, os vinhos brasileiros sempre foram vistos como exóticos (devido à sua origem), mas, devagar, os consumidores estrangeiros começam a enxergar as reais qualidades na bebida produzida por aqui
Redação Publicado em 20/01/2019, às 17h00
“O que vi no Brasil me lembrou o começo do Napa Valley. E isso me alertou para o potencial desses vinhos no mercado”, Steve Slater, vice-presidente da Southern Wine & Spirits, a maior distribuidora de vinhos para o mercado americano. Foto: Divulgação
No final de fevereiro de 2013, cinco vinícolas brasileiras do Wines of Brasil (projeto para promoção dos vinhos finos no exterior realizado pelo Instituto Brasileiro do Vinho – Ibravin – em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil), puderam servir seus rótulos nos eventos que integraram a programação do mais importante festival americano de comida e bebida, o South Beach Wine and Food Festival. Mais de 26 mil pessoas circularam entre os três dias do evento em Miami, que reuniu produtores de bebidas, chefs de cozinha americanos e estrangeiros, o trade e consumidores finais.
Essa foi uma grande conquista para os vinhos brasileiros, uma vez que o evento é promovido pela Southern Wine & Spirits, a maior distribuidora de vinhos para o mercado americano, uma empresa capaz de abrir portas para produtos assim como o fez com os vinhos argentinos, chilenos e neozelandeses alguns anos atrás. Steve Slater, vice-presidente executivo da distribuidora, morou no Brasil nos anos 1980 e não guardou boas lembranças de nossos vinhos. Mas, há algum tempo, familiares e amigos começaram a colocar em sua taça produtos completamente diferentes. Ele, então, com a cabeça já nos negócios, veio ao país para visitar vinícolas e ficou impressionado com a qualidade dos vinhos e com os esforços das famílias para chegar ao patamar que chegaram: “O que vi no Brasil me lembrou o começo do desenvolvimento do Napa Valley, na Califórnia. E isso me alertou para o potencial desses vinhos no mercado internacional”, disse Slater.
A Southern Wine & Spirits já está começando a levar vinhos do Brasil para os Estado Unidos. Por enquanto, os escolhidos são Miolo, Casa Valduga, Perini, Pizzato e Don Guerino. As primeiras garrafas começaram a ficar disponíveis para os americanos ainda no primeiro semestre de 2013. Andréia Gentilini Milan, diretora de promoção interna e externa do Ibravin, lembra da primeira aproximação de Steve Slater, dois anos atrás durante a Vinexpo, e que ele se apresentou já dizendo que desejava “trabalhar o Brasil” no mercado americano da mesma forma que fizera com outros países do Novo Mundo. “Sabemos que essa é uma conquista importante para as empresas, e para nós é o resultado de um trabalho sério que temos desenvolvido há anos e que não pode parar. Precisamos levar em conta o dinamismo e a concorrência entre os países num mercado estratégico como o americano”, explica Andréia.
Outro exemplo que também vem dos Estados Unidos é o da rede gourmet texana Central Market, que colocará 50 diferentes rótulos de vinhos brasileiros em suas 10 lojas, com uma promoção chamada “Passport Brazil”, uma ação de marketing para variados produtos brasileiros de alta qualidade.
Outro mercado estratégico para quem quer vender vinhos além-mar é a Inglaterra, uma espécie de termômetro de sucesso das vinícolas há algumas centenas de anos, uma vez que os ingleses são consumidores ávidos e exigentes.
Mas no caso da terra da Rainha, o Brasil teve uma ajuda especial. O Master of Wine brasileiro, Dirceu Vianna Júnior, é Wine Director da COE Vintners, uma tradicional e octogenária empresa de compra e venda de vinhos de todo o mundo, que abastece tanto restaurantes quanto lojas especiais como a Selfridge’s, por exemplo. Vianna conta que há quase 16 anos importa vinhos da Miolo e que sua motivação original foi, em parte, qualidade e novidade e, em parte, patriotismo: “Queria ver um rótulo brasileiro nas mesas inglesas. Havia experimentado alguns nas feiras internacionais e comecei a ver que a qualidade, principalmente dos rótulos top, era compatível com o que desejávamos comercializar no mercado britânico”, explica.
O longo (e regular) relacionamento entre o revendedor britânico e os produtores brasileiros permite que Vianna faça uma crítica séria, a de que objetivar exportar volume em detrimento de qualidade não é bom no longo prazo: “Vender muito e rápido não é garantia de vender sempre. É importante, principalmente para tempos pós-Copa e Olimpíada, que o consumidor se lembre do vinho pela qualidade e não pelo exotismo. Foi assim, por exemplo, que os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia ganharam mais espaço (mesmo custando mais caro) do que os chilenos e franceses, pois sempre estiveram presentes no mercado inglês com produtos de qualidade”, conta Vianna.
Do lado de cá do Atlântico, Morgana Miolo, gerente de exportação da vinícola de seu sobrenome, explica que hoje o relacionamento com os players estrangeiros é muito mais fácil e que essa experiência externa auxiliou a empresa a compreender como se posicionar e como definir seus produtos, e que a Inglaterra foi um divisor de águas: “Hoje sabemos como estar numa mesa de negociação com uma agenda clara de negócios. Sabemos o que podemos oferecer e como, mas foi um longo aprendizado desde uma época – há pouco mais de 10 anos – quando nem respondiam nossos e-mails, até hoje quando somos procurados por empresas que querem distribuir nossos produtos lá fora. Um bom exemplo é a Holanda, que comprou toda a nossa produção do Chardonnay Cuvée Giuseppe de 2010, 27 mil garrafas”, revela.
Andréia Gentilini Milan e Morgana Miolo concordam que estar na feiras internacionais é uma das estratégias principais para chamar a atenção de compradores, mesmo que os volumes exportados ainda não sejam grandes. Em 2012, o projeto Wines of Brazil esteve em oito feiras do nível da Prowein (Alemanha) e London Internacional Wine Fair, por exemplo. E esses eventos, onde os produtores (e enólogos) brasileiros vão apresentar seus vinhos, são complementados por eventos paralelos, mais intimistas, que objetivam tanto o contato direto com os compradores de redes, lojas e importadoras quanto o contato com brasileiros que vivem no exterior (no caso de eventos nas embaixadas) e que são multiplicadores naturais, atraindo seus parceiros comerciais.
Para se ter uma ideia, neste ano, a Cooperativa Aurora lançou, durante a Prowein, a sua linha de vinhos criada especialmente para o mercado externo, a Brazilian Soul, que será distribuída em toda a Alemanha pelo maior importador do país, a Mack & Schuhle. Será a primeira vez que vinhos brasileiros estarão presentes no varejo nacional da Alemanha. “Nossas exportações representam hoje pouco mais de 1% do faturamento da empresa, mas nossa projeção é que neste ano atinjam 2%”, conta Lourdes Conci, gerente de marketing da Aurora.
Assim como a Aurora, Salton, Perini e Miolo também têm linhas de vinho específicas para o mercado externo. No caso da Salton é a linha Intense, na Perini é a recém-lançada linha Macaw – com foco nos Estados Unidos – e na Miolo, a linha Alísios, criada anos atrás para atender ao mercado inglês.
Essas ações, aliadas à informação e ao “Projeto Imagem”, que traz jornalistas e degustadores estrangeiros para conhecer o terroir brasileiro, vão gerando ao longo dos anos uma rede de informação e conhecimento que se transforma em curiosidade e compra.
Da distante Noruega, onde o monopólio de compra pertence ao estado, Oddbjørn Furvann, executivo da importadora Gant Holding, conta que as primeiras importações, em 2011, foram um lance de ousadia: “Fomos os primeiros a trazer vinhos brasileiros para o mercado norueguês, contando que a qualidade que havíamos provado conquistasse os consumidores. Num primeiro momento, eles ficaram bastante receosos, no entanto, aqueles que degustavam acabavam comprando”, conta. A quarta compra de vinhos brasileiros já foi feita e hoje o mercado – extremamente competitivo e onde excelentes marcas disputam um pequeno espaço, segundo Oddbjørn – responde muito melhor, especialmente aos vinhos tintos, embora o executivo conte que há algum espaço para crescimento de brancos, principalmente com o aumento da qualidade e da variedade de produtos que ele vem conhecendo.
Na Austrália, grande produtor de vinhos e que respeita muito (e consome) sua própria produção, Jason Hill, da Brazilian Style Imports em Sydney, ficou impressionado com a estrutura e delicadeza de um Merlot da Miolo que provou, em comparação com o que ele mesmo define de “bomba de fruta australiana” e, uma vez que já importava outros produtos alimentícios (e cachaça) do Brasil, decidiu começar a trazer os vinhos. “Nossos compradores reagiram bem e já renovamos nossa compra. Alguns deles podem ter comprado pelo exotismo e pela novidade, mas sabemos que o mercado australiano é saturado de marcas locais e internacionais, então quando o dono de um restaurante, de uma loja ou wine bar quer repetir um vinho, é porque ele gostou e sua clientela também”, revela Hill.
Com a economia globalizada é preciso estar em todos os lugares ao mesmo tempo e apresentar uma marca das formas mais inusitadas. Uma delas foi uma caminhada, a Marcha do Vinho, realizada em Londres por uma organização sem fins lucrativos para arrecadar dinheiro para a captação e tratamento de águas. Para essa marcha, especialistas em vinhos do calibre de Oz Clarke e o Master of Wine Tim Atkin escolheram o Moscatel Rosé da Cooperativa Aurora, o Seival State Alísios (Tempranillo/Touriga Nacional), o Moscato Basso e o Brut 130 da Casa Valduga, para serem servidos nos pontos em que os caminhantes paravam para beber e petiscar ao longo dos 8 quilômetros da marcha sob o frio londrino do mês de março.
Neste ano, os vinhos brasileiros já foram degustados e apresentados para potenciais compradores em eventos na Europa e nos Estados Unidos algumas vezes, e há muito mais por vir. “Sabemos – e fazemos as 40 empresas participantes do projeto Wines of Brazil – entenderem que esse é um negócio de longo prazo, que busca posicionamento e o aumento do valor médio, não necessariamente do volume. Em 2012, chegamos perto dos US$ 4 milhões em exportação, mas o mais importante é que o valor médio do litro ficou entre 3,5 e 4 dólares, o que é um posicionamento que nos interessa. Mas é preciso seguir trabalhando com calma e consistência para continuarmos ganhando espaço. Nossa mais recente conquista será nos apresentarmos num evento coletivo em maio, em Estocolmo, junto de outros países do Novo Mundo. É uma forma de os compradores verem a América do Sul como uma experiência conjunta e diversificada, e uma certeza que já podemos estar na mesma mesa que nossos colegas latino-americanos”, revela Andréia Gentilini Milan.