Como o Terroir influencia o sabor e a qualidade dos vinhos?

Fatores como solo, clima e manejo da videira impactam a produção de vinhos em todo o mundo

Arnaldo Grizzo Publicado em 11/11/2024, às 10h00

Mapear e gerenciar fatores do terroir, permite aos viticultores aprimorar a expressão única de cada vinhedo e elevar a qualidade dos vinhos -

O terroir é um conceito fundamental na vinicultura, relacionando o sabor do vinho ao local onde ele foi produzido. Envolve a influência do clima, solo, variedades de uvas e práticas vitivinícolas. Recentemente, houve avanços significativos na compreensão de como o solo pode moldar a qualidade e o estilo de um vinho.

Por exemplo, em 2021, o Catena Institute of Wine, fundação ligada à vinícola argentina Catena Zapata, publicou um estudo que traz evidências da existência do terroir. A técnica consiste em identificar a "impressão digital química do vinho" e, através dela, determinar o terroir de onde as uvas são provenientes e até mesmo a safra.

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“Pela primeira vez, um estudo mostra que o efeito terroir pode ser descrito quimicamente de safra a safra em regiões maiores, bem como em parcelas menores. Pudemos prever com 100% de certeza a safra de cada vinho de nosso estudo por meio de análises químicas,” destacou Laura Catena, fundadora do Instituto e diretora da vinícola Catena Zapata, na Argentina.

A pesquisa utilizou 201 vinhos de 23 parcelas menores do que um hectare provenientes de três safras diferentes e 12 indicações geográficas diversas. O resultado foi que 11 das 23 parcelas puderam ser identificadas através da técnica de cromatografia – que mapeia a estrutura molecular do vinho – com 100% de certeza, enquanto as 12 amostras restantes tiveram uma assertividade de 83%.

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O estudo foi considerado um sucesso e ainda está sendo aperfeiçoado com técnicas de análise sensorial e de compostos voláteis que devem complementar a pesquisa e aumentar a eficácia da técnica.

Antes disso, contudo, em 2018, cientistas da Universidade de Bordeaux (Cornelis van Leeuwen, Jean-Philippe Roby e Laure de Rességuier) também debateram o tema em um artigo profundo intitulado “Soil-related terroir factors: a review (Fatores de terroir relacionados ao solo: uma revisão)”.

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Para eles, otimizar a expressão do terroir requer decompor o efeito do solo em fatores mensuráveis, permitindo que o terroir seja mapeado e gerenciado de forma precisa. Em seu relatório, eles citam um estudo de 2010 realizado em 500 parcelas de vinhedos em propriedades vinícolas famosas na área de Bordeaux, que mostrou que o tipo de solo, de fato, impacta a qualidade do vinho, pois “o tipo de solo influenciou significativamente a probabilidade de as uvas serem selecionadas para o vinho de primeira qualidade nessas propriedades”.

Tipo de solo, disponibilidade de água e temperatura influenciam diretamente na maturação das uvas e nos aromas e sabores dos vinhos

O solo modifica a fenologia e o desenvolvimento da videira, bem como as características de maturação e a composição da uva. “Como resultado, os vinhos produzidos em diferentes solos variam em atributos sensoriais, porque a composição das uvas muda de acordo com o tipo de solo em que foram produzidas.” Portanto, para entender como os solos influenciam a qualidade do vinho, é essencial compreender como o solo afeta a fenologia da videira.

O desenvolvimento da videira – fenologia, vigor, rendimento e composição da uva no momento da maturação – varia de acordo com o conjunto de recursos disponíveis. Como resultado, diferentes solos podem, direta (por exemplo, modificando a dinâmica de maturação da baga) ou indiretamente (por exemplo, impactando a escolha da data de colheita), produzir uvas com diferentes composições em metabólitos primários (açúcares, ácidos orgânicos) e secundários (polifenóis, compostos aromáticos) e, portanto, é provável que produzam vinhos com um sabor distinto.

Fatores como a temperatura do solo, disponibilidade de água e nitrogênio são cruciais. Por exemplo, solos quentes aceleram a maturação das uvas, enquanto a disponibilidade de água afeta o crescimento dos brotos e o tamanho das bagas.

Um déficit hídrico moderado é essencial para a produção de vinhos tintos de alta qualidade, pois limita o crescimento dos brotos e aumenta o teor de polifenóis nas bagas, melhorando a concentração de sabores e aromas.

“Baixos níveis de nitrogênio aumentam os fenóis da pele da baga, o que geralmente é positivo para a produção de vinho tinto, mas pode ser prejudicial para alguns aromas de vinhos brancos. Portanto, o status ideal de nitrogênio na videira é menor na produção de vinho tinto em comparação com a produção de vinho branco.”

Com técnicas modernas de medição de solo e manejo da videira, viticultores podem adaptar métodos para otimizar a qualidade e a singularidade de cada vinho produzido

 

Segundo os autores, para gerenciar o efeito do solo no terroir, é fundamental medir e mapear fatores como a temperatura do solo, o estado hídrico da videira e o status de nitrogênio. “A temperatura do solo pode ser medida com sondas específicas, mas não é fácil integrar os resultados espacialmente (no campo) e temporalmente (durante a estação)”, apontam.

Para eles, a resistividade do solo pode servir como proxy para a temperatura (“solos com alta resistividade são geralmente de textura grosseira e quentes, e solos com baixa resistividade contêm mais argila e são mais frios”), enquanto o status hídrico pode ser avaliado por meio do δ13C (uma medida da proporção de isótopos estáveis) nos açúcares das uvas. O status de nitrogênio pode ser medido através do Nitrogênio Disponível para Leveduras (Yeast Assimilable Nitrogen - YAN).

Cientistas conseguem identificar a origem e a safra de um vinho com até 100% de precisão usando a "impressão digital química" do terroir

“Combinando mapas de resistividade do solo, status hídrico e status de nitrogênio, pode-se fazer uma avaliação muito precisa dos principais fatores que conduzem a expressão do terroir.”

Com base nos mapas de solo, os viticultores podem escolher materiais vegetais e técnicas de manejo que melhor se adaptem às condições locais. Por exemplo, porta-enxertos de alto vigor são ideais para solos pobres e rasos, enquanto porta-enxertos de baixo vigor são mais adequados para solos ricos e férteis.

Variedades de uvas de maturação precoce são preferíveis em solos frios, enquanto, em solos quentes, variedades de maturação tardia podem evitar excessos de açúcar e aromas indesejáveis.

“Variedades brancas se saem melhor em solos com disponibilidade média a alta de água e nitrogênio, enquanto variedades tintas produzirão vinhos mais concentrados em solos onde as videiras passam por déficit hídrico e baixo nitrogênio.” A densidade de plantio e o manejo do solo também podem ser ajustados para otimizar a expressão do terroir, garantindo que cada parcela do vinhedo produza uvas com o melhor potencial enológico. “Plantios de alta densidade se adaptam a solos com alta capacidade de retenção de água, enquanto o efeito prejudicial do estresse hídrico excessivo pode ser mitigado com plantações de baixa densidade ou com vinhas treinadas em arbustos (goblet).”

Para os autores, a expressão do terroir não é um mito. Quando os fatores que o influenciam são hierarquizados e quantificados, torna-se possível gerenciar e otimizar a produção vinícola, respeitando as características únicas de cada terroir. Ao medir e mapear os principais fatores de solo, os viticultores podem tomar decisões que aprimoram a qualidade e a singularidade de seus vinhos.