Conheça a história do Amarone de Giuseppe Quintarelli

Giuseppe, ou Bepi, Quintarelli foi um obstinado com a qualidade do seu vinho

Redação Publicado em 22/10/2018, às 19h00 - Atualizado às 19h53

Quem observa pela primeira vez uma garrafa de vinho de Giuseppe Quintarelli provavelmente não consegue entender como aquele rótulo escrito à mão, com letras que nem sempre são perfeitamente distinguíveis, pode ser tão caro. O invólucro parece não corresponder com o preço na etiqueta. No entanto, quem conhece a história e a fama desse produtor do Vêneto reconhece de longe aquelas letrinhas miúdas na garrafa e torce para poder desfrutar de ao menos uma ao longo da vida.

Sim, um Amarone de Giuseppe Quintarelli é vendido com valor equivalente ou superior a grandes vinhos de Bordeaux, com um detalhe importante: eles não são produzidos todos os anos. Além disso, sua produção é bastante limitada e ter acesso a uma garrafa é algo bastante raro. Mas, como um vinho de uma região tão desprestigiada quanto Valpolicella se tornou um ícone mundial?

Paciência

A história da vinícola começou no início do século XX, quando Silvio Quintarelli cultivava terras em Valpolicella como mezzadro (meeiro) e já produzia seus vinhos. Em 1906, diz-se que Silvio e a esposa viajaram a cavalo por cinco dias para levar barris de 50 litros de vinho para Gênova, de onde seriam exportados para os Estados Unidos. Depois da I Guerra Mundial, ele adquiriu alguns hectares em Cerè, local próximo da cidade de Negar, no monte Cà Paletta, ao norte de Verona, não muito longe do paradisíaco lago de Guarda.

Somente nos anos 1950 é que Giuseppe, seu filho, entrou na empresa. Ele renovou vinhas e processos, e também introduziu algumas variedades internacionais. Além disso, passou a dar valor às tradições locais, como a produção dos Amarones. Ele se fiou no lento processo de apassimento (também conhecido como passificação: depois de colhidas, as uvas são deixadas para secar por períodos que variam de 90 a 120 dias, acomodadas em “bandejas” superpostas, conhecidas por arelas) e dos longos períodos de envelhecimento (sete anos ou mais) em barricas da Slavonia.

Giuseppe, ou Bepi, como era carinhosamente chamado, não se contentou em produzir vinhos ligeiros e massivos pelos quais a região de Valpolicella ficou conhecida. Ele foi um dos primeiros a trabalhar com Cabernet Sauvignon na região e a priorizar a qualidade sobre a quantidade. Um de seus principais trunfos foi a paciência. Enquanto a maioria dos produtores envelhecia seus Amarones por três ou quatro anos, ele aguardava o dobro do tempo e, em safras medianas, simplesmente não produzia, rebaixando o vinho para seu Rosso del Bepi. Em safras ruins, nem mesmo isso fazia, deixando de produzir qualquer coisa.

O erro

Quintarelli faleceu em 2012, aos 84 anos, e relativamente poucos tiveram a oportunidade de conhecê-lo profundamente. Ele era considerado excêntrico, de certa forma enigmático e também um pouco recluso. Avesso aos holofotes, quem busca informações sobre ele hoje, encontra poucos relatos com frases que teriam saído de seus lábios (nem mesmo site a vinícola possui). Uma frase célebre teria sido: “Ainda me lembro da época em que, se continuasse a fermentar e consumisse todo o seu açúcar para se tornar seco, o Recioto seria uma vergonha para a família”.

Sim, Quintarelli é da época em que o Amarone era um erro. No início do século XX, usava-se o termo Recioto amaro quando o vinho fermentava totalmente e se tornava seco. Amaro vem de amargo, mas, no caso, significava um vinho seco. Diz-se que foi Adelino Lucchese ou então de Gaetano Dall’Ora, respectivamente enólogo e presidente Cantina Sociale Valpolicella Negrar, que, ao provarem o vinho teriam dito: “Isso não é um ‘amaro’, é um ‘amarone’!” Assim, o nome no superlativo ficou ligado ao vinho.

À mão

Durante seus anos à frente da empresa, Giuseppe sempre foi obstinado pela qualidade, não somente dos vinhos, mas de tudo o que o cercava, até mesmo do vidro das garrafas, das rolhas, selos e dos rótulos feitos à mão. Em sua cantina, Quintarelli possui uma pequena coleção de antigos botti entalhados, cada um deles representando um membro da família.

Após a morte de Giuseppe, a empresa ficou sob a responsabilidade de sua filha mais velha, Fiorenza, seu genro Giampaolo, e seus netos Francesco e Lorenzo. Eles mantêm os ensinamentos de Giuseppe, produzindo cerca de 60 mil garrafas por ano de 11 rótulos diferentes com uvas de cerca de 12 hectares de terras. Somente o branco Primofiore e o Valpolicella Classico são feitos todos os anos. Além de seu famoso Amarone, Quintarelli produz um blend bordalês chamado Alzero, e ainda outras misturas de uvas típicas do Vêneto com variedades internacionais.

Quem tem a oportunidade de visitar a vinícola e degustar seus vinhos logo repara que não há cuspideiras sobre a mesa. Ou seja, o convidado é “obrigado” a sorver todo o conteúdo da taça, pois, para Giuseppe e seus descendentes, não se deve desperdiçar uma gota sequer. E quem desperdiçaria?

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