Alberto Antonini fala sobre a produção de vinhos

Qual o papel do enólogo? Existe madeira ideal? O enólogo italiano responde a estas e outras questões

Guilherme Veloso Publicado em 24/12/2018, às 17h00 - Atualizado em 23/05/2019, às 15h35

No início de sua carreira como enólogo, Alberto Antonini visitou uma feira de vinhos em Londres. E resolveu provar todos os Sauvignon Blanc em degustação. O preferido foi o de um produtor francês de Sancerre. Gentil, aproximou-se do produtor e comentou: “Seu Sauvignon Blanc é o melhor da feira”. Não escondendo a contrariedade, o francês respondeu secamente: “Não é um Sauvignon Blanc, é um Sancerre”.

Aos 59 anos, com a autoridade de quem tem sua própria vinícola na Toscana, a Poggiotondo, e presta consultoria a dezenas de outras em 12 países, Antonini afirma com convicção: “nenhum vinho importante do mundo fala de uma variedade de uva; todos falam de lugares”. E desfila nomes para comprovar: “Barolo, Gevrey-Chambertin, Montrachet, Rioja”. Para não deixar qualquer dúvida a respeito, completa: “no Rhône, não se vende Syrah; em Saint-Émilion, não se vende Merlot”. E nem precisaria acrescentar que em Sancerre não se vende Sauvignon Blanc, principal uva dessa famosa denominação de origem no Loire.

Alberto nasceu em Empoli, a 20 quilômetros de Florença, filho de professores de ensino fundamental. Apaixonado por vinho, o pai comprou um pequeno vinhedo de apenas dois hectares na localidade de Cerreto Guidi. O vinho era consumido pela família ou vendido em garrafões para amigos e restaurantes locais. Mas o hobby do pai marcaria em definitivo a vida e a carreira do jovem Antonini. O vinhedo da família foi crescendo e hoje, com 30 hectares, abriga a Poggiotondo, que ele administra com a mulher, Alessandra. O casal mora na propriedade com os três filhos.

Após se graduar em Agricultura, pela Universidade de Florença, Antonini estudou Enologia em Bordeaux e na famosa escola de Davis, na Universidade da Califórnia. Em que pese a sólida formação, não aconselha os jovens que o procuram em busca de orientação a estudar enologia. “O que ensinam atualmente nas escolas é o processo industrial; é fazer vinhos sem defeitos”, explica. “É melhor estudar para entender o que não se deve fazer”, completa.

Antonini presta consultoria em 12 países, da Argentina à Armênia

A primeira colheita de que participou, como esperado, foi na própria Poggiotondo, ajudando o pai. Mas logo alçou voo próprio, numa brilhante carreira que o levou, sucessivamente, a enólogo-assistente na Frescobaldi, enólogo-chefe na Col d’Orcia e, finalmente, enólogo-chefe na Antinori, todas na Toscana. A atividade como consultor, segundo ele, simplesmente aconteceu ao sair da Antinori. Primeiro, com um projeto na Seghesio, na Califórnia, que até hoje é seu cliente. Depois com o nascimento da Altos Las Hormigas, em Mendoza, da qual é sócio e fundador. Hoje, além de Argentina, Chile e Uruguai, e, obviamente, da própria Itália, ele presta consultoria, entre outros países, no Canadá, Estados Unidos, Austrália, Portugal, Espanha, Israel e, mais recentemente, na Armênia. O próximo passo provavelmente o levará à Geórgia, considerada o berço do vinho.

Em razão de seu trabalho, Antonini comenta que há quase 25 anos dá a volta ao mundo várias vezes por ano. Por isso, deixou de correr maratonas e, como diz no espanhol fluente, limita-se a “trotar”. Além disso, como bom italiano, gosta de praticar o ciclismo quando está em casa. E de ouvir música, principalmente jazz, gênero do qual é um aficionado, a ponto de ser, na sua própria definição, um “colecionar louco” de discos de vinil, que compra nas viagens. Para acompanhar, um bom vinho, é claro, mas não necessariamente da Toscana. Embora mencione o produtor Soldera, uma das principais referências em Brunello di Montalcino, como o seu preferido, reconhece que o Piemonte é a região da Itália onde o conceito de terroir está mais enraizado. Talvez por isso, inclua alguns Barolo entre os vinhos que mais o emocionam, assim como os da Borgonha. E não esconde que não é grande admirador dos Bordeaux.

Também gosta de assistir futebol, mas não joga, ao contrário do filho mais novo, Carlo, 13 anos, que, segundo ele, bebe mate porque acha que assim vai jogar melhor, como alguns jogadores sul-americanos que atuam na Europa e cultivam esse hábito. No futebol, a decepção com a ausência da Itália na Copa do Mundo na Rússia foi em parte compensada pela volta do Empoli Football Club, o time de sua cidade natal e do coração, à primeira divisão do campeonato italiano.

Em recente viagem ao Brasil, Antonini conduziu uma degustação exclusiva de vinhos de três de seus projetos (a própria Poggiotondo, a argentina Altos Las Hormigas e a uruguaia Garzón), ao longo da qual conversou com a equipe de ADEGA sobre sua própria atividade como consultor e sobre questões como a importância do terroir e o uso da madeira no vinho. A seguir, um resumo de suas ideias e, na sequência, comentários sobre os vinhos degustados por Eduardo Milan, editor de vinhos de ADEGA.

O papel do enólogo

O enólogo não é um artista. Seu papel é conseguir que se transmita na garrafa todas as características da uva. Não é o enólogo que dá caráter ao vinho. Quem dá caráter ao vinho, em primeiro lugar, é a terra; secundariamente, o clima, as tradições e as pessoas de um lugar.

Sobre seu próprio papel

Não faço vinhos. Quem faz os vinhos são as pessoas que trabalham nas vi - nícolas (que assessoro). O que faço é levar minha experiência, meu conhe - cimento, e compartilhá-lo. Sou mais técnico do que jogador. São eles (a equipe de enologia) que fazem os gols. Percebi que uma parte importante do meu papel é contribuir para a autocon - fiança da equipe fazer o que acredita.

Os enólogos-estrela

Esse é um conceito desenvolvido nos Estados Unidos, onde há um culto desesperado da personalidade. Não preciso ser uma estrela. Sou alguém que faz o seu trabalho com paixão. Não sou um mago que viaja pelo mundo com uma varinha mágica.

Uso da madeira

A razão porque sempre se usou madeira foi porque sua porosidade permite uma boa evolução do vinho. A última razão por que se utilizava madeira era para dar gosto aos vinhos. Na Itália, isso começou com o chamado renascimento do vinho italiano, com os “supertoscanos”, nos anos 1970, que eram pura receita bordalesa e não tinham nada a ver com a Toscana. A colonização bordalesa no mundo foi brutal. A madeira esconde defeitos, mas também esconde o terroir.

Chocolate, baunilha e tostado

Sou pela madeira de antes, porque a madeira de antes era um recipiente excelente, como é ainda hoje. Era o melhor material para elaborar e estagiar o vinho, não para entregar sabor. Tudo o que o vinho necessita são duas coisas: micro-oxigenação e microbiologia, porque é um ser vivo. Não preciso que a madeira me entregue aromas de chocolate, baunilha, cacau ou tostado. A madeira que me agrada é a que não é invasiva, que não entrega ao vinho o que ele não necessita. Não faz falta acrescentar algo que não tem nada a ver com seu local de origem.

Barrica, botti e concreto

Quando se coloca o vinho num recipiente pequeno, com muita micro-oxi - genação, se ganha algo em volume de boca, que para mim não é muito determinante. Mas se perde muitíssimo em tensão, em voltagem como costumo dizer. Os vinhos perdem energia. Por isso, me agrada muito, para o estágio (dos vinhos), usar tonel e tanques de concreto. Como consultor, sou mais tonel do que barrica.

Ovos de concreto

Estão na moda, por causa da biodinâmica. Utilizo ovo em alguns projetos. Mas, há quatro anos, estou fazen - do ensaios com vinhos em ovo e em tanques de concreto com a mesma capacidade e não vejo diferença.

Madeira e globalização

O sabor da madeira é igual em todo o mundo, porque, se eu posso escolher uma barrica de grão fino e tostado mé - dio da Allier, qualquer enólogo (no mundo) pode comprar a mesma barrica. Então, que caráter ela dá ao vinho? Nenhum. Ela padroniza o vinho. A razão por que é utilizada é porque o mercado pede.

A ditadura do mercado

Quando o mercado se transforma em um lugar muito importante, que decide e pede produtos feitos para ele, aí a autenticidade morre. E o vinho se transforma numa commodity. Foi isso que aconteceu. Prefiro fazer um vinho que seja fiel à origem e encontrar mercado para ele.

Orgânico e biodinâmico

Para mim, não há outra forma para se cultivar a vinha e fazer vinhos de qualidade que não seja o caminho orgânico e biodinâmico. Não é porque o digo. É lógico.

Lição de casa

Meus vinhedos (na Poggiotondo) são orgânicos, mas isso não é impor - tante. É só uma questão de transpa - rência frente ao consumidor.

Velhas novidades

Tudo isso (tanques de concreto, tonéis de madeira, cultivo orgâni - co ou biodinâmico) são coisas que hoje parecem novidades, mas que não têm nada de novo. Há 70 anos já se usava tanques de concreto sem epóxi e se guardava o vinho em grandes tonéis de madeira. O cultivo era biodinâmico, já se fa - zia poda olhando a fase da lua e já existia o conceito holístico de que tudo tem que ser feito no próprio local, porque tudo era produzido lá mesmo, como o estrume que virava adubo. Então, orgânico e biodinâ - mico são simplesmente palavras que se tornaram sinônimos de algo que já existia antes. Os incas eram biodinâmicos.

Defeito como qualidade

O problema com os vinhos naturais, orgânicos ou biodinâmicos é que hoje tem muita gente que se mete a fazer o que não sabe e tenta vender defeito como qualidade.

Vinho laranja

Os vinhos laranjas são... laranjas. Tem os que são ótimos, os que são muito bons e os que são intragáveis.

Importância do terroir

Para ter vinhos de terroir, é fundamental que a terra se mantenha viva e saudável. Se matar a terra, como esperar que ela vá entregar sua essência? O terroir se manifesta quando se tem raízes muito finas, muito ramificadas e muito profundas. É quando entra a microbiologia, que faz a ponte entre os elementos da terra e as raízes que os absorvem.

Vinho de terroir

Vinho de terroir, por definição, é um vinho que explora, desfruta e suga tudo o que o terroir pode dar. É a conexão com a terra que dá o caráter ao vinho.

O exemplo da maçã

Hoje, muitos solos estão mortos. Não há biodiversidade, não há microbiologia. Não há vida. São o que chamo de “Wal - king on the moon Vineyards” (nota: referência a uma canção do grupo The Police). Mas isso não é um problema do vinho. É difícil encontrar um bom tomate ou uma boa maçã. As pessoas estão mais preocupadas em que a maçã seja linda e limpa, porque sofrem um bombardeio de marketing. Quando compro maçã, sempre pego a mais feia, porque são as melhores. Isso vem da co - nexão com o solo. Por isso, temos que reconectar os alimentos com a natureza.

“Back to the Future”

No vinho, o que estamos vivendo hoje é um “back to the future” (nota: referência ao fil - me do mesmo nome de Robert Zemeckis, lançado em 1985), com uma vantagem: temos melhor tec - nologia e, talvez, mais conhecimento. Mas temos que recuperar a sabedoria e a experiência de antes.

Bom vinho

Vinho bom é o que nos dá vontade de beber mais.

Selfie

Sou um sonhador e gosto de falar dos meus sonhos.