Testamos harmonizações ousadas, mas também houve espaço para os clássicos
Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 28/04/2009, às 13h34 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
Ao completar 4 anos de idade, o restaurante Praça São Lourenço mostra que além de ter uma linda arquitetura e um esplendoroso espaço é bom de panela.
Em um lindo final de tarde de abril, ADEGA promoveu mais um Enogourmet. O ponto de encontro foi a belíssima Praça São Lourenço, um lugar inusitado. É difícil imaginar que em plena Vila Olímpia, um bairro em São Paulo que tem congestionamento de pessoas nas ruas na hora do almoço, existe um espaço tão maravilhoso, que faz jus ao nome, pois têm árvores, lago, chafarizes e local para recreação das crianças.
Sob, novamente, o comando da chef Ana Soares, que já esteve à frente da cozinha da Praça nos primórdios, a casa gira em torno do conceito de forneria com muito sotaque italiano, com a sensação de estarmos na casa da nona. É do forno a lenha que vêm as mais gostosas receitas. Jonny Gentile, um dos sócios, é um apaixonado pela enogastronomia e fez questão de liderar e discutir conosco os pratos e vinhos. O planejamento foi minucioso e chegamos a um menu desafiador, utilizando um bom número de pratos que foram lançados dias depois, mais precisamente em 13 de abril.
Os felizardos presentes dessa festa na Praça eram Jorge Tena (empresário), Ana Cristina Tena (empresária), Marusia Fontes Gomez (executiva do setor bancário), Bia Azevedo (jornalista), Jonny (restaurateur), Christian Burgos (publisher de ADEGA) e este editor de vinhos da revista.
Salmão e champagne
A largada foi dada com lascas de salmão defumado com ovas do próprio peixe, alcaparras e radicchio, servidos em um pequeno canapé de pão de forma levemente torrado. Esse pequeno e delicado aperitivo foi harmonizado com o já consagrado Champagne Brut da Maison Jacquesson - agora com seu novo lançamento, o Brut non vintage de número 732. Clássica harmonização para quem não quer errar, pois a untuosidade do salmão foi contrabalanceada pelo radicchio. Testamos a harmonização com e sem a alcaparra. Sem ficou melhor, pois a força do ingrediente avançou e deu mais tom ao prato, deixando a harmonia um pouco desequilibrada. Salmão defumado e champagne talvez seja um dos mais espetaculares começos para qualquer início de uma comemoração enogastronômica.
Sardinhas e Alvarinho
O segundo encontro foi bem mais ousado. De um lado, sardinhas assadas na lenha e confitadas no azeite de ervas e pasta de grão-de-bico. Esse prato de muita personalidade e força precisava de um branco com muita intensidade, pois o conjunto era mesmo forte. A uva alvarinho é versátil, produzindo em alguns momentos vinhos delicados e, muitas vezes, frisantes. Nosso Alvarinho não tem nada de frágil e também nada de bolinhas. Um branco imponente, fresco e com excelente acidez. "Conjunto perfeito", disse Ana Cristina, ressaltando a surpresa com o branco, que, pelo nome, parecia simples, mas que fez muito bonito na harmonização.
Um desafio com risoto de abóbora e camarão
A escolha do próximo casamento à mesa era um desafio. O Risotto de Zucca e Camarão preparado com azeite de pimenta e servido com palmito fresco e agrião. O prato tinha ainda pequenos pedaços de abóbora (zucca é abobora, em italiano). Harmonizar com um prato levemente picante, com camarões frescos, mandioquinha, seguida do frescor e da personalidade do agrião, finalizando com a suavidade do palmito quase desmanchando, precisava de um vinho fora do óbvio.
Madeira em excesso seria um desastre. Um vinho simples seria aniquilado pelo prato. A ideia foi colocar um à base de uma das uvas mais indicadas para acompanhar comidas condimentadas, apimentadas, a austríaca Gruner Veltliner. Ah! Não podíamos deixar de escolher um produtor de raça e uma lenda desse pequeno país. Wilhelm Bründlmayer de Kamptal, região localizada não muito distante ao noroeste de Viena. Escolhemos o versátil Langenloiser Berg Voeslang da safra de 2007.
O requinte seguido do frescor e da pungência do branco entraram em total consonância com o intenso prato. Tudo foi surpresa, pois tanto a comida quanto o vinho superou as expectativas de todos. Bia Azevedo comentou: "O risoto, com toque apimentado, ganhou com o perfume e a acidez do maravilhoso branco".
#Q#Magret de canard e Borgonha
No próximo encontro, mudamos do mar para a cozinha da montanha, do campo. O prato foi um magret de pato grelhado cortado em escalopinhos com polenta de sêmola de milho acompanhados por escarola, tomatinhos e endívia salpicados com azeite e bacon magro crocante. Um prato gorduroso na melhor acepção da palavra, pois a oleosidade do magret foi dobrada com a do bacon. Os legumes estavam ali para dar uma quebrada na intensidade. O prato, pela própria descrição, é daqueles rústicos que não dá vontade de parar de comer. Lembra a casa da nona, de verdade.
Para tudo isso, decidimos harmonizar pelo antagonismo e colocamos um Borgonha delicado e jovem, porém intenso e com ótima acidez. O vinho por si já fez com que todos à mesa parassem por alguns segundos tamanha a intensidade da fruta que vinha da taça. A doçura das framboesas e dos morangos chamava um prato intenso e gorduroso.
Pois bem, magret de canard com Borgonha jovem é tudo de bom. Christian Burgos, confesso amante de bons borgonhas, não hesitou em falar das fabulosas qualidades do novíssimo Volnay Clos des Chênes 2006 de Antonin Guyon emendando que a acidez e a alegria do fermentado precisavam de um prato cheio de vida. "Sublime conjunto de prato e vinho", foram suas palavras.
Clássico, Chianti e massa
Nessa altura, todos já estavam seguros que os pratos da casa eram construídos para sempre ter uma garrafa de vinho ao lado. O sotaque italiano estava forte e a intensidade da sequência à mesa estava aumentando. Já que falamos de Itália, escolhemos um Chianti de um dos produtores mais renomados. A família fiorentina, Antinori, produz fermentados desde a segunda metade do século XV, ou seja, mais de 500 anos fazendo Chiantis e tudo mais na Toscana.
Nessa harmonização, Jonny não hesitou e colocou uma pasta. O consorte do Chianti Classico Tenute Marchese Antinori Riserva 2003 foi um Taglioline fresco com um molho à base de ragú de calabresa cinque, toques de gorgonzola e tomate fresco. "Mais uma harmonização de tirar o fôlego", anotou Jorge Tena, fã convicto de vinhos tintos e intensos, que emendou: "a complementaridade entre prato e vinho fez a diferença".
Cordeiro e Châteauneuf
O penúltimo preparo "salgado" foi um carré de cordeiro grelhado acompanhado de purê de batata preparado com funghi seco (bem escuro - cor marrom) e servido com uma saladinha de salsão, erva doce, cebola roxa e molho de limão. As costeletas (chamadas de carré) estavam sequinhas e suculentas. O purê com ph básico era contrabalanceado pelo frescor da salada, que tinha um toque ácido do limão. Muita informação para o palato. Testamos todos os acompanhamentos da costeleta e melhor foi sem o purê, ou seja, só o carré com a salada. Ficou muito interessante esse conjunto na boca...
E o vinho? Não esquecemos, não. Colocamos ao lado desse firme prato um jovem Châteauneuf-du-Pape produzido a partir de uvas de cultivo biodinâmico, o Le Parvis, da excelente safra 2004. O vinho estava muito profundo, com detalhes da fruta madura que complementaram a complexidade do prato. Jonny ficou exaltando a qualidade do conjunto entre prato e vinho no palato.
Mais um clássico, chocolate e Tawny
Depois dessa degustação de delícias chegou a hora de uma das mais clássicas harmonizações da noite: chocolate com Porto Tawny. Poderíamos ter escolhido um Banyuls em plena véspera da Páscoa, mas decidimos prestigiar um português fortificado envelhecido. E fomos felizes, pois, a musse foi surpreendente. Preparada com chocolate meio amargo e servida com uma impecável farofa de castanha do Pará.
Pois bem, o Porto S. Leonardo 20 Anos da Quinta do Mourão chegou para deixar a noite doce e inesquecível. Sem dúvida, tivemos o prazer de ter talvez a melhor musse de chocolate da cidade ao lado de um dos melhores Tawnies do mundo.
Vinhos da Noite |
Confira a avaliação completa dos vinhos na seção CAVE a partir da página 72.