Do Alentejo ao Douro

João Pedro Roquete, o jovem CEO da Esporão SA (uma das empresas mais tradicionais e importantes do Alentejo), revela seus planos para o Douro e dá uma visão sobre o futuro do vinho português

Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 01/03/2011, às 07h19 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47

Numa linda tarde à beira do Tejo, ADEGA teve o prazer de almoçar com João Pedro Roquete, um jovem português que comanda um dos mais impressionantes conglomerados do vinho em Portugal. Depois de consolidar a Herdade do Esporão do Alentejo como modelo, a empresa agora investe no Douro, onde o grupo adquiriu, em 2008, a linda Quinta dos Murças.

João Pedro é filho de José Roquete. José é o primogênito de uma família de 11 filhos que alavancou o negócio de vinhos do Alentejo mundo afora e que passou ao filho, João, recentemente o comando da empresa. João é sobrinho de Jorge, proprietário de uma das mais renomadas quintas do Douro, a histórica Quinta do Crasto.

Há quanto tempo ocupa o cargo máximo na empresa?
Desde 2006. Em 2005, entrei para o Esporão para trabalhar juntamente com a equipe de suporte, num projeto de contabilidade analítica.

Quais são seus maiores desafios na empresa para os próximos anos?
Concretamente, estamos focados nos temas da sustentabilidade, no aumento da nossa produção e portfólio de marcas na região do Douro e no desenvolvimento de mercados chave como o Brasil, os Estados Unidos e Angola.

O aquecimento global é uma preocupação para vocês em Portugal?
Para o Esporão certamente é. O Alentejo é uma região quente e, se nada mudar, com o aquecimento global, poderá vir a ser um problema produzir vinhos de alta qualidade. Temos tomado algumas providências no sentido de nos prepararmos para essa eventual mudança, entre as quais destaco a compra de vinhas numa região montanhosa do Alentejo, a 500 metros de altitude. Também plantamos – em 9 hectares de vinha na Herdade do Esporão – um campo ampelográfico com 183 variedades diferentes de uvas no sentido de analisarmos o comportamento de diferentes castas portuguesas – muitas delas há muito em desuso – diante das alterações climáticas.

"O Alentejo é uma região quente e, se nada mudar, com o aquecimento global, poderá vir a ser um problema produzir vinhos de alta qualidade"

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Quais são os maiores desafios do vinho português?
A afirmação de Portugal como cultura, país e produtor de vinhos. Penso que no Brasil já existe uma associação e ela é positiva. Temos de conseguir o mesmo em outros países. Para isso será determinante uma clara aposta na identidade e originalidade dos vinhos portugueses junto com uma efetiva organização da promoção.



Além do Vinho do Porto, você acha que alguma região ou casta portuguesa especifica pode ser uma nova “flagship” para consolidar a imagem do vinho português no mundo?
É uma pergunta ingrata, pois somos um país com tanta escolha e onde a diversidade das regiões e das castas é um dos nossos maiores ativos. Mas vivemos em um mundo globalizado e onde nos exigem informação rápida e direta. Sendo redutor, mas objetivo: Touriga Nacional e Aragonês, Douro e Alentejo.


Somos um país com tanta escolha e onde a diversidade das regiões e das castas é um dos nossos maiores ativos

As uvas de seus vinhos são todas próprias?
Nos vinhos mais exclusivos, sim. Nos vinhos que fazemos volumes importantes, compramos uvas na região de viticultores com os quais mantemos uma parceria de longo prazo.

Quantos hectares de vinhas a Herdade possui?
Na Herdade do Esporão temos 450 hectares no Alentejo, mas, fora temos mais 200 hectares e, no Douro, 60 hectares (uvas utilizadas exclusivamente nos vinhos da Quinta dos Murças). A gestão da qualidade das uvas compradas é feita pela seleção cuidadosa dos fornecedores, estabelecendo com eles uma verdadeira parceria de longo prazo, que passa pelo cumprimento e respeito das melhores práticas de viticultura. O controle técnico é feito em conjunto com a equipe do fornecedor por dois técnicos da equipe de viticultura do Esporão exclusivamente focados nesse trabalho.

Quais são as castas do futuro no Alentejo?
As que resistirem melhor às alterações climáticas e tiverem alto potencial enológico. Por exemplo: Alfrocheiro, Trincadeira, Alicante Bouschet, Petit Verdot, Verdelho, Vermentino. Esperamos que, do resultado das 183 castas que plantamos, mais algumas se afirmem como castas com potencial.

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Quais são os mercados internacionais mais importantes para vocês?
Os mercados onde temos uma posição mais relevante são Angola, o Brasil e os Estados Unidos.

Qual é importância do mercado brasileiro para os vinhos e azeites da Herdade do Esporão?
Enorme. A nossa aposta remonta ao princípio dos anos 1990 quando o meu pai desafiou o meu tio, João, para criar uma distribuidora, a Qualimpor, e começar a importar e distribuir no Brasil os nossos vinhos e azeites. Os únicos mercados em que controlamos a distribuição são Portugal e o Brasil.

Qual é sua visão sobre a tendência dos vinhos biodinâmicos? Em Portugal temos poucas ações relativas a isso. Vocês pretendem fazer algo nessa direção?
Os princípios da biodinâmica, assim como muitas das abordagem do Rudolf Steiner, interessa-me e me desafia. A ideia de que a natureza é perfeita, dinâmica, e que, por isso, a intervenção do homem deve ser muito cuidada e “invisível”, agrada-me bastante. Contudo, a aplicação desses princípios requerem também assumir riscos que não são controláveis e que podem ter um impacto na sobrevivência da nossa empresa. Por exemplo, minha mulher e eu evitamos, e continuaremos a evitar, ao máximo, dar antibióticos ao nosso filho, Luís. Acreditamos que ele deve construir as suas próprias defesas e resistências à doença. Quando a doença chega, tentamos combatê-la de forma natural (com vitaminas, homeopatia etc). Quando as soluções naturais não funcionam e é necessário antibióticos, não arriscamos a saúde dele. Eu não tomo antibióticos há anos, mas tomarei se não houver outra hipótese. Nas vinhas do Esporão, o princípio é o mesmo e temos feito avanços muito positivos no sentido de trabalhar o mais perto da natureza possível.

Como nasceu a ideia de um projeto no Douro?
Foi uma conjugação de alguns fatores, mas principalmente da vontade de aplicar os 30 anos de know-how do Alentejo a outra região. O Douro é muito especial e apaixona quem gosta de vinho. Apesar de a história de produção de vinhos de mesa no Douro ser recente, muito foi feito nos últimos 10 anos. Estamos trabalhando para podermos marcar a diferença como fizemos no Alentejo há 30 anos quando lá chegamos.

Em visita a Quinta dos Murças, notamos que o plantio da quinta é diferente da maioria das quintas de lá. Qual sua opinião sobre o plantio “vinhas ao alto” e “vinhas em patamares”? Pretendem mudar ou continuarão com as “vinhas ao alto”?
A Quinta dos Murças tem a responsabilidade de ter sido onde os primeiros ensaios de vinha ao alto foram feitos no Douro. Temos uma vinha de 1955 (ainda em produção) que, segundo conseguimos apurar, foi a primeira vinha ao alto da região. A regra atualmente indica que, em terrenos com inclinação até 40%, devem-se plantar vinhas ao alto, pois elas não transformam a paisagem como os terraços; a manutenção é mais eficaz, apresentando menos riscos de erosão comparado com vinhas em patamares, principalmente se falarmos de patamares de 2 bardos (duas linhas de vinha por patamar). Todas as vinhas velhas da Quinta dos Murças (cerca de 40 ha) são vinhas ao alto. Nos novos plantios (20 ha), temos vinhas ao alto e em patamares de 1 bardo nos terrenos com mais de 40% de inclinação. Os patamares de 1 bardo permitem a drenagem das águas no interior do patamar e a utilização da vegetação para, de forma natural, consolidar os taludes, evitando o uso de herbicidas. Comparando com os patamares de 2 bardos, a única desvantagem é a densidade de plantação ser menor.


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"A ideia de que a natureza é perfeita, dinâmica, e que, por isso, a intervenção do homem deve ser muito cuidada e “invisível”, agrada-me bastante. Contudo, a aplicação desses princípios requerem também assumir riscos que não são controláveis e que podem ter um impacto na sobrevivência da nossa empresa"


Como é o projeto de turismo da família na barragem da Alqueva?

É um projeto pioneiro. A proposta é criar um destino turístico com uma oferta que ainda não existe na região. Tentando resumir, o projeto será desenvolvido em três propriedades compradas nas proximidades do lago de Alqueva, em três fases distintas. Por enquanto, estamos focados no desenvolvimento da fase 1 na Herdade Roncão d’el Rey, onde se vai recuperar um monte (casa grande) que pertencia ao Rei D. Carlos e transformar num hotel de alta qualidade. Teremos também um campo de golfe de 18 buracos (já em construção), uma marina, um centro hípico e um conjunto de casas numa vinha. Irá ser feita uma parceria com o Esporão, criando um clube vínico em que os membros terão acesso exclusivo a vinhos produzidos pelo Esporão no Roncão d’el Rey. Para isso estão atualmente em plantação 10 hectares de vinha que serão de propriedade dos sócios do clube de vinhos. Será a primeira vez que faremos vinhos para terceiros. O Esporão também dará apoio ao nível de formação técnica, serviços de vinhos, relações públicas etc. A fase 1 deverá estar concluída e em funcionamento em 2012.

Além dos vinhos portugueses é claro, quais são seus vinhos favoritos?
Alguma região ou casta em especial? Borgonha, sem dúvida. Também gosto muito (quem não gosta…) de vinhos de sobremesa como, por exemplo, os Sauternes e os Icewines.

Muitos da família Roquete partiram para o Brasil em 1974, logo após a revolução. Qual é a relação dos Roquete com o Brasil? E você, lembra do Brasil?
O Brasil, para nós, é uma segunda casa. Fui para o Brasil com um ano e voltei a Portugal com cinco. As primeiras memórias que tenho da vida são no Brasil e são ótimas. Meu pai fala sempre da forma maravilhosa como os brasileiros receberam os portugueses nessa época e o quanto devemos estar agradecidos. Em 2010, meus pais fizeram 50 anos de casados e fomos todos (éramos 33!) passar duas semanas ao Brasil. Foi uma festa voltarmos todos juntos depois de tantos anos.

Na primeira vez em que estivemos no Esporão, em 2007, conversamos com seu pai, um homem com mais de 70 anos (ele tem 74) repleto de energia. A máxima “tal pai, tal filho”, vale para vocês?
Quem me dera ter a energia do meu pai… Herdei dele valores importantes que me têm ajudado pela vida e que vou transmitir aos meus filhos. Temos uma boa relação, eu tenho muita admiração e respeito por ele.


"O Douro é muito especial e apaixona quem gosta de vinho. Apesar de a história de produção de vinhos de mesa no Douro ser recente, muito foi feito nos últimos 10 anos"

“Meu pai fala sempre da forma maravilhosa como os brasileiros receberam os portugueses nessa época (revolução de 1974 em Portugal) e o quanto devemos estar agradecidos”