ADEGA conversou com uma lenda viva cubana, um do nomes mais aclamados do mundo dos charutos
Paulo Rogério Bueno Publicado em 03/02/2009, às 07h22 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45
Há meio século, a revolução cubana paira no imaginário de muitas gerações em um cenário de lutas heróicas e mitos. Verdadeiramente, 26 de julho de 1953, conhecido como movimento M-26-7, marca o início da revolução cubana, seis anos antes da tomada de poder em 8 de janeiro de 1959 - a data comemorativa da revolução, que completou 50 anos.
Sociologicamente, a cultura de um povo está enraizada em seus hábitos e costumes lapidados por gerações. Para conhecer um pouco da essência do povo cubano, suas raízes, alma, história, em um universo em que o charuto é o protagonista inclusive da própria revolução, este é o nome certo: Alejandro Robaina.
Uma lenda viva em Cuba - no vigor de seus 89 anos, agricultor de San Luis de los Pinos, cidade próxima à província de Pinar Del Rio, situada a oeste da ilha -, Don Alejandro, como é conhecido, é uma pessoa de hábitos simples e de uma serenidade e sabedoria pungentes. Sua alma está empenhada em extrair as melhores capas de charutos do mundo.
A família Robaina se estabeleceu no Bairro de Lãs Cuchillas de Barbacoa em 1845, propriedade que atualmente é mantida por Don Alejandro. Ela encontra- se na melhor região produtora de tabaco, conhecida como Vuelta Abajo. A marca que leva seu nome (Vegas Robaina) foi criada pelo governo cubano em 1997, em homenagem a Don Alejandro e todos os produtores anônimos responsáveis pelo prestígio que os puros desfrutam em todo o mundo. O Vegas Robaina é produzido com um blend encorpado, de sabor médio forte, que remete aos charutos feitos antes da revolução (clássicos).
Nos últimos cinco anos, seu neto, Hiroshi Robaina, 32, envolveu-se de corpo e alma na gestão agrícola, juntamente com seu pai, Carlos Robaina, 52, que sempre esteve atento ao operacional. ADEGA teve a oportunidade de estar com eles. Sentados em uma varanda, apreciando uma culinária típica de feijão, arroz, salada, carne de porco assada, uma lagosta preparada no vapor (lagosta Don Alejandro), cerveja, rum e charutos, tivemos uma conversa descontraída e de muitos frutos e folhas.
Como funciona o sistema de terras cultivadas em Cuba?
Em Cuba existe a exploração agrícola do Estado, em que os agricultores são destinados para o cuidado destas terras e não necessariamente vivem nelas. E terras familiares, famílias que já trabalhavam nos campos e decidiram ficar neles após a revolução.
A família Robaina é um destes casos?
Sim.
Qual a quantidade de terra utilizada para o plantio?
17 hectares.
Essa quantidade é a mesma desde o início da família (1845)?
Sempre a mesmo, talvez um pouco maior após a revolução.
Como é o preparo das terras? Os equipamentos são muito rústicos como carros de boi ou são tratores?
Em plantios de tabaco de sol e regiões mais acidentadas, o animal é um recurso. Mas dispomos de máquinas, compartilhadas entre outros produtores.
E correção de terra, como calcário e adubo?
O calcário não é um produto de disponibilidade em Cuba. Fazemos do modo tradicional. Assim como nossos antepassados, respeitamos a terra. A terra cultivada deste ano descansa no outro e, se possível, com a matéria orgânica como cobertura do solo, assim a incidência do sol não compromete a umidade. O adubo é orgânico.
E defensivos agrícolas?
Só em última necessidade. O controle de pragas do solo (plantas que concorrem com o tabaco) limpamos manualmente com enxada. Em pragas que atacam diretamente a planta, como o mofo azul, os defensivos são preventivos.
Qual o rendimento que vocês vêm atingindo para folhas de capa?
Após a cura nos celeiros, o rendimento varia entre 70% e 80%. Isso depende muito do clima, como chuva, sol e tormentas.
A ilha já foi alvo de furacões, o senhor presenciou algum antes da catástrofe do "Gustav" e "Ike"?
A região de Pinar Del Rio é o ponto mais afetado da ilha. Quando pequeno, me lembro de termos perdido toda safra. Depois de assumir as terras, nosso pior rendimento foi em 2005, quase 36%.
O motivo foram as tormentas?
Não, foi o excesso de umidade nos celeiros. As chuvas foram brandas, mas contínuas. Muitos produtores não passaram de 16% de rendimento, outros não mais que 2% ou 3%.
Poderíamos dizer que todo o conhecimento familiar de séculos foi a salvação da produtividade?
Com certeza. Ao contrário dos produtores estatais, que obtiveram não mais que 0,8% de rendimento, os familiares conseguiram 8%. O trabalho familiar é sempre mais produtivo, nele existe o empenho com amor.
E como está indo a variedade de tabaco "Habanos 2000"?
Fui o primeiro a plantar "Habanos 2000" e os resultados foram ótimos. Hoje, a qualidade já não é a mesma. Ela é propensa ao mofo azul e preto (mofo da haste). Hoje existem novas variedades. A "Criollo 98" e "Corojo 99". Elas resistem muito mais ao mofo azul e seu sabor é ainda melhor. Elas estão plantadas na mesma proporção.
Ainda existe a "Corojo Tradicional"?
(Risos) Este ano (2008) conseguimos pela segunda vez uma pequena quantidade destas sementes. Estas foram, sem dúvida, as melhores folhas de capa já produzidas ao longo dos séculos. A textura, a oleosidade e o sabor eram maravilhosos. O que no passado foi um problema para a "Corojo Tradicional" (mofo azul), hoje pode ser corrigido com um novo tapado (tendas onde são cultivadas as plantas destinadas às capas).
O governo controla estas sementes?
Sim, controla. O baixo rendimento é o maior empecilho, mas quantidade e qualidade são coisas distintas.
O governo vem investindo em tecnologia do tabaco e produção?
O controle de clima nos celeiros de cura é um deles. O processo continua o tradicional, mas o controle de umidade e temperatura conserva a oleosidade natural das folhas por um período muito maior, até um ano a mais.
E o período de cura, é menor?
Sim, a metade do tradicional, que demorava uns 40 dias ou mais. Tem um equipamento importado do Japão que nos diz quanto a planta cresceu e seu melhor ponto de colheita.
Pelo que sabemos, as terras de qualidade destinadas à agricultura já estão ocupadas. Como o senhor vê o futuro do tabaco em Cuba?
Conheço Cuba muito bem e posso lhe garantir que a quantidade de terras ainda não exploradas é três vezes maior que as produtivas. E estas são terras de primeira classe e estão principalmente em São Luiz.
Caso o mercado norte-americano abra as portas para Cuba -o consumo de charutos premium lá é de aproximadamente 250 milhões de unidades e a produção cubana é de um pouco mais de que isso - como ficaria o charuto cubano no mundo?
No mundo, não sei. Para nós seria esplendido (risos). Creio que a exploração de novas terras para o cultivo já esta sendo trabalhada pelo governo. A nossa produtividade este ano (2008) será um recorde de todos os tempos. Acredite, o mundo não vai ficar sem estes puros. Eles estão em boas mãos.