Família de Carlos Pulenta acompanhou a história do vinho argentino em suas principais etapas
Christian Burgos Publicado em 27/04/2009, às 14h59 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
Na personalidade de Carlos Pulenta, destacam-se a didática, paixão e uma incomum humildade, que manifesta-se nos elogios e indicações de vinhos de outros produtores. Ele é descendente de uma das maiores famílias de “bodegueros” da Argentina, com quase um século de tradição. Seu pai e tios, imigrantes de italianos, eram agricultores da uva e do vinho em sua perfeita definição, e sua família vivenciou e influenciou as grandes transformações do fermentado argentino da II Guerra Mundial até os dias de hoje. Pulenta é fã do enoturismo e da enogastronomia e os poucos quartos de sua bela pousada são muito disputados, bem como as mesas de seu restaurante La Bourgogne. |
Quando a Argentina mudou seu foco da quantidade para qualidade?
Após os anos 1980 e, sobretudo, após 1990 há uma grande reviravolta. Pouco antes, meu pai e seus irmãos, que possuíam a vinícola Peñaflor – a mais importante produtora de vinhos de mesa do país –, adquirem uma importante produtora de vinhos finos, a Bodega Trapiche. Nessa altura, houveram muitas mudanças no mercado devido a um grande excesso de produção de vinho de mesa não absorvido. Isso justificou uma intervenção governamental para a redução da quantidade de hectares de vinhedos plantados. Dos 300 mil baixou-se para 200 mil, muito próximo do que existe hoje.
Muitos dizem que neste momento vinhedos antigos e inestimáveis foram erradicados.
Como não havia mercado, não havia valor nem para o bom nem para o ruim. Alguns bons vinhedos antigos pereceram, mas, por sorte, não todos. Há zonas como Vistalba, onde nos encontramos, em que existem vinhedos com 70, 80 anos. São um verdadeiro patrimônio de Mendoza. Desde então, existe um equilíbrio de mercado entre consumo, quantidade de vinho e de uvas.
Mas nesse período a qualidade mudou muito?
Enormemente! Mudaram a qualidade e a mentalidade. Tanto dos produtores de uva, quanto dos vinicultores e dos consumidores. Todas mudanças favoráveis, é claro. E posso dizer que também mudou o país. A economia se abriu e possibilitou a chegada de investimentos franceses, italianos, americanos, chilenos.
Foi neste momento que venderam Trapiche?
Sim, em 1997. De nove irmãos italianos, nasceram muitos filhos e, após a venda, cada um seguiu sua vida. No meu caso, meu pai tinha vinhedos que eram próprios e não da família. E destes vinhedos passamos a fazer os vinhos que estamos apresentando.
Há muita confusão das pessoas em identificar os projetos dos irmãos Pulenta?
Sim. Somos quatro irmãos, um não faz vinho e se dedica ao negócio imobiliário, outros dois se dedicaram a uma nova vinícola chamada Pulenta Estate, e eu me dediquei à Carlos Pulenta Wines.
Onde ficam seus vinhedos?
Temos um vinhedo em Lujan (Vistabalba é parte de Lujan) e outro no Vale de Uco. Vistalba tem 50 hectares, sendo 35 de Malbec e o restante de Cabernet Sauvignon, Merlot e Bonarda. Aí, seguimos o modelo de Bordeaux, produzindo cortes com uvas da propriedade, que classificamos de acordo com a estrutura, sendo os de melhor estrutura classificados como A, seguidos pelo corte B e por fim C. Nossa estratégia é produzir apenas com uvas próprias.
Qual foi o primeiro ano de produção? Existe muita variação ano-a-ano?
Foi 2003 e, sim, há variações, pois há anos que há melhor estrutura em Bonarda, e há mais Bonarda no corte. Há outros anos em que Bonarda ou Merlot estão sem força. Em 2009, por exemplo, temos um Cabernet Sauvignon estupendo e, seguramente, quando fizermos o corte 2009 vai ter mais Cabernet que 2008. Esta é a filosofia de Vistalba, e produzimos, até agora, cerca de 20 mil caixas. Sendo apenas 500 do corte A.
E o outro vinhedo?
Em Tomero, seguimos o princípio de Borgonha: uma só variedade de uva vinda de apenas uma parcela. Não há cortes, apenas varietais. Esta é uma vinícola grande, com 400 hectares. E embora os vinhos difiram por serem cortes ou varietais, seu ícone equivale ao corte A de Vistalba, ambos são reservas com um ano e meio em barrica. Depois, no nível B, temos varietais Petit Verdot, Syrah, Pinot Noir e Sémillion.
Para que aplicar estas duas filosofias?
Assim, acreditamos poder satisfazer ambos os estilos de vinho e consumidores.
O que pensa do Bonarda?
Ao contrário do que dizem, o Bonarda na Argentina não é o italiano, mas o Corbeau Francês. Chamamo-no Bonarda, mas, na realidade, é uma uva Corbeau, parecida com o Malbec. Acredito que, em vinhas antigas – as nossas têm 60 anos – e com baixa produção, o vinho tem características interessantíssimas. Acredito que os bons Bonardas vêm de áreas mais frias. Nosso vizinho, Nieto Senetiner, produz um Bonarda muito bom.
E o que pensa de Torrontés como outra variedade argentina?
Acredito que devemos buscar bem a harmonização com Torrontés, pois é tão frutoso que não vai bem com tudo. Embora haja muita gente que busca esta fruta e floral bem perceptíveis.
E como harmonizá-lo?
Há pouco, vivi uma situação curiosa. O embaixador espanhol nos convidou a degustar presunto Pata Negra e o serviu harmonizado com Torrontés. Achei que seria um desastre, mas estava muito bom! Para mim foi uma surpresa.
Acredito que a tipicidade do Malbec argentino está bem definida. E Bonarda e Torrontés?
Não é que o Torrontés de hoje difere do de 10 anos atrás, ele difere muito de cinco anos atrás! O Torrontés está mudando muito seu conceito de elaboração nos últimos anos. E acreditamos que o mesmo se dará também com o Pinot Noir.
Vocês tem planos para Pinot Noir?
Pensamos em ir realmente ao sul para obter mais do Pinot Noir. Falo sul mesmo, no paralelo 45. A Argentina tem muitas regiões que nunca foram exploradas. Há gente como a bodega Chacra que encontrou boa tipicidade de Pinot Noir e vale a pena provar. Estamos buscando e sei que vamos encontrar.
Os vinicultores estão sempre buscando novas regiões e variedades. Como explorar ainda mais o potencial do Malbec?
A experimentação com Malbec não para. Hoje vemos duas vertentes na produção. Há vinícolas, como nós em Tomero, que se dedicam a extrair a máxima expressão de um terroir único. E há outras que estão fazendo um corte de Malbec de diversas zonas. É Bordeaux ou Borgonha. Não creio que é questão de escolher entre uma ou outra, mas desenvolver ambas.
E porque optaram pelo estilo de um só terroir?
Graças a meu pai, que foi um agricultor toda a vida, tenho a sorte de ter uvas suficientes e de boa qualidade para não ter que comprar em outras localidades.
E por que ter duas marcas ao invés de duas linhas de vinho para marcar os dois estilos de vinhos que produz?
Porque Vistalba é o nome da região. Recebo muita pressão de outros vinicultores que estão na região para que eu libere o nome para uso como denominação geográfica. Digo não, pois é meu nome, mas mantenho o compromisso de que o que for chamado Vistalba virá deste vinhedo e nenhum outro lugar.
Você diria que produz um vinho gastronômico?
Sim, em nossos vinhos buscamos o equilíbrio. Quando a madeira suplanta a fruta, é porque o vinho não tem estrutura suficiente para a madeira utilizada. Neste caso, deve-se utilizar madeira com menos tostado ou madeira de segundo uso. Quando a madeira sobressai, na minha opinião, é um erro. É como colocar sal demais na comida.
E o mercado segue para onde?
Creio que se vai a um concurso, um pouco de madeira lhe beneficia. Se vai ao consumo, menos madeira lhe beneficia. É um pouco assim...
Por que ocorre o excesso de potência?
A qualidade vem quando você tem um verão de temperaturas mais amenas. Se tem muito calor, a pele não amadurece na mesma velocidade que o sumo. Muito calor gera mais açúcar, mas a pele e a semente, de onde saem os taninos, ficam verdes. E então, como os taninos estão verdes, tem-se que esperar que as uvas amadureçam mais, e assim obtêm-se vinhos com muito álcool. Um verão com temperaturas equilibradas acarreta em amadurecimento por igual da pele, do sumo e sementes. Antigamente, as vinícolas colhiam quando chegavase ao grau de açúcar suficiente para fazer um vinho de 12,5 a 13% de álcool. Agora, a mentalidade é esperar que os taninos amadureçam, ainda que tenha-se vinho com 15%.
É o que ocorre em Salta?
Por isto lá o ideal é plantar o vinhedo em latada, e proteger os cachos do sol.
O senhor utiliza-se deste artifício na condução do vinhedo?
Sim. Estamos tratando de proteger a uva, sobretudo para plantar Sauvignon Blanc e Pinot Noir. Se o Sauvignon Blanc toma muito sol, torna-se dourado e aí perde o melhor da fruta e acidez, como se houvesse sido queimada.
E como vocês sentem os efeitos da crise econômica mundial?
Na Europa, temos experimentado alguns atrasos nos pagamentos. Nos Estados Unidos, entretanto, não sentimos nada. Na verdade, estamos vendendo 40% mais que no ano passado. Parece que, nos Estados Unidos, o Malbec está na moda e não é caro. Por isto está crescendo.
Por que escolheu como parceiro comercial no Brasil um produtor brasileiro?
Para mim, parece uma associação quase perfeita, os Valduga amam a indústria, trabalham muito e fazem um produto brasileiro de excelente qualidade, um belo espumante.
Você tem alguma outra experiência como esta?
Vivemos isto com Trapiche no Japão. Lá existem seis ou sete intermediários antes de chegar ao consumidor final. A estrutura comercial é muito complicada. Falamos então com um engarrafador japonês e perguntamos: já que vocês têm uma estrutura, por que não agregam nossos vinhos? E foi um êxito enorme. Ademais, estes parceiros tratam nosso vinho como se fossem deles mesmos.