Ferradura da sorte

Haras de Pirque une a criação de cavalos com a produção de vinhos

Christian Burgos Publicado em 22/09/2008, às 11h33 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h45

Recentemente me encontrei em São Paulo com Eduardo Matte e seu filho para uma conversa. Edurado Matte (pai), tem cinco filhos, é engenheiro industrial formado nos Estados Unidos e desenvolveu uma carreira executiva na indústria química na América Latina e Europa. Em 1991, comprou a propriedade Haras de Pirque. Incrivelmente, este executivo de sucesso conseguiu vencer em dois tradicionais mercados nos quais não tinha experiência profissional: vinhos e cavalos.

Criar cavalos e produzir vinho. Negócio ou lazer?
Eduardo Pai - Para nós é um estilo de vida. Nós não vemos isto somente como um negócio. Evidente que tem que ser para se sustentar com o tempo.

Historicamente a região era dedicada aos cavalos?
Eduardo Pai - Não. Historicamente é uma região bastante agrícola. Nossa propriedade de 600 hectares está praticamente na cidade de Santiago, 35 quilômetros ao sul do centro da capital, com apenas o Rio Maipo nos separando da cidade.

Eduardo Matte e seu filho: “Temos o mesmo nome, somos um só”

E a propriedade pertencia à família?
Eduardo Pai - Não. Eu comprei esta propriedade em 1991. Pertencia a um norteamericano que teve sucesso na indústria da pesca e de fabricação de barcos e cujo sonho era criar cavalos. Infelizmente este homem ficou doente e morreu em 1984 sem ver o resultado do que fez. Até 1991 eu nunca tinha estado em um campo destinado aos cavalos de corrida, assim como nunca tinha estado perto do cultivo da uva.

E o que lhe fez tornar-se um criador?
Eduardo Pai - Ao adquirir a propriedade, vendo que sua base era muito boa e que estava muito bonita, tive de aprender sobre cavalos de corrida. Eu joguei polo e sempre fui um amante dos cavalos, mas nunca de corrida. De dezembro de 1991 a fevereiro de 1992 colecionei e li todas as revistas de cavalo que caíam a minha mão para poder entender de sangue, de linhagem, etc. Descobri que os EUA era o país que mandava, que o lugar era Kentuchy e para lá fui em maio de 1992 aprender.

E os vinhos?
Edurado Pai - Eu também não sabia nada de vinhedos, e em paralelo fui aprendendo sobre cavalos de corrida, vinhedos e sobre como fazer vinho. Sabíamos que o Vale de Maipo era uma das regiões vitivinícolas mais imporatantes do Chile.
Eduardo Filho – Quero salientar que não pertencíamos a nenhum dos mundos, mas com respeito e energia nos introduzimos em ambos. Fizemos tudo com paixão e assessorados por pessoas que tinham o conhecimento técnico para termos sucesso. Ganhamos respeito porque as pessoas passaram a ver que éramos gente de fora, mas que estávamos investindo e fazendo as coisas com qualidade. Por fim, nos tornarmos atores importantes nestes mercados.

Em entrevista recente que fiz com Pablo Alvares, ele disse que era um homem de negócios quando comprou Vega Sicília, e que é importante sangue novo no mundo vitivinícola.
Eduardo Pai - Para mim é interessante este comentário porque como já disse não tinha nenhuma experiência em como produzir vinho. Entre 1994 e 1999 tive reuniões com os melhores técnicos do Chile e nenhum deles concordava em como deveria ser a vinícola. Durante seis anos, eu como engenheiro industrial de profissão, estive mudando constantemente de conceito, ouvia todos os conceitos e os levava para arquitetura de uma nova vinícola.

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Sinto que vocês viveram uma janela de oportunidade histórica. Na década de 1990 ocorre uma revolução no vinho chileno. Neste momento de grandes mudanças, famílias tradicionais e novos players vivem os mesmos desafios?
Eduardo Pai - Foi ainda melhor. Te digo porque fui visitar vinícolas no Chile e pelo mundo. Era muito difícil adaptar as vinícolas antigas à nova tecnologia e não queriam perder a tradição. Então se tornou uma tremenda vantagem não ter nenhuma destas amarras e partir do zero.

Existe uma pesquisa no mercado americano que diz que os vinhos que têm figuras de animais têm mais de chance de ter sucesso.
Eduardo Pai - Tenho uma aposta com um dos mais antigos vinicultores do Chile de que relacionar cavalos com vinho tem dado grande resultado. Ao ver a relação, as pessoas do mundo dos cavalos se entusiasmam, e nós apelamos à lealdade desta gente. Sempre existiu, desde 1994, a idéia de relacionar o mundo do cavalo como o vinho. Este é o único lugar no mundo em que tanto a criação de cavalo como a produção de vinho fino estão na mesma propriedade.

“Queríamos criar uma identidade para nosso produto, ser reconhecidos como o vinho da vinícola em formato de ferradura”
Eduardo Matte

Há relação durante o cultivo?
Eduardo Pai - Estamos trabalhando com cultivo orgânico. Todo excremento dos cavalos é convertido em fertilizante para os vinhedos, principalmente para os vinhos premium.

Por que estão indo para os vinhos orgânicos?
Eduardo Pai - Eu acho que o mundo inteiro está atento ao tema da saúde. Ecologicamente, temos que manter isto muito controlado. Nós produzimos seres vivos, que são os cavalos. Eles têm de comer pastos limpos, tomar águas puras e ar puro. Assim, já temos um condicionamento neste lugar que nos obriga a ter um ambiente puro. Por isso, temos de ser limpos, verdes. Também acreditamos que trabalhando assim a uva expressa realmente o terroir.

As pessoas do mundo dos cavalos se entusiasmam com a relação com o vinho

E quando surge a idéia de construir a vinícola em formato de ferradura?
Eduardo Pai - Em 1994 começamos a registrar nomes pensando no futuro. Desde então tínhamos o desenho da ferradura. Eu fui ver um arquiteto amigo meu com um chaveiro mexicano de prata em forma de ferradura, disse: “quero fazer esta vinicola”. O importante era ter algo diferente conceitualizando a questão do cavalo com o vinho.

Por que?
Eduardo Pai - Queríamos criar uma identidade para nosso produto. Ser reconhecidos como o vinho da vinícola em formato de ferradura nos pouparia muito dinheiro em marketing na inserção de uma nova marca no mercado mundial. Ou encontra-se um atrativo, ou tem-se que investir uma enorme quantidade de dinheiro para fazer-se conhecer e lembrar.

E quando começaram vocês plantaram qual variedade?
Eduardo Pai - Cabernet Sauvignon e Merlot para tintos e Chardonnay e Sauvignon Blanc para brancos – variedades tradicionais que tem sucesso no mundo.

E quando começou a plantar Syrah?
Eduardo Filho - Muito depois. Em 1992 plantamos 120 hectares destas quatro cepas, com 80% de variedades tintas, principalmente Cabernet Sauvignon. Em 1998, plantamos um pouco Syrah e Cabernet Franc. Em 2000, plantamos Carménère, e mais Syrah que realmente estava indo muito bem.

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Qual é sua produção atual em garrafas e qual seu objetivo?
Eduardo Filho - Hoje produzimos e vendemos 850 mil garrafas e pretendemos chegar em 2010 a 1,2 milhões de garrafas dada a capacidade da vinícola e também nossa produção de uvas.

Soube que vocês vinificam uma parte de seus vinhos em grandes tonéis de carvalho francês ao invés de aço inoxidável...
Eduardo Pai - Isto mesmo. No ano 2000 fomos visitados pelo presidente de Taransaud, de onde compramos barricas, e ele mostrou uma nova tecnologia que estavam desenvolvendo: uma linha de tonéis de carvalho com toda a tecnologia dos modernos tonéis de aço. Cancelamos a compra de tonéis de aço e fomos a primeira vinícola no Chile a adotar os tonéis de carvalho de 20 mil litros. Devo salientar que estes tonéis eram 2,5 vezes mais caros que os de aço inoxidável.

E qual é a vida útil dos tonéis?
Eduardo Pai - Não sabemos. Sabemos, entretanto, que nossos vinhos top Albis e Elegance são fermentados aí e o resultado da oxigenação e contato com a madeira realmente aporta muito aos vinhos.

Qual foi o investimento na construção da vinícola?
Eduardo Pai - Fui bastante criticado por construí-la em concreto armado, mas isto fez com que o investimento ficasse entre US$ 7 e 8 milhões. Hoje seria bastante mais caro, e ainda naquele momento gastei mais que o necessário pois poderia ter construído uma vinícola tradicional, sem o formato de ferradura. Um edifício com foco apenas em produzir vinho.

Vocês encontraram um parceiro estratégico importante no mundo do vinho. Não?
Eduardo Pai - Sim, em 2002 o Marquês Piero Antinori visitou pela primeira vez o Chile e visitou Haras de Pirque. Ao final de uma semana ele me disse: “Eduardo, se quiser fazer um vinho como Almaviva, façamos um vinho juntos”. Em maio fomos à Florença e chegamos a um acordo para produzir Albis juntos, e com participações iguais. Selecionamos algumas barricas de Cabernet Sauvignon da safra 2001 e com a assessoria de Enzo Cotarella fizemos o primeiro Albis.

Mas não parou por aí. Não?
Eduardo Pai - Em 2003, Piero me perguntou se me interessava ampliar a joint venture para que cobrisse toda a operação vitivinícola em partes iguais. É muito importante ter um sócio estratégico neste negócio global. Antinori tem 600 anos no mercado de vinhos e nós estávamos recém chegando. Eu disse a ele que faríamos como se ele fosse nosso sócio desde o primeiro dia, abrimos toda a contabilidade e ele colocou a metade de tudo que eu havia investido. Eu não pretendia ganhar com a venda da participação, estava interessado em ganhar no longo prazo.

Filho e pai produzem hoje 850 mil garrafas, pretendem chegar a 1,2 milhão em 2010

E no que Antinori mais contribuiu?
Eduardo Filho – Sobretudo no manejo dos vinhedos e participação na decisão dos cortes.

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E como vocês decidiram produzir Carménère mais recentemente?
Eduardo Pai - No começo havíamos plantado Merlot. Depois descobrimos que parte deste Merlot era na verdade o chamado Merlot chileno, que depois foi descoberto tratar-se de Carménère. Neste momento arrancamos o Merlot que estava entre o Carménère e plantamos neste vinhedo 100% Carménère.

Eu usualmente aprecio mais os cortes com Carménère do que os varietais. Como vocês utilizam o Carménère?
Eduardo Pai - Estou de acordo com você. E nosso Carménère se dá muito bem no corte com nosso Cabernet Sauvignon, afinando seus taninos.
Eduardo Filho - Descobrimos que o Carménère que amadurece como deve e está plantado nas partes mais baixas e quentes gera um bom vinho com notas de especiarias e taninos doces que complementa muito bem não só o Cabernet Sauvignon, mas também Syrah e Cabernet Franc. Não creio que será a grande variedade chilena como varietal, mas certamente aporta muito em um corte.

E seu varietal Carménère?
Eduardo Pai - Ele recebe uma pequena participação de Cabernet, uns 15%. O mercado tem muito interesse no Carménère chileno.

E como vocês, pai e filho trabalham juntos?
Eduardo Pai - Embora eu seja o presidente da associação com Antinori, é Eduardo meu filho que dirige executivamente o negócio. Temos o mesmo nome, somos um só.