Conheça as uvas que marcaram o país e que deram fama à sua vitivinicultura
Marcelo Copello Publicado em 09/03/2016, às 20h00 - Atualizado às 17h14
Um trunfo da vitivinicultura argentina são suas uvas "autóctones": Malbec, Bonarda e Torrontés. Coloco autóctone (natural do país ou região) entre aspas, pois tecnicamente estas castas não são comprovadamente originárias da Argentina, mas tornaram-se um símbolo de sua enologia.
Malbec
Em um momento em que o mercado internacional busca, cada vez mais, vinhos que possuam alguma distinção, a Malbec se transformou em uma assinatura argentina.
Sua origem é o sudoeste da França, onde é chamada de Cot ou Côt. Também é plantada no vale do Loire e no Cahor (onde também é conhecida por Auxerrois). Em Bordeaux (onde pode ser tida por Pressac), mesmo nunca tendo sido muito plantada, marcava sua presença até o final do século XIX, quando a praga filoxera atacou a região. Hoje são raros os châteaux que usam Malbec em Bordeaux. E os que usam, raramente ocupam mais que 5% de seus vinhedos com ela.
A Malbec (com algumas exceções) nunca alcançou a grandeza na França, pois lá não chega a atingir a madurez ideal. É na Argentina que a casta vai ao esplendor, gerando líquidos frutados, estruturados e escuros.
O país sul-americano conta com condições naturais favoráveis ao cultivo da vinha. Com escassa matéria orgânica, os solos são pedregosos e secos. A exposição solar é excelente e o clima semi-árido, de pouca umidade e chuvas escassas, dispensa agrotóxicos. O sistema de irrigação, suprido pelo degelo dos Andes, garante o complemento ideal de água para as parras.
A altitude dos vinhedos - que pode passar dos 2 mil metros - e a grande amplitude térmica diária - com dias quentes e noites frescas - também são fatores fundamentais para a produção de grandes Malbec's.
As mudas da casta chegaram ao solo argentino vindas da região de Bordeaux em 1852. Hoje, há mais variedade clonal de Malbec na Argentina do que na França.
Um Malbec argentino, em seu melhor, tem cor muito escura, aromas de fruta negra muito madura, além de violetas (agregando eventualmente aromas de seu amadurecimento em madeira), paladar encorpado e macio, largo com taninos doces, acidez moderada, alta graduação alcoólica (entre 14 e 15%).
Malbec, condições naturais favoráveis |
Bonarda
Até a década de 1990, a Bonarda reinava absoluta na Argentina, quando passou o cetro para a Malbec. A casta, contudo, continua sendo expressivamente plantada e gerando vinhos inconfundivelmente argentinos. Até pouco tempo, mesmo sendo a casta mais plantada do país, dificilmente a Bonarda aparecia nos rótulos. Hoje, seu prestígio está renovado através de ótimos vinhos. Ela se dá bem na zona mais quente, que não é adequada para a Malbec, o que garante o convívio destas duas castas.
A história da Bonarda na Argentina começa com a chegada dos imigrantes italianos no final do século XIX, que teriam trazido mudas de várias castas.
É preciso ter cuidado ao comparar a Bonarda italiana com a argentina. Na Itália, existem ao menos três tipos principais desta uva: no Piemonte (Bonarda propriamente dita), na Lombardia e Emilia-Romagna (também chamada de "uva rara") e em Oltrepó Pavese (dita Croatina). Lá também existem muitos subtipos e apelidos, como Bonarda di Gattinara, Bonarda di Cavaglia, Bonarda Grossa, Bonarda Piccola, Bonarda di Pignola, Bonarda Novarese.
Bonarda, vinhos argentinos são distintos dos italianos |
Na Argentina, é difícil ser preciso sobre de qual tipo falamos. Alguns autores mencionam que a Bonarda sul-americana simplesmente não tem parentesco com as variações italianas, e que seria a uva Charbonneau do Savoie (França) - também chamada de Douce Noir -, ou a Corbeau do Jura (França), ou Charbono (da Califórnia).
Seja como for, os vinhos da Bonarda argentina têm, definitivamente, sabor bem distinto dos homônimos italianos. Na Itália, ela normalmente dá vinhos correntes, sem grandes destaques. Enquanto que, na Argentina, esta casta pode gerar desde fermentados frutados, agradáveis, alegres e com boa acidez, que podem ser provados jovens; até exemplares de grande estrutura, concentrados, barricados e para boa guarda em adega.
Torrontés Uma das melhores novidades surgidas em nosso mercado nos últimos anos é, sem dúvida, os vinhos brancos argentinos elaborados com a Torrontés. Como acontece com inúmeras outras castas, ela também não tem origem totalmente conhecida e gera controvérsias. Como ex-colônia da Espanha (onde existe uma casta homônima), uma teoria bem aceita é que a Torrontés tenha sido introduzida na Argentina por imigrantes bascos. Por outro lado, alguns argentinos reivindicam- na como sendo autóctone.
Enquanto isso, cientistas sugerem que ela nada tem a ver com a espanhola e que seria um cruzamento genético da italiana Moscato de Alexandria com a nativa Criolla Chica.
Seja como for, não há apenas um tipo desta uva na Argentina. Ao menos três variações bem distintas são conhecidas: Torrontés Riojano (a mais plantada e mais aromática), Torrontés Sanjuanino (um meio termo) e Torrontés Mendocino (menos aromática, mais comum na Patagônia).
O estilo geral do vinho Torrontés - que tem agradado os brasileiros - é de líquidos muito perfumados, algo entre um Moscatel e um Gewurztraminer. Os aromas mais típicos são de muitas flores (rosas), pêssegos e lichias. Na boca, pode ir do totalmente seco, passando pelo suave (com algum açúcar residual) e chegar ao totalmente doce, para a sobremesa. A região de maior expressão da casta na Argentina é em Cafayate, na província de Salta, norte do país. Lá, os 2 mil metros de altitude, com sol forte e temperaturas que podem variar 30 graus do dia para a noite, garantem a maturidade e o grande frescor destas uvas.
Os brancos da uva Torrontés devem ser apreciados na juventude, com um ou dois anos, e são uma opção mais em conta em vinhos aromáticos (notadamente os Gewurztraminer's franceses e alemães, excelentes, mas que podem custar caro).