Os encantos dos vinhos da Galícia

Alguns dos vinhos mais importantes da Espanha vêm dessa região

Por Patricio Tapia Publicado em 18/08/2014, às 00h00 - Atualizado em 15/01/2019, às 11h35


De Rías Baixas até Valdeorras, a paisagem é de montanhas, dias nublados, colinas com inclinações impossíveis

Ainda que não com o tom de tragédia de anos atrás, nos bares de Madri ainda persiste o pessimismo. As queixas contra os políticos, as denúncias de corrupção, o desemprego de um quarto da população. Já são seis anos de crise, a mais dura em meio século e, entre uma taça e outra, o fantasma do futuro ainda parece cobrir as esperanças dos espanhóis, apesar de os números macroeconômicos começarem a melhorar.

E a crise também afetou o vinho. Segundo o Ministério da Agricultura, a Espanha é o primeiro produtor de vinhos do mundo, mas as cifras de consumo interno baixaram dramaticamente. Hoje os espanhóis bebem pouco menos de 19 litros per capita ao ano (de acordo com as enquetes mais otimistas), menos da metade do que consumiam há 20 anos.

Pedindo socorro à teoria, essa baixa pode ser devida a muitos fatores. Os novos hábitos de vida, o avanço da cerveja, os controles de trânsito e, claro, os anos de vacas magras que os espanhóis sofreram. Mas, por outro lado, a cena de vinhos espanhóis é hoje uma das mais dinâmicas do mundo. Apesar da crise, o vinho continuou crescendo. No ano passado, exportou mais de 2,6 milhões de euros, colocando-se no terceiro lugar do ranking mundial.

Mas ainda mais excitante é o ritmo dessa indústria. A cada momento aparecem novos nomes, redescobrem-se antigas regiões, revitalizam-se novas cepas e, em geral, tudo parece ter uma energia nunca antes vista. E os vinhos da Galícia têm muita culpa nisso. É uma região que há uma década estava à sombra de outras denominações de origem tradicionais (Rio ja, Ribera del Duero, Priorato), mas que hoje é objeto de um redescobrimento inusitado: alguns dos vinhos mais importantes da península vêm daí, da “Espanha verde”, nesse canto ao noroeste do país, bendito pelas chuvas (às vezes insuportáveis), pelas montanhas cheias de vinhedos, pelas brisas marítimas e pelos solos de granito e ardósia, alguns dos quais dão tintos e brancos que lhe deixam sem alento.


Viticultor da Ribera Sacra, onde a Mencía tem uma delicadeza e uma acidez que a de Bierzo (que é onde essa casta se fez conhecida) não tem

Produtores de Destaque

D.O. Monterrei
Quinta da Muradella
José Luis Mateos é um artesão meticuloso. Em uma das regiões mais quentes da Espanha (o clima em Monterrei pode ser infernal), ele cria vinhos de uma delicadeza inusitada. Se for preciso fazer um ranking com os três melhores produtores da Galícia, Mateos deve estar lá, pois seus vinhos são imprescindíveis.

D.O. Ribeiro
Luis A. Rodríguez Vazquez
Falando de rankings, nesse mesmo trio de personagens fundamentais tem que estar, Luis Anxo, da Viña de Martin. No encantador povoado de Arnoia (um lugar onde quero viver minha velhice), Luis desenha vinhos de uma limpeza e uma clareza estremecedoras. Nada se compara a seus tintos, blend de Ferrol, Caiño e outras cepas autóctones.

D.O. Ribeiro
Coto de Gomariz
No alto Ribeiro, Coto de Gomariz produz vinhos deliciosos, também puros, desses que se bebe a garrafa, que terminam se que nos demos conta. Mas também vinhos mais robustos e concentrados. Para todos os gostos.

D.O. Ribera Sacra
Estrela
Uma família de artesãos, que mais do que viticultores são alpinistas, cuidando de seus vinhedos na região de Amandi, colinas impossíveis caindo sobre o rio Sil. E uma cepa: Mencía, que mais que vinho, parece um suave e refrescante suco de cerejas.

D.O. Ribera Sacra
Dominio do Bibei
Talvez a mais espetacular das vinícolas (em termos arquitetônicos) da Galícia é também culpada em parte pelo ressurgimento da Ribera Sacra. Seus constantes experimentos com cepas autóctones, além de seus vinhedos sobre ardósias negras, permitem-lhes obter vinhos que são fiéis reflexos de sua origem. Indispensável conhecê-los.

D.O. Rias Baixas
Adega Pedralonga
Miguel Alfonso é outro dos viticultores galegos que se deve ter em conta. De Caldas de Reis, faz magia com o Albariño (seus brancos estão entre os melhores da Galícia), mas também pode produzir tintos deliciosamente agradáveis a partir de Mencía, Caiño e Espadeiro.

D.O. Rías Baixas
Forja del Salnés
Para terminar, Rodrigo Méndez, em Salnés, em direção ao estuário em Rías Baixas. Junto com o iconoclasta e incansável Raúl Perez, de Bierzo, construiu um catálogo de tintos alucinantes. Não podem deixar de beber o Caiño Goliardo, entre os melhores tintos da Galícia e, por que não, da Espanha.

Viagem

Alguns dos vinhos mais importantes da península vêm dessa região noroeste do país, da “Espanha verde”

Vinhos da Galícia estão muito longe do estilo que comumente se associa ao vinho espanhol

A primeira vez que estive na Galícia, ao menos em termos profissionais, foi em meados de 2000. De passagem por Bierzo (nestes anos também objeto de atenção), cruzei as montanhas para escrever uma reportagem sobre Godello, a cepa branca que tão bons resultados dá em Valdeorras, a mais oriental das denominações galegas.

Nessa viagem, digamos, “inicial”, pude conhecer alguns dos mais importantes produtores galegos, gente que, na época, somente conseguia colocar algo de sua produção no mercado local. Nem sequer sonhavam em ir além, nem que seus vinhos estivessem nas prateleiras de algumas das lojas mais bacanas de Nova York, ou que seus rótulos fossem selecionados e aplaudidos nos mais diferentes restaurantes e feiras de Londres.

A Galícia, com certeza, está muito distante do estereótipo paisagístico que temos da Espanha. Não são pradarias de trigo de Castilla e León, tampouco as idílicas praias de Ibiza. De Rías Baixas até Valdeorras, a paisagem é de montanhas, dias nublados, colinas com inclinações impossíveis onde se cultiva a vinha. E tampouco é um lugar onde, por exemplo, a Tempranillo tem espaço. O que predomina são as cepas autóctones, adaptadas a essa região porque o clima e o solo são únicos. Bracellao, Caiño, Loureiro, Ferrol, Mencía (também presente em Bierzo), Bastardo (a Trousseau do Jura), Espadeiro, além da mais conhecida Albariño.

Em comparação com outras regiões da península, o clima galego é mais frio. É por isso que, por exemplo, a Mencía de Ribera Sacra tem uma delicadeza e uma acidez que a de Bierzo (que é onde essa casta se fez conhecida) não tem. E também é por isso que até o ocidente galego, a Albariño dá vinhos tão aromáticos e refrescantes, mas também tintos alucinantes como os que são feitos com Caiño, cuja acidez e frescor lhe faz pensar no norte europeu, lhe transporta a Savoia, na França, ou ao Valais, na Suíça; tudo muito longe do estilo que comumente se associa ao vinho espanhol, generoso em corpo, em álcool. Este é, definitivamente, outro mundo.

E como Novo Mundo, é um lugar para descobrir. Lamentavelmente, os vinhos galegos não chegam à América do Sul com a diversidade e regularidade que merecem, então as viagens e a curiosidade são armas para explorá-los. O demais são sardinhas, polvos, empanadas, cozidos, presuntos. E todas as uvas que podem acompanhá-los.

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