Arnaldo Grizzo Publicado em 27/01/2020, às 16h59 - Atualizado em 28/01/2020, às 17h24
Quando falamos em uvas tradicionais da Argentina e do Chile, os primeiros nomes que surgem são Malbec, Cabernet Sauvignon, Carménère... Mas, se voltamos no tempo, à época dos colonizadores espanhóis, vamos ver que as uvas “tradicionais”, na verdade, são outras. E estão sendo redescobertas. Aos poucos, produtores argentinos e chilenos têm trazido à tona uma variedade que ficou esquecida, a País, ou Criolla Chica, ou Mission (graças ao seu uso pelos missionários religiosos), como também pode ser conhecida dependendo da região.
Há algum tempo, essa uva tem retornado à cena, primeiramente com pequenos produtores artesanais e experimentais. Esse movimento foi detectado pelo jornalista Patricio Tapia, responsável pelo Guia Descorchados, há alguns anos. No entanto, recentemente, cada vez mais vinícolas passaram a produzir vinhos com essa casta e, segundo Tapia, esse já é um fenômeno estabelecido e que está dando muitos frutos.
Não à toa, tem sido cada vez mais comum encontrarmos vinhos com essa variedade, que representam um verdadeiro resgate de tradições camponesas em alguns dos rincões da Argentina e do Chile. Sendo assim, quando nos deparamos com esses vinhos, “feitos para matar a sede no campo”, com o que podemos harmonizar?
Primeiramente, é preciso entender a estrutura e concepção dessas bebidas. Nessa volta às origens, os produtores têm tentado manter a rusticidade tanto da cepa quanto dos métodos de produção antigos, obviamente com um olhar e cuidados atuais. Os vinhos feitos com País ou Criolla Chica tendem a ter bastante acidez, o que ressalta o seu frescor e faz com que sejam consumidos facilmente, mas, não se engane, pois também possuem uma estrutura de tanino poderosa, capaz de suportar receitas camponesas. Ao mesmo tempo que refrescam, têm peso. Dessa forma, vamos listar aqui algumas opções interessantes de combinação.
Para acompanhar vinhos “campesinos” (camponeses), é preciso pensar no que aqueles antigos trabalhadores rurais comiam na lida diária. Uma das “iguarias” do campo costumava ser o “chorizo”, o tradicional enchido de origem espanhola com carne e gordura, além de temperos, e defumados. Argentinos e chilenos ainda costumam comer as chamadas “longanizas”, que partem do mesmo princípio do chouriço. A questão aqui é o sabor intenso e o sal, que se equilibram com o vinho, portanto, pode-se harmonizar com diversos embutidos e defumados.
Na comida típica da fazenda, sempre havia guisados (ou cozidos). Esses cozidos de carne ou de legumes ficam horas no fogo misturando diversos sabores e temperos, o que sempre gera um prato contundente e muito saboroso. Pode ser um mix de carnes com feijão, lentilha, vagens e outros tantos ingredientes que estiverem à mão e possam fazer uma boa combinação na panela. Esses vinhos ricos em acidez e taninos são capazes de sustentar esse tipo de receitas com maestria. Experimente com um cassoulet.
Os vinhos de País e Criolla Chica são excelentes companheiros para as carnes na grelha, a famosa parrillada. Um belo naco de carne e depois um gole, simples assim. A acidez do vinho se equilibra com o sal e os taninos com a gordura. A rusticidade da bebida ainda casa com o defumado. Pode-se optar pelos mais variados cortes de carne (costela, cupim e outras partes mais gordurosas e de preparo lento principalmente), assim como acrescentar legumes e linguiças diversas. Refestele-se com fartura e refresque-se com o vinho.
De novo, o que manda é o sabor intenso. Faisão, javali, codorna, pato, por exemplo, têm sabor mais pungente e clamam pela acidez de vinhos desse estilo. Além disso, muitas dessas carnes tendem a ser feitas com preparações que contém muitas ervas e temperos, o que as tornam ainda mais saborosas. Outra boa opção, que também costuma ser feito com preparações intensas, é o cordeiro. Essa carne suculenta pode ser domada pelos taninos.
Tradição na Argentina, uma boa pedida para acompanhar esses vinhos são as empanadas, dos mais variados sabores. Sempre bem temperadas e intensas, elas são as típicas “tapas” que podem estar ao lado de um País ou Criolla Chica. O mesmo vale para as tortas de carne ou frango. A mistura de ingredientes dentro da massa, com vegetais e temperos dos mais diversos, cria um mundo de sabores que se amalgama com as qualidades desses vinhos refrescantes.
Coração, fígado, rins, pulmões, rabo, pés, língua... Sim, esses cortes ditos menos nobres, tanto do boi quanto de outros animais, são sempre intensos de sabor e geralmente feitos com preparações repletas de temperos. Aqui os vinhos combinam não só na questão dos sabores, mas também nas texturas, pois possuem estrutura para equilibrar as mais variadas. Seu frescor ainda ajuda a limpar a boca para uma próxima garfada. Viu-se diante de uma rabada, de uma buchada de bode, ou algo do gênero, experimente com esses vinhos.