Vinhos para combinar com os pratos do chef e jurado do MasterChef Henrique Fogaça
Arnaldo Grizzo, Eduardo Milan e João Paulo Gentille Publicado em 28/01/2019, às 20h00
Presença. É impossível deixar de notar o estilo de Henrique Fogaça em seus empreendimentos. Mesmo no mais recente, o elegante e de certa forma discreto Sal Gastronomia, aberto no fim de 2017 dentro do Shopping Cidade Jardim, a marca de rock’n’roll hardcore, típica dele, está presente.
Ao visualizar a figura do chef, repleto de tatuagens pelo corpo e com uma impostação de voz geralmente em tom grave, pode-se pensar que toda a sua comida segue o padrão de tons máximos. E quando pensamos em comidas “extremas” o amante do vinho já logo imagina que não deve ser fácil propor harmonizações, especialmente com vinhos mais sutis.
Mas engana-se quem se deixa levar pelas aparências. A culinária do Sal Gastronomia não é hardcore strictu sensu. Assim como Fogaça também tem seu lado mais suave, seus pratos também têm toques de delicadeza. Por exemplo, o chef tem preferência por cerveja, isso é inegável, mas, nos vinhos, seu gosto não é pelos tintos pesadões como alguns poderiam supor, mas por “brancos frutados”, admite.
As receitas têm, sim, presença, sabores marcantes, crocância, contrastes, mas com aquele tom de elegância “no limite” e é por isso que as possibilidades de harmonização não se restringem somente a “coisas pesadas”. De verdadeiramente hardcore, o tamanho da porção – sempre bem servida.
Essa foi a tarefa de ADEGA em um almoço no restaurante de Fogaça. O chef propôs preparar quatro pratos emblemáticos de seu cardápio e nosso time selecionou quatro rótulos para fazer frente à culinária de Fogaça. Um exercício divertido e repleto de descobertas.
Qual a sua relação com o vinho? Gosta?
Gosto de tomar vinho. Mas não sou um expert no assunto, eu particularmente prefiro algumas outras bebidas.
Costuma beber com que frequência? Tem algum tipo específico que prefira?
Costumo beber vinho apenas em ocasiões especiais, geralmente em jantares formais, e sempre escolho um com sabor mais frutado. Prefiro vinho branco.
Quem cuida da carta de vinho dos restaurantes? Quais fatores pondera para montar a carta?
Meu irmão Guilherme Fogaça, junto com a importadora de vinhos do restaurante. Para montar a carta o principal fator é a harmonização com os pratos. Todos os vinhos são escolhidos de acordo com o cardápio. E sempre selecionamos alguns rótulos extras, porque é importante que o cliente encontre variedades.
Que tipos de harmonização tende a apreciar com seus pratos?
Gosto de harmonizar a moqueca de banana da terra, peixe do dia e farofa de coentro com vinho branco. E o nhoque de mandioquinha acompanhado com ragu de javali com vinho tinto encorpado.
1 ESTRELA: Há pouca harmonia entre vinho e prato
2 ESTRELAS: Vinho e prato têm algumas similaridades
3 ESTRELAS: Boa interação entre vinho e prato
4 ESTRELAS: Prato ou vinho ganham na combinação
5 ESTRELAS: Prato e vinho ganham com a combinação
Jolie-Pitt & Perrin, Provence, França. Rosé composto de Cinsault, Grenache, Syrah e Rolle, com estágio de 10% do vinho em barricas de carvalho francês por breve período. Sempre consistente, esta é uma excelente versão desse rosado. Mostra aromas de pêssegos e morangos mais frescos, bem como agradáveis notas florais, herbáceas e minerais. Impressiona pela excelente textura, tem gostosa acidez e final persistente, com toques florais e de mel. Surpreende pela estrutura e corpo sem perder a elegância, tudo num contexto de frescor e mineralidade, que traz vibração e eletricidade ao conjunto. Álcool 13%. EM
Polvo com creme de azedinha e arroz sete grãos: 4 ESTRELAS
Filé mignon com gratin de batatas,foie gras e molho rôti: 1 ESTRELA
Magret de pato, purê de abóbora e maçã ao molho rôti: 4 ESTRELAS
Vitelo empanado com purê rústico de batata, salada de azedinha e tomate confit: 3 ESTRELAS
2009 Meyer-Näkel, Ahr, Alemanha. Tinto elaborado exclusivamente a partir de Spätburgunder (Pinot Noir), com estágio de 12 meses em barricas de carvalho 50% novas. Num estilo mais corpulento e carnudo, mostra perfil de frutas vermelhas mais maduras como groselhas e cerejas seguidas de notas florais, de lavanda, de especiarias doces e de cinzas, que se confirmam na boca. Chama atenção pelos taninos de textura sedosa acompanhados de vibrante acidez. Tem final persistente, com toques defumados e de sangue. Álcool 13,5%. EM
Polvo com creme de azedinha e arroz sete grãos: 4 ESTRELAS
Filé mignon com gratin de batatas,foie gras e molho rôti: 5 ESTRELAS
Magret de pato, purê de abóbora e maçã ao molho rôti: 1 ESTRELA
Vitelo empanado com purê rústico de batata, salada de azedinha e tomate confit: 3 ESTRELAS
Renato Corino, Piemonte, Itália. Tinto elaborado exclusivamente a partir de uvas Nebbiolo advindas de La Morra e Serralunga d’Alba, com estágio de 24 meses em barris de carvalho. Apresenta sedutoras notas florais e de especiarias doces que acompanham as frutas vermelhas, tudo em meio a muita tipicidade, taninos de excelente textura lembrando giz, gostosa acidez e final persistente, com toques de ferro e de ervas secas. Álcool 15%. EM
Polvo com creme de azedinha e arroz sete grãos: 1 ESTRELA
Filé mignon com gratin de batatas,foie gras e molho rôti: 3 ESTRELAS
Magret de pato, purê de abóbora e maçã ao molho rôti: 4 ESTRELAS
Vitelo empanado com purê rústico de batata, salada de azedinha e tomate confit: 4 ESTRELAS
RESERVE DE LA COMTESSE LALANDE 2007
Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande, Bordeaux, França. Tinto composto de Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec, com estágio em barricas de carvalho. Mostra cativantes notas de cassis e de alcaçuz que envolvem os toques florais, minerais e de especiarias doces. Está no auge e seguramente esse tempo a mais na garrafa lhe fez muitíssimo bem, mas deve se manter assim por mais cinco anos, pelo menos. Surpreende pela qualidade e pelo equilíbrio do conjunto, fazendo jus à fama de seu irmão mais velho. Álcool 13%. EM
Polvo com creme de azedinha e arroz sete grãos: 1 ESTRELA
Filé mignon com gratin de batatas,foie gras e molho rôti: 5 ESTRELAS
Magret de pato, purê de abóbora e maçã ao molho rôti: 1 ESTRELA
Vitelo empanado com purê rústico de batata, salada de azedinha e tomate confit: 3 ESTRELAS
A proposta inicial era a harmonização com o rosé. Difícil falhar, pois a sutileza da carne do polvo se equilibra bem com o corpo do vinho. Isso sem falar da mineralidade típica de um bom Provence, que sempre casa com o fruto do mar. Aqui, o rosado limpou o palato com sua mineralidade e acidez, mas, apesar da boa harmonização, o vinho não ganha no conjunto. Passamos então para o Pinot alemão para ver como ele se portava. Foi surpreendente, pois portou-se bem, mas, no fim, acabou atropelando o prato. O ponto alto aqui é que ele ganha em sabor com o tostado do polvo quando degustado em goles pequenos, pois a textura e o sabor do acompanhamento (arroz) vão bem com o vinho tinto.
Aqui encontramos a intensidade de sabores e os contrastes da culinária de Fogaça. Um molho intenso concentrado e doce, carne no ponto, foie clássico e um gratin de respeito. Quando vamos para a harmonização, o Pinot ameniza o doce do molho intenso e ressalta a acidez tanto do prato quanto do vinho, trazendo elegância. O toque do foie ainda ressalta um tom tostado do vinho. Já quando provado ao lado do Bordeaux, o prato ganha em complexidade, ganha em textura abraçando o vinho, tornando a combinação rica e integrada, valorizando tudo, prolongando os sabores, dando ainda mais intensidade. Com o Barolo, a combinação também funciona, mas sem brilhos, tanto do lado do prato, quanto do vinho. Pinot e Bordeaux, por outro lado, lidaram perfeitamente com os contrastes da receita, cada um agregando a seu modo.
Mais um prato de sabores extremos. A doçura do purê teoricamente poderia “matar” qualquer tentativa de harmonização, mas a leve acidez da maçã cooperou. Ainda assim, esse doce “a mais” fez com que nenhum dos vinhos selecionados fosse hors concours com o prato. A elegância e pungência do Barolo fizeram uma ponte interessante com a receita, pois a tanicidade e acidez ajudaram a “quebrar” o açúcar, criando uma sensação exótica, pois misturou sabores minerais, ácidos e doces. Curiosamente, outro vinho que se deu bem ao lado do pato foi o rosé, pois ele ajudou a equilibrar a doçura e a gordura com sua acidez.
O prato traz uma mistura de “roots”, com seu purê rústico e saboroso, além da fritura sequinha e crocante, com a sutileza dos sabores dos ingredientes (a carne tenra do vitelo). O vinho previamente selecionado, o Bordeaux, obviamente que funcionou, pois a complexidade do vinho tinha tudo o que era preciso para combinar com o prato. Mas, no fim, não houve grande brilho. Melhor seu deu o Barolo, pois a fritura vibra com a acidez do vinho e acompanha o prato em similaridade, trazendo graça e vida, além de ressaltar o frescor da bebida e a picância da receita. Corpo do prato e do vinho se ajudam, possibilitando uma harmonização elegante. Por fim, outro vinho que curiosamente funcionou, mostrando o quão versátil pode ser, foi o rosé. Sua acidez combinou com a delicadeza do vitelo e a intensidade da fritura, ganhando em frescor, apesar de não ter conseguido acompanhar da melhor maneira a estrutura e a riqueza de sabor da receita em geral.
Quer saber mais sobre o chef? Leia a reportagem com Henrique Fogaça na Sabor.Club.