Chocolate, alcachofra, vinagre, pimenta, frutas cítricas... Alimentos vilões também encontram seu parceiro na enogastronomia.
Deise Novakoski Publicado em 18/04/2016, às 14h00 - Atualizado às 13h40
É bem verdade que essa explicação não é válida para muitos países de culinária renomada e vinhos mundialmente famosos; nesses casos o que vale mesmo é a harmonização regional, ou seja, comida do Piemonte com vinho do Piemonte, comida de Bordeaux com vinho de Bordeaux e por aí vai...
Não é uma questão de concordar ou discordar, mas são fatos, é a tradição, devemos aceitar e respeitar. Nós, por aqui, não temos tantas tradições, aliás, como um país jovem, temos tudo a construir, inclusive a nossa cultura enogastronômica.
Não tenho medo, algumas vezes erro. Mas tomo água, como um pedaço de pão e começo tudo novamente, afinal, sommelier não é medico, que quando erra é fatal. Nós podemos sempre recomeçar e aprender.
Existe uma lista de não harmonizáveis, e não se trata apenas de gostos pessoais, mas sim, de química. Na boca sentimos quatro sabores: doce, amargo, salgado e ácido e, na combinação entre eles, o que se obtém é o seguinte:
O amargo reduz a acidez;
O doce atenua os sabores ácidos, amargos e salgados;
O ácido, por sua vez, deve ser sempre igualado ou ecoado.
Com essa regra em mente, podemos afirmar que, em relação aos vinhos, alguns alimentos são parceiros sinérgicos naturais, outros neutros e alguns pouco compatíveis. É justamente nos pouco compatíveis que devemos prestar mais atenção, pois eles são realmente capazes de estragar a festa, quero dizer, o vinho.
Chocolate é normalmente tratado como um ingrediente capaz de detonar a maioria dos vinhos. Quando é puro e sem açúcar, revela-se muito amargo; quando é adoçado pode ficar muito doce. Além disso, sua textura untuosa é capaz de arrebatar atenções das papilas gustativas, não deixando espaço para que os vinhos provoquem qualquer tipo de sensação. Amenizar essas características a partir da adição de outros ingredientes torna possível a harmonização de alguns pratos de chocolate com vinho.
A proporção de chocolate em relação aos demais ingredientes é o que define o tipo de vinho mais indicado para uma ou outra combinação. Os vinhos fortificados do tipo Porto 10 anos, Banyul's ou Maury são sugestões que costumam dar certo.
Alcachofras contêm cinarina, uma substância de gosto amargo que lhes confere a capacidade de atuar como auxiliar no processo digestivo. Se, por um lado, há essa ajuda, por outro, a harmonização das alcachofras com os vinhos fica comprometida. A degustação de alcachofra com vinho deixa na boca, na maioria das vezes, um gosto metálico, que varia do bastante amargo até o levemente adocicado, dependendo da concentração de cinarina. Os vinhos espumantes Demi-sec são sempre uma alternativa para contrapor o amargor da cinarina.
Vinagre. Novamente a acidez. Ela é a grande responsável pela desarmonia que vinhos e vinagres, a priori, guardam entre si. Os vinagres têm pH (parâmetro químico indicador do grau de acidez de uma substância) muito ácido, e essa acidez pode arruinar o sabor do vinho, se este for consumido junto ou logo após o vinagre. Os vinhos brancos da uva Sauvignon Blanc, principalmente do Novo Mundo costumam ter uma acidez elevada o suficiente para equilibrar com o pH dos vinagres.
Verduras e hortaliças: aspargo, espinafre, rúcula, radicchio, folhas de mostarda, chicória, endivias, são exemplos de verduras com forte retrogosto amargo, que só são suavizados quando misturados com ingredientes neutros ou com um toque de acidez. Mesmo que no modo de preparo dos pratos com essas verduras e hortaliças entrem outros elementos que suavizem o amargor, sempre escolha um vinho com acidez elevada, como os brancos de Trebianno ou Riesling.
Quando ingredientes complicados ou incompatíveis entram nas receitas, é a hora em que podemos exercitar nossa memória gustativa e nossa criatividade.
*Deise Novakoski, co-autora, ao lado de Renato Freire, do livro ''Enogastronomia: A Arte de Harmonizar Cardápios e Vinhos '' Ed. Senac.