A história do Champagne Cristal

Como o Champagne criado a pedido de um czar russo conquistou o mundo pela transparência

Arnaldo Grizzo Publicado em 28/05/2019, às 13h00

A garrafa do Champagne foi feita toda transparente, com cristal de vidro, para diferenciar de suas concorrentes, de vidro escuro, mas a lenda dá conta de outras teorias para sua transparência

Reza a lenda que o czar Alexandre II, amante dos espumantes franceses da região de Champagne, pediu pessoalmente a Louis Roederer, um dos principais produtores da época, para criar um vinho especialmente para seu consumo próprio (alguns dizem que para o consumo da corte russa também). Aí nascia o primeiro Champagne prestige do mundo.

O ano era 1876 e Champagne era uma das bebidas mais apreciadas na Rússia. Os czares e toda a nobreza do país compravam grandes parcelas (chegava a um quinto) da produção dos espumantes regularmente. Naquele ano, diz-se que Alexandre II resolveu conversar com seu maior fornecedor, Roederer, sobre a possibilidade de criar uma cuvée só para si depois de ter degustado um espumante em Paris e percebido que o que bebia em terras russas não tinha nada de especial em relação ao que se encontrava na França.

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Daí, seu pedido foi específico, para que seu Champagne fosse personalizado (provavelmente com mais açúcar residual, como era costume na época). Roederer não se fez de rogado e criou um vinho singular, elaborado com uvas de sete vinhedos especiais (Grand Cru), que seria produzido apenas em anos excepcionais. Mais do que isso, para envasar algo tão especial, criou uma embalagem única, que se tornaria símbolo e daria nome à cuvée do imperador russo.

A garrafa do Champagne Cristal foi feita toda transparente, com cristal de vidro, para diferenciar de suas concorrentes, de vidro escuro. Além disso, o fundo também se diferenciava por ser plano, em vez de côncavo - o que exige uma maior espessura para suportar a pressão. E o fato de fazer uma garrafa transparente também acarretou uma nova lenda. Alguns acreditam que esse também foi um pedido do czar, que temia atentados à bomba. Isso talvez tenha vindo do fato de Alexandre II - um imperador que fez grandes reformas na Rússia feudal (acabando com a servidão, por exemplo) - ter sido assassinado por revolucionários em 1881, justamente após um atentado à bomba (um dos vários que sofreu).

Depois dos czares

O neto de Alexandre II, Nicolau II - que viria a ser o último czar russo - também ajudou a criar a fama do Cristal. Um grande apreciador de vinhos, o imperador adorava recepcionar bem outros chefes de estado, especialmente o presidente francês, Emile Loubet, que pôde degustar, em 1902, um Hermitage tinto de 250 anos. Loubet, nascido em Marsanne, no Rhône, ficou emocionado.

Diz-se que em 1894, ano em que assumiu como czar após a morte do pai, Alexandre III - que dá nome a uma famosa ponte em Paris -, Nicolau II construiu uma gigantesca adega em Massandra, na Crimeia, que abastecia sua residência de verão no palácio de Livadia.

Busto do czar Alexandre II, que pediu a Roederer que desenvolvesse um Champagne especial

Até hoje essa é considerada uma das adegas mais bonitas do mundo. São 21 túneis de 150 metros em três níveis. Durante a Revolução Russa, o exército vermelho descobriu a coleção - que tinha mais de um milhão de garrafas, sendo que a mais velha datava de 1775 - que Stalin deixou com uma família de sua confiança. Após a invasão nazista na II Guerra, essas garrafas se dispersaram por toda a Crimeia.

As Champagnes Cristal, até então feitas somente para o czar, representavam boa parte desses vinhos - ainda mais depois que Nicolau II nomeou Roederer como fornecedor oficial de Champagne da corte. Após a revolução bolchevique de 1917, a produção de Cristal cessou. Contudo, como outras casas de prestígio em Champagne começaram a desenvolver cuvées especiais e tiveram sucesso mesmo em época de recessão, a casa retomou a produção em 1924. Na época, o espumante ainda vinha com a inscrição "Cristal simboliza a elegância e o refinamento dos czares de São Petersburgo" e ostentava o brasão de armas do império russo.

Transparência

Atualmente, a Cristal é feita com uma mescla de Pinot Noir (que não costuma passar de 50%) e Chardonnay, com uma pequena parte dos vinhos vinificados em madeira, sem fermentação malolática. As uvas vêm de vinhedos Grand Cru de Montagne de Reims, Vallée de la Marne e Côte des Blancs somente de propriedade da casa Roederer. O vinho fica maturando em média cinco anos, com um repouso de oito meses depois do dégorgement e com dosagem entre 8 e 10 g/l, dependendo da safra.

Produção parou com a Revolução Russa em 1917, mas voltou em 1924

Vê-se sua cor levemente dourada através do vidro branco. Dentro está um espumante intenso e, ao mesmo tempo, delicado, suave. Possui uma combinação de aromas florais, algo de doce, com castanhas, frutas cítricas, tostados leves e toques minerais sutis. A textura é extremamente sedosa, com concentração e sabores de frutas maduras, toques de chocolate, caramelo, entre outros. Sempre fresco e crocante. Uma perfeita harmonia, o que de melhor pode-se produzir em Champagne.

Uma perfeição ao alcance de poucos, já que a produção anual é cerca de 500 mil garrafas. Desde 1974, a Roederer também passou a fazer um Cristal Rosé, ainda mais raro e cuja cor é dada pela maior proporção de Pinot Noir.

VINHO PROVADO

Cristal 2004 - AD 96 pontos - Extraordinário

Fama

Tamanha fama fez com que mais do que os czares apreciassem o sabores do Champagne Cristal. Esportistas como Jimmy Connors e Vitas Gerulaitis, lendas do tênis dos anos 1980, brindavam suas vitórias com ele. Hollywood também o celebrou e ele ainda pode ser visto na mesa de Jack Nicholson e John Travolta. Apareceu diversas vezes no show "A vida dos ricos e famosos" de Robin Leach, e nos filmes "O Gangster", "Encontros e desencontros" etc. Além disso, é o preferido de Oprah Winfrey e também dizem que de Ivana Trump, ex-mulher do bilionário Donald Trump, que tomava uma taça todos os dias.

O Cristal já foi alvo de uma polêmica quando rappers famosos nos Estados Unidos, como Jay-Z e Snoop Dogg, passaram a aparecer na mídia sempre cercados pelas inconfundíveis garrafas transparentes. Tamanha era a intimidade com a bebida que ela até foi citada em um rap. Diante da nova e estranha publicidade, Frédéric Rouzaud, diretor do grupo Roederer, foi perguntado se isso poderia trazer problemas para a imagem da marca e respondeu que não poderia fazer nada, que não poderia impedir ninguém de comprar e que seus principais concorrentes adorariam estar nisso. A declaração equivocadamente foi vista como discriminatória e causou rebuliço no meio rapper, que quis promover um boicote à marca. Obviamente, isso não foi adiante e sequer passou perto de arranhar a fama de um Champagne tão límpido e cristalino quanto Cristal.

Champagne Cristal czar Alexandre II