Hora de despertar o gigante

Indústria vitivinícola brasileira deve pensar em conquistar o mercado interno através de produtos de qualidade antes que outros países resolvam investir seriamente em nossos consumidores

Dirceu Vianna Jr Publicado em 01/12/2010, às 13h54 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h47

Todos queremos que a indústria do vinho no Brasil tenha sucesso. De fato, há algumas histórias de sucesso e alguns aspectos que podem nos dar orgulho. Contudo, há muito o que se desenvolver e a hora é agora, antes que a competição se torne ainda mais dura do que já é.
Argentina e Chile já dominam o mercado e, no momento, os olhos de muitos produtores mundiais estão fixos nos mercados norte-americano e asiático. Mas o que acontecerá quando grandes e poderosas companhias de países como Austrália e África do Sul - que possuem know-how, potencial econômico e são brilhantes em termos de marketing - decidirem focar no mercado brasileiro para valer? Ou quando empresas que já estão no mercado, mas de maneira passiva, decidirem se focar no mercado interno de forma séria?
Quando isso acontecer é improvável que nossos vinhos sejam capazes de competir em preço, portanto, é melhor estar preparado, trabalhar uma estratégia e estabelecer a qualidade e o estilo dos vinhos brasileiros agora, para assegurar a sobrevivência de longo prazo da indústria.

Barrar os importados é a solução?
Uma alternativa para tal competição seria um lobby governamental para tentar colocar barreiras comerciais com a intenção de diminuir as vendas dos vinhos importados. Esse é um movimento desesperado, que não beneficiará o consumidor, muito menos desenvolverá a nossa indústria em longo prazo. Barreiras comerciais poderiam diminuir ainda mais a evolução de nosso mercado e jogá-lo nas mãos da indústria de cerveja, que já é favorecida pela legislação.
Uma ideia mais positiva seria considerar os vinhos importados como uma oportunidade ao invés de uma ameaça. Por exemplo, o consumo per capita no mercado do Reino Unido cresceu de menos de 6 litros no fim da década de 1970 para quase 15 litros hoje. A habilidade da indústria do vinho em trabalhar conjuntamente e a excelência em marketing são parcialmente responsáveis pela mudança nos hábitos dos consumidores britânicos, que migraram da cerveja para o vinho. Toda a indústria se beneficiou, incluindo os produtores do Reino Unido, que ainda estão lutando para lidar com a demanda apesar dos altos preços.

Há aspectos positivos da indústria brasileira. Por exemplo, há vinícolas como Cave Geisse, Villa Francioni e Miolo, que são dirigidas por profissionais ambiciosos, se esforçam para alcançar a excelência e fazer vinhos respeitáveis. No entanto, uma vinícola não precisa ser grande, ter fundos ilimitados e empregar consultores caros para garantir a qualidade. Há exemplos de famílias pequenas gerindo vinícolas no Brasil que estão alcançando boa qualidade com consistência, devido à determinação e grande atenção aos detalhes. Por exemplo, a Pizzato Vinhas e Vinhos. Os vinhos podem não ser sempre perfeitos, mas os padrões são consistentemente altos e há uma ambição latente e um dinamismo que rege as melhoras contínuas.

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Buscar as pessoas certas
Há ainda um grupo de profissionais jovens, capazes e determinados no campo do marketing e comunicação trabalhando em prol da promoção dos vinhos nacionais de forma geral, interna e externamente. Meu medo é que esses profissionais nem sempre recebam as ferramentas certas para fazer seu trabalho da melhor forma. Com isso, digo que o líquido dentro das garrafas que eles estão vendendo e promovendo é simples e nem sempre tem qualidade boa o suficiente.
É hora de parar de fingir que tudo está bem porque não está. Os produtores precisam se empenhar para melhorar e para continuar melhorando. A indústria, como um todo, precisa se abrir, encorajar mais trocas de conhecimento e experiências com o mundo todo. Com isso, não digo convidar jornalistas de segunda categoria para expressar suas opiniões.
Só porque alguém vem de fora não significa que ele saiba do que está falando. Há poucos jornalistas que têm domínio suficiente de questões técnicas e das realidades do mercado global que possam acrescentar know-how para nossa indústria, mas poucos já puseram os pés aqui.

Junto a isso, há uma diferença crucial entre a opinião de um jornalista ou de um comprador e a opinião de alguém com conhecimento técnico, que está lá como técnico ou consultor pago. Compradores ou jornalistas estão sempre como convidados e suas opiniões geralmente são inofensivas. Nesse estágio de desenvolvimento, o que a indústria precisa não é de conselhos polidos, mas de um feedback técnico completamente honesto. E isso só acontece quando profissionais são pagos para fazer seus trabalhos. Quando uma vinícola, ou um grupo delas, compreender que deve buscar tais conselhos e pagar por eles, é mais provável que ouça críticas construtivas e aplique o que está sendo sugerido.
O que a indústria precisa nesse momento são: visitas, seminários, workshops, opiniões e sugestões de pessoas com um alto nível de expertise técnica. Houve tais atividades no passado recente, mas nada perto do nível ou com a frequência que nossa indústria requer. Há indivíduos brilhantes espalhados pelo mundo que poderiam trazer know-how. São eles que precisamos recrutar para compartilhar seus conhecimentos e experiências, não jornalistas obscuros.

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Olhar para dentro da garrafa
Parece que a indústria, como um todo, está mais preocupada com o marketing de seus produtos do que com o que está dentro da garrafa. Esse é um dos pontos mais fracos. Nessa etapa, ações de marketing beneficiam um número pequeno de vinícolas, que já alcançaram padrões razoáveis de qualidade; enquanto melhoras técnicas podem beneficiar a grande maioria delas. Se vamos construir nossa reputação em bases sólidas, precisamos de massa crítica.
Ações de marketing são cruciais e necessárias. Não devemos parar de falar apaixonadamente sobre nossos vinhos, mas a indústria deve gerar recursos para aumentar a qualidade. Qual o propósito de colocar vinhos em competições desconhecidas no Panamá, Caribe, Miami, Hungria?

Pior do que gastar dinheiro entrando em tais coisas é usar qualquer que seja o prêmio recebido para fazer marketing do vinho e iludir o consumidor de que o produto realmente mereceu uma medalha. Ao adotar tais táticas, alguns produtores podem ser dar bem ao vender vinhos abaixo do padrão no curto prazo, mas essa estratégia não vai funcionar no longo prazo, pois os consumidores brasileiros são inteligentes.
No site de um respeitado produtor há um exemplo de produto que recebeu mais de cem prêmios. Na longa lista de premiações, talvez menos de cinco foram conquistadas em competições sérias e relevantes. A melhor opção para esse bom produtor seria continuar se inscrevendo em poucos e seletos eventos para validar a qualidade de seu produto todos os anos. Isso é admirável e deve ser encorajado. O dinheiro economizado ao não entrar em competições inapropriadas deve ser investido em melhoria na qualidade de outros vinhos da mesma gama, que se beneficiariam ao alcançar a tão necessária consistência.

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Em busca do terroir brasileiro
Da perspectiva do produtor, comparar vinhos brasileiros com os do Chile e Argentina não somente é perigoso, como suicídio. O custo geral da produção, que inclui impostos excessivos, a pouca escala e o ambiente são diferentes. Acima de tudo, o estilo de nossos vinhos são diferentes. Excluindo vinhos de áreas áridas do norte do Brasil, o estilo costuma mostrar uma estrutura firme, frescor de acidez e tende a ter menos ataque de fruta do que nossos países vizinhos, e são mais próximos do estilo europeu. Portanto, tentar vender nossos vinhos fazendo comparações diretas (raramente justas) trará pouco resultado, especialmente se o consumidor alvo estiver apenas começando a apreciar vinho, como é quase sempre o caso no Brasil. É comum que esse tipo de consumidor tenda a preferir vinhos mais frutados e sem tanta adstringência.
Talvez as conversas sobre estilos de vinhos do Brasil pareçam prematuras, pois a indústria ainda está na infância. Mas os produtores devem se empenhar em fazer vinhos que busquem o caráter do terroir. Um bom degustador é capaz de dizer, sem olhar no rótulo e com alto grau de precisão, de onde os clássicos vinhos do mundo vêm. Margaux ou Pauillac? Meursault ou Puligny-Montrachet? Rioja ou Ribeira del Duero? Esses vinhos orgulhosamente refletem suas regiões. Mesmo os melhores vinhos brasileiros de hoje estão longe de alcançar isso.

Nossos melhores vinhos são tecnicamente corretos, mas ainda falta a expressão do terroir. Muitos de nossos melhores produtos são feitos para impressionar jornalistas e se fiam em potência e pesada dose de madeira, ao invés de serem feitos para expressar suas verdadeiras origens e mostrar elegância. Isso não é uma crítica. É a pura realidade. Temos que aceitar que estamos no começo de nossa jornada. O objetivo de longo prazo é fazer vinhos de verdadeira personalidade e excelência, mas o primeiro passo é fazer vinhos que são tecnicamente corretos.
Oxidação, redução, sulfídricos, super-extração, mau uso de carvalho e problemas microbiológicos são apenas algumas das questões depreciando a qualidade de muitos de nossos vinhos hoje. "A qualidade geral dos vinhos brasileiros mostra similaridades com regiões como Rioja e Chianti há 20 anos", foi a opinião de um dos mais notáveis compradores da indústria durante uma degustação no Reino Unido tempos atrás. Conhecendo o background dessa pessoa, os produtores deveriam dar ouvidos a essas sábias palavras e aceitá-las como críticas construtivas.

Uma vez que começarmos a trocar informações com o mundo, os vinhos brasileiros podem alcançar os do resto do globo em questão de anos, não décadas, pois o fluxo de informação hoje é muito mais rápido. Basta olhar para o que Chile e Argentina alcançaram em um curto período de tempo com a ajuda de técnicos estrangeiros, consultores e investidores.
Os produtores precisam investir boa parte de sua energia e seus recursos no que vai dentro das garrafas. Aqueles que pararem e pensarem em estratégias de longo prazo agora, e aplicarem algumas dessas recomendações, terão melhor chance de sucesso em um mercado que vai se tornar cada vez mais sofisticado e competitivo.

Essa opinião honesta é dada por alguém que se importa e quer ver a indústria melhorar e prosperar. Em alguns casos, essas palavras podem soar duras, mas o propósito desse aviso não é causar controvérsia ou conflito, porém advertir e oferecer críticas construtivas. Temos indivíduos talentosos no setor de marketing e produtores terão mais chance de sucesso e consumidores estarão melhores servidos quando o que estiver dentro das garrafas se equiparar com as habilidades destes jovens profissionais. Aí então poderemos levantar a bandeira de nossos vinhos juntos, com orgulho.