A Errazuriz ergueu um monumento em homenagem aos seus grandes ícones
Por Arnaldo Grizzo Publicado em 14/06/2016, às 11h00 - Atualizado às 11h03
Viña Errazuriz é uma das vinícolas pioneiras no Chile. Don Maximiano Errazuriz se estabeleceu no país em 1870, vindo da Espanha, e logo construiu o edifício de sua “bodega”. Por mais de 135 anos, aqueles prédios históricos caiados de branco foram a base de sua empresa. Porém, desde 1983, quando entrou na companhia, Eduardo Chadwick – o atual presidente – não conteve sua ânsia de levar seus vinhos a um patamar ainda mais alto no panorama chileno e mundial.
Empreendedor e visionário, Chadwick foi um dos líderes da revolução vitivinícola em seu país. Há 10 anos, ele ousou e propôs ao crítico Steven Spurrier uma edição diferente do “Julgamento de Paris” – a degustação que, em 1976, ajudou a mudar o mapa do vinho no mundo. Em 2004, eles reuniram especialistas de todo o planeta em Berlim e colocaram, lado a lado, diversos ícones do Velho Mundo competindo em degustação às cegas contra alguns de seus melhores vinhos. O resultado surpreendeu e seus Viñedo Chadwick e Seña foram eleitos os dois melhores. Desde então, Chadwick corre o mundo refazendo, de tempos em tempos, essa prova em um evento de marketing fabuloso.
Projeto da Bodega Icono é do arquiteto Samuel Claro Swinburn. A construção teve investimento de US$ 7 milhões
Sendo assim, a Errazuriz de Chadwick se sustenta na tradição, mas também na modernidade, sempre buscando a vanguarda das ações. Foi dessa maneira que, em 2009, começou a tomar forma o edifício que seria a matriz e abrigaria seus vinhos mais preciosos. Naquele ano, diante do projeto de Samuel Claro Swinburn, da Claro Arquitectos, começava a nascer uma extraordinária e imponente construção no Vale de Aconcágua, a Bodega Icono.
Há três anos, sempre à frente das mudanças na vitivinicultura chilena, Chadwick comentou em entrevista exclusiva à revista ADEGA sobre os projetos do Chile na cena mundial: “Nosso plano fala da sustentabilidade como pilar fundamental de nossa indústria. Queremos ser reconhecidos como ‘o’ país vitivinícola com as melhores condições de sustentabilidade do mundo”. Não à toa, a Bodega Icono, com todo seu design arrojado, também é um bastião da sustentabilidade. “Feito não só com a máxima tecnologia, mas também pudemos incorporar os conceitos de sustentabilidade, com fluxo gravitacional, uso de energia geotérmica – do solo – para manter a temperatura constante, além de painéis solares para geração de energia. Creio que hoje em dia estamos unindo alta qualidade e sustentabilidade”, apontou Chadwick.
O que é feito na portentosa Bodega Icono representa apenas 3% da produção total dos vinhos de Errazuriz, cerca de 400 mil litros, porém corresponde a 50% do faturamento da empresa. Daí se explica o investimento de US$ 7 milhões para a sua construção.
Sutilezas de contrastes. Na página anterior, a vista da Bodega Original e seu interior com antiguidades e decoração retrô. Nesta página, a modernidade do design da Bodega Icono
Chegar à Errazuriz é percorrer a história da empresa, de sua fundação até os dias de hoje. O que vemos de entrada é uma das típicas “casonas” das vinícolas que participaram dos primeiros passos da história do vinho no Chile.
Um comprido espelho d’água marca uma alameda por onde os visitantes caminham até o prédio histórico. Na “Bodega Original”, barricas, antiguidades, pinturas e objetos retratam e revivem outros tempos numa prova de que a modernidade ali caminha com respeito à tradição. Os detalhes dos lustres vermelhos trazem vida ao ambiente dominado pela madeira e pelo branco.
O percurso para a nova vinícola, finalizada em 2010, percorre a lateral da Bodega Original, e nele percebemos a mudança no paisagismo. Ao subirmos os largos degraus, vamos nos afastando do passado e nos aproximando do presente. O contraste ressalta a modernidade da nova edificação, com planos puros e limpos.
Encravado no solo, o novo prédio tem sua temperatura mantida por geotermia
A Bodega Icono tem uma base de apoio octogonal, sobre a qual se desenhou uma vinícola de velas circulares de cimento pigmentado branco que se agrupam como uma espiral concêntrica, no sentido dos eixos do hemisfério sul, integrando-se verticalmente na terra, juntamente com os diferentes níveis de operação. São 2.980 metros quadrados de superfície e isso tudo em um design capaz de a separar de seu entorno imediato e fazê-la submergir entre o verde dos vinhedos.
O interior tem três níveis, o que reforça o caráter gravitacional da vinícola. No primeiro plano recebe-se as uvas, lá também fica a sala de degustação suspensa sobre uma lâmina de água e os vinhedos, com sua fenomenal vista. Fora dos períodos de produção, o silêncio e a paz reinam na sala e a vista espetacular dos vinhedos que se estendem e sobem a encosta convidam à contemplação do vinho e sua origem.
Logo abaixo ficam as cubas e é onde se realiza todo o trabalho de vinificação. Por fim, a sala de barricas, totalmente climatizada, com temperatura e umidades controladas, basicamente devido a estar cerca de 4 metros afundada no solo. Aí também se encontra uma sala de degustação com vista para os barris de vinho.
Todos os sistemas de clima e controle de umidade se complementam com um sistema de ingresso de ar resfriado por geotermia, o que permite estabilizar naturalmente a temperatura da vinícola durante o ano, o que faz parte dos mecanismos de eficiência sustentável incorporados no projeto.
Enterrada no solo, a vinícola se aproveita da temperatura média de 16ºC da terra. Além disso, um duto de 1 metro de diâmetro percorre 170 metros abaixo do terreno e é injetado nos dois primeiros níveis para gerar uma pressão positiva e ventilação permanente. O ar impulsionado do exterior por um ventilador capta a temperatura da terra e faz com que as médias no interior da vinícola fiquem entre 14º e 20ºC durante todo o ano.
O isolamento térmico é dado por termopainéis de cristal instalados no eixo central e janelas, além da lâmina d’água que reduz sensivelmente as trocas de calor entre a parte interna e externa, filtrando também a luz que ingressa. Por fim, painéis solares captam a energia para esquentar a água.
No interior da Bodega Icono, há um “vazio” circular que faz a comunicação com todos os níveis e é atravessado por um eixo central ou uma ponte suspensa que termina na varanda da sala de degustação sobre a lâmina d’água e com vista para os vinhedos.
O plano de paisagismo foi desenhado por Juan Grimm, que já projetou dezenas de jardins e parques no Chile e tem sempre em mente a preocupação de usar (e imitar) os elementos da natureza. Aqui, ele usou palmeiras e reaproveitou esculturas antigas. Também desenhou todo o trajeto entre as vinícolas de forma a integrá-las para que o visitante possa chegar à belíssima escada de acesso principal ao prédio novo e se encantar.
Sala de degustação projeta-se sobre uma lâmina d’água e proporciona uma visão deslumbrante dos vinhedos
Saindo da nova vinícola e caminhando pelos vinhedos, podemos ascender por uma longa escada até um mirante entre antigas vinhas de Syrah plantadas em arbustos e entremeadas por plantas de figo da Índia. A vista do mirante é deslumbrante, exaltando a continuidade entre o antigo e o novo e revelando o local de onde foi pintado o histórico quadro da época da fundação da vinícola. Pouco mudou no entorno, outras culturas cederam espaço à vinha, um novo monumento ao vinho foi erguido, e nada mais.
Se tiver oportunidade, a vista da Bodega Icono à noite é tão ou mais impressionante do que a de dia, o paisagismo ganha força com o uso de uma iluminação projetada e também das salas envidraçadas da vinícola que passam a lembrar um farol que, durante o dia, alimenta-se da energia do vinhedo e a devolve durante a noite.