Complexo arqueológico Areni-1, na Armênia, é o local da mais antiga vinícola do mundo
Arnaldo Grizzo Publicado em 15/10/2018, às 11h00
Na parte centro-sul da Armênia, não muito longe do monte Aratat, onde supostamente Noé plantou os primeiros vinhedos depois do Dilúvio Universal, os cientistas acreditam que está o berço da vitivinicultura mundial. Em 2007, o vilarejo de Areni ganhou notoriedade após a descoberta de um sítio arqueológico onde pesquisadores encontraram o primeiro sapato e também a primeira vinícola da história.
Às margens do rio Arpa, Areni-1, como foi batizada, tem mais de 6.100 anos. Ela começou a ser escavada em 2007, mas os resultados dos achados da equipe dos arqueólogos Gregory Areshian e Boris Gasparyan só foram divulgados alguns anos mais tarde, após eles encontrarem uma grande cuba de 60 centímetros de profundidade enterrada ao lado de uma bacia rasa com 1 metro de comprimento feita de argila e com abas elevadas.
Segundo os pesquisadores, esse modelo de equipamento sugere que os primeiros viticultores prensavam as uvas com os pés. O mosto da uva pisada escorria para a cuba, onde era deixado para fermentar. O vinho depois era colocado em jarras.
Tinto e mortos
Uma das evidências que fazem com que os cientistas acreditem que a instalação era mesmo usada para a produção de vinho foi a descoberta de traços do pigmento conhecido como malvidin, responsável por dar cor ao vinho tinto, nas bordas da bacia. Ao redor dos equipamentos também foram encontradas sementes e outros resquícios de videiras, além de vasos que serviriam para consumir a bebida.
Uma das principais curiosidades da Areni-1 é que, no mesmo local onde se prensava as uvas e produzia o vinho, foram encontradas cerca de 20 sepulturas. Ou seja, mais que uma vinícola, o lugar talvez fosse um cemitério. E, por isso, os pesquisadores acreditam que o vinho ali produzido era, na verdade, para homenagear os mortos.
Provavelmente havia um aspecto ritualístico na produção, já que copos foram encontrados dentro e ao redor dos túmulos. O vinho, portanto, talvez fosse feito para os ancestrais ali enterrados, para fazê-los felizes.
Sapato e viticultura
Mais curioso ainda é que Areni-1 também é o local onde foi encontrado o primeiro sapado de couro da história, com mais de 5.500 anos. O objeto teria sido achado ao lado da bacia de prensa, o que sugere que, desde aquela época, o vinho era pisado com pés descalços.
Além de ter desencavado a mais antiga vinícola do mundo, essa descoberta também serve de base para entender quando o homem passou a domesticar a vinha. Traços de vinho já haviam sido descobertos no Irã, datando de mais de 7.400 anos. No entanto, a cave armênia – o primeiro aparato de vitivinicultura em grande escala encontrado – sugere que a domesticação da parreira só teria ocorrido cerca de mil anos depois. Somente com plantas já domesticadas seria possível criar lagares maiores, pois assim seria possível colher mais do que se fossem vinhas selvagens, que produzem menos fruta. Ou seja, estamos falando dos primórdios da agricultura no mundo.
Na verdade, isso já era uma agricultura sofisticada, pois era preciso conhecer o ciclo da planta, a quantidade de água na irrigação, como prevenir contra doenças etc., ou seja, todos os detalhes para que a videira pudesse produzir adequadamente.
Os pesquisadores acreditam ainda que os vinhos lá feitos eram preservados com resina, o que lhes daria um sabor similar aos Retsina gregos. Eles devem ter sido produzidos com algumas das variedades autóctones encontradas na região, como a Areni, Kakhet, Sireni ou Tchilar, por exemplo.
Peregrinos
Após a descoberta do berço da vitivinicultura, Areni-1 tornou-se um lugar de “peregrinação” de enólogos e enófilos. Produtores do calibre de Paul Hobbs, por exemplo, já estiveram visitando as caves e, mais que isso, interessaram-se em produzir vinhos na Armênia. Desde 2014, Hobbs iniciou um projeto em parceria com os irmãos Vahe e Viken Yacoubian para fazer vinhos em Aghavnadzor, um pouco ao norte de Yerevan, capital armênia. Quem também possui projeto no país, em Arevadasht, é o famoso enólogo-consultor Michel Rolland. Junto com o enólogo argentino Gabriel Rogel, eles têm a Karas Wines. Karas, deve-se dizer, é o nome dado às ânforas armênias.
Outro expoente da enologia, o italiano Alberto Antonini, por exemplo, também presta consultoria para um produtor da Armênia, Zorah, na vila de Rind, não muito longe de Areni. As vinícolas, novas ou antigas, fazem questão de buscar inspiração em Areni-1. Resta saber se aquele vinho ancestral agradaria aos paladares de hoje.