O vinho brasileiro começa uma nova e positiva fase, comemorando conquistas e encarando desafios
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 13/10/2009, às 08h37 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h46
As mais de 700 pessoas que participaram no dia 26 de setembro da 17a edição da Avaliação Nacional de Vinhos, na cidade de Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul, testemunharam um momento muito especial para o vinho brasileiro.
Não somente porque a Avaliação Nacional de Vinhos se firma como o mais importante evento do calendário da indústria vitivinícola, mas por conta das surpresas que a Associação Brasileira de Enologia preparou para os degustadores.
Ao final da prova das 16 amostras mais representativas da safra de 2009 - comentadas por especialistas como o Master Sommelier, Dirceu Vianna Junior, o enólogo chileno, Sérgio Correa, e o publisher de ADEGA, Christian Burgos, entre outros -, foram entregues os Troféu Vitis nas categorias Enológico e Amigo do Vinho Brasileiro ao engenheiro agrônomo Edual João Garbin e ao jornalista Jorge Carrara, respectivamente.
Mas a grande surpresa ainda estava por acontecer. Com as luzes do enorme salão praticamente apagadas, uma soprano entrou cantando e em sua mão encontrava-se uma taça de espumante, de modelo diferenciado. Essa taça, que foi sendo entregue a todos os participantes pelos alunos do curso técnico de enologia que fazem o serviço dos vinhos no evento, é a nova "Taça do Espumante Brasileiro" (foto de abertura).
Criação detalhada
Desenvolvida através de uma parceria entre a ABE, a Embrapa e a Cristallerie Strauss, seu processo de criação reuniu especialistas em espumantes nacionais e etapas que incluíram a seleção visual de 26 modelos já existentes, seguida da avaliação de funcionalidade dos seis modelos mais votados (em laboratório todas passaram por uma prova de degustação a fim de adequar sua funcionalidade).
Por fim, duas taças se destacaram e sofreram pequenos ajustes nas dimensões de altura e diâmetro de bojo, seguindo critérios técnicos da cristaleria e dos enólogos degustadores. Com todos os critérios definidos, a nova taça foi feita pela cristaleria e enviada para a diretoria da Associação Brasileira de Enologia para a confirmação de sua adequação às características dos espumantes brasileiros.
As pessoas que apreciam vinhos sabem que uma taça adequada faz diferença no momento de degustar um produto, exercendo um efeito importante na percepção da qualidade de um vinho.
Assim, a nova taça objetiva valorizar as qualidades de cor, aroma e paladar do espumante nacional, aliando originalidade, qualidade estética e favorecendo a percepção do perláge, da efervescência, a dispersão dos aromas e o paladar. Tudo isso por conta de uma característica importante de nossos espumantes, um maior frutado nos aromas e maior vivacidade na boca.
Vendas em crescimento
Os espumantes elaborados no Rio Grande do Sul perceberam um aumento de comercialização de 20% entre janeiro e agosto de 2009 em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que os do tipo Moscatel (que é, em geral, a porta de entrada para o consumo de vinhos finos) tiveram um aumento de 35,5% no mesmo período.
A indústria vitivinícola nacional está ciente das possibilidades do mercado para seu vinho mais emblemático e antecipa um final de ano lucrativo. "Já estamos em processo de engarrafamento de alguns de nossos espumantes que precisarão viajar para outros estados e países, e estamos usando toda nossa capacidade", revela Maurício Salton, gerente de planejamento da empresa que tem seu sobrenome.
A grande surpresa da Salton, no entanto, não estará no mercado antes de maio do ano que vem, um espumante diferenciado, para comemorar os 100 anos da empresa
Um grupo de jornalistas brasileiros, entre eles esta repórter, pôde degustar em primeira mão o produto na sede de Tuiuty no final de setembro e, mesmo sem estar finalizado, a qualidade já é perceptível.
O que fica claro é que, quatro anos depois da safra de 2005 (a mais consistente da década), os produtores brasileiros estão encontrando o equilíbrio entre tecnologia, mercado, artesania e qualidade - que pode finalmente levar a indústria nacional a um lugar de maior destaque interno e externo - e esse equilíbrio vem aos poucos, revertendo em vendas.
#Q#Arrumando a casa
Um dos maiores desafios do vinho brasileiro vem sendo vencido aos poucos, como uma maratona de revezamento, em que é necessária a troca de personagens para que se vença a prova. Até os produtores mais tradicionais começam a perceber que não basta fazer um bom vinho este ano, mas, sim, safra a safra.
Não basta vender para sua própria comunidade e, sim, lançarse ao mercado e, finalmente, é preciso comunicar, divulgar e valorizar, não somente seu produto, mas o conceito como um todo.
Para pôr tudo isso em ordem, uma série de iniciativas estão acontecendo (a primeira delas foi a nova campanha para os Vinhos do Brasil, lançada na Expovinis deste ano), como os Projetos Imagem Nacional e Internacional, chefiados por dois jovens talentosos do Ibravin, Diego Bertolini e Andréia Gentili Milão (responsável também pelo projeto de exportação Wines From Brazil). Esses projetos trazem jornalistas brasileiros e estrangeiros e formadores de opinião para conhecer as regiões produtoras, as vinícolas, e para um intercâmbio de culturas.
Na terceira edição, da qual participei ao lado de outros nove jornalistas brasileiros, foi possível ver de perto inovações tecnológicas em casas tradicionais, como a Cooperativa Garibaldi - que fez um investimento alto em um filtro fitotangencial, útil para manter a delicadeza de seus espumantes durante um processo delicado da finalização do produto -, a Cooperativa Aurora - que se prepara para construir uma cave exclusiva para seus espumantes feitos pelo método tradicional, fora da cidade de Bento Gonçalves, e garantir parcelas diferenciadas entre seus parreirais para Chardonnay e Pinot Noir na propriedade de Pinto Bandeira.
Estes e outros projetos e investimentos das seis vinícolas visitadas visam a melhora da qualidade dos vinhos como um todo. Os jornalistas estrangeiros, vindos da Alemanha, Dinamarca, Holanda, Inglaterra, Polônia e Austrália, revelaram-se impressionados com a limpeza, organização e modernidade de nossas vinícolas, além da já famosa receptividade do povo brasileiro.
Interessaram-se por vinhos de uvas diferenciadas, como a Ancellotta, Teroldego, e Tannat, e esclareceram algumas particularidades de seus mercados consumidores, como a preferência por vinhos menos amadeirados (explicando que muitos vinhos do Novo Mundo têm excesso de uso de madeira e, por isso, tornam-se pesados e enjoativos) e a busca de opções inovadoras de qualidade e preço justos.
O passado em revisão
O que vem sendo mostrado pelos produtores nacionais - tanto aos consumidores finais quanto aos compradores e a mídia - nada mais é do que os primeiros resultados palpáveis e passíveis de avaliação e julgamento de uma indústria que começou artesanal no século passado, e nos últimos 10 anos passou por mudanças profundas de caráter, objetivos e tecnologia.
A safra de 2005 - que viu o nascimento de ADEGA - é considerada pelos enólogos e produtores como a melhor da década, mas ela é também o resultado de uma mudança que já vinha sendo desenhada.
"Nesse tempo vimos uma melhora em toda a base da cadeia, principalmente no plantio de vinhedos e em seu controle.
Com certeza, essas mudanças envolveram investimentos em tecnologia e profissionais mais bem preparados, além de uma cantina que acompanhou essa evolução, e que foi norteada objetivando preservar as características naturais das uvas e a extração do máximo potencial de cada variedade", explica Adriano Miolo, diretor técnico da Miolo Wine Group e vice-presidente da Aprovale (Associação dos Produtores do Vale dos Vinhedos).
Da mesma forma que as safras de vinhos, inevitavelmente influenciadas pela natureza, as vinícolas brasileiras entenderam que sofrem influências do preconceito que ainda existe contra seus produtos, da alta taxação governamental e, algumas vezes, de uma postura muito protecionista em relação aos vinhos.
Mas, ao mesmo tempo, se deram conta de que preconceito se combate com informação e degustação, altas taxas precisam ser negociadas à exaustão e de que o protecionismo de nada serve se o produto não se provar na taça, que é onde, em última instância, todos nós (indústria e consumidores) queremos encontrar felicidade, qualidade e celebração. Um brinde de taça nova aos quatro anos de ADEGA!