Néctar cipriota, o vinho mais antigo do mundo

A história do templário Commandaria

Arnaldo Grizzo Publicado em 16/03/2021, às 11h00 - Atualizado em 06/04/2021, às 14h03

 

“Li rois les bons vins corona 

Et a chascun son non dona: 

Vin de Cypre fist apostoile 

Qui resplendist comme une estoile 

 

Os versos acima, em tradução livre seriam algo como: “O rei coroa os bons vinhos, a cada um dá um título: o vinho de Chipre torna papa, que resplende como uma estrela”. Esse seria o ápice de um poema escrito por um clérigo francês chamado Henri d’Andeli, que viveu no século XIII. Na “Batalha dos vinhos”, como o poema ficou conhecido, o autor supostamente conta uma história ocorrida na corte de Felipe II, quando o rei da França pede a mensageiros que tragam amostras de vinhos de todo o mundo para que sejam eleitos os melhores. Após diversas provas (feitas por um padre que chega a excomungar as piores bebidas), o mais aclamado é um vinho da ilha de Chipre, no Mediterrâneo. Mas que vinho seria esse? 

O vencedor da contenda seria o Nama, ou, finalmente, Commandaria como ficaria conhecido um dos vinhos mais antigos do mundo ainda hoje produzidos. Ilha estratégica no Mediterrâneo, Chipre sempre foi disputada e serviu como entreposto comercial. Desde a antiguidade, seus vinhos doces foram celebrados, sendo citados por Plínio, Homero, Sêneca entre outros. Até a Idade Média, esses vinhos eram conhecidos por Nama (ou Manna, segundo alguns). Somente durante as cruzadas é que o nome Commandaria passaria adiante. 

Em suas batalhas na Terra Santa, Ricardo, Coração de Leão, rei da Inglaterra, capturou Chipre em 1191. Diz-se que ele só tomou a ilha para poder resgatar Berengaria, sua futura esposa que havia sido despachada por sua mãe Eleanor de Aquitânia ao seu encontro em Jerusalém e acabou capturada pelo rei cipriota. A vitória e o casamento, realizado em Limassol - a segunda maior cidade do país, depois da capital Nicosia - foram celebrados com o vinho local. 

Após a tomada de Ricardo, a Ordem de Malta e a Ordem dos Templários compraram a ilha, estabelecendo sede em Kolossi, perto de Limassol, onde edificaram um castelo (logo em seguida eles venderam a ilha a Guy de Lusignan, que se aclamou rei de Chipre). O local onde os templários fizeram sua base ficou conhecida como “La Grande Commanderie” e, como o vinho era produzido na região, acabou sendo chamado de Commandaria. Diz-se que a bebida, na época, era tão espessa quanto o mel e poderia ser preservada por muitos anos dentro de potes de barro. 

Uma denominação 

A história de Chipre teve indas e vindas, assim como a de seu vinho. Seu auge ocorreu na época dos Cavaleiros Templários e de São João (Ordem de Malta), sendo exportado para inúmeros reinos com os quais essas ordens militares católicas se relacionavam; e também sendo fornecido aos peregrinos que rumavam à Terra Santa. Mesmo após o debacle dessas poderosas congregações, o Commandaria conseguiu sobreviver aos séculos, chegando aos dias atuais. 

Lendas dizem que os vinhos de Chipre eram tão apreciados na Idade Média que, no século XV, vinhas cipriotas foram plantadas na ilha da Madeira e os vinhos lá produzidos teriam o intuito de imitar o estilo do Commandaria. O mesmo teria ocorrido com o famoso Marsalada Sicília.

O vinho no Chipre é feito com duas castas indígenas, Xynisteri e Mavro

O vinho hoje é protegido por uma denominação de origem criada em 1990. Ele é produzido nos arredores das montanhas Troodos, uma formação rochosa que surgiu há 2 milhões de anos quando as placas tectônicas da Eurásia e da África se afastaram.

A denominação compreende os limites de 14 aldeias: Agios Georgios, Doros, Laneia, Agios Mamas, Kapileio, Zoopigi, Kalo Chorio, Agios Pavlos, Agios Konstantinos, Louvaras, Gerasa, Apsiou, Monagri e Silikou. O solo é vulcânico, o clima, obviamente, oceânico, e Commandaria é feito com as uvas indígenas Xynisteri (branca) e Mavro (tinta), que são desidratadas ao sol para que a concentração de açúcar alcance entre 390 e 450 gramas por litro. Muitas vezes adiciona-se ainda aguardente vínica, o que eleva o grau alcoólico para acima dos 15%. 

Com produção diminuta devido aos rendimentos muito baixos, Commandaria ainda hoje segue sendo um mito. No século XIX, a poetisa inglesa (os ingleses foram os maiores compradores durante muitos séculos) Elizabeth Barrett Browning resumiu Commandaria assim: “é tão doce quanto a lira das musas. Tem a cor de um leão ou Rhea e brilha muito melhor do que os olhos da deusa. É tão leve quanto seu passo, e o mel produzido pelas abelhas negras de Hymettus não pode exceder a doçura dos vinhos de Chipre”. 

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