ADEGA provou, em primeira mão, a linha Tara – o projeto da Ventisquero que cria vinhos de alta qualidade desafiando as condições extremas da região do Atacama
por Eduardo Milan Publicado em 14/08/2013, às 00h00 - Atualizado às 01h46
Os vinhedos estão localizados a apenas 22 quilômetros da costa e, devido ao clima desértico, a irrigação constante é necessária
É possível produzir vinhos de qualidade excepcional numa região de condições extremas como o deserto do Atacama? Observando as condições climáticas da região, fica difícil acreditar que, num lugar em que a chuva é quase nula – apenas 20 mm anuais –, as temperaturas são escaldantes e os solos têm alto teor de sal, é possível conseguir tal feito.
Segundo Felipe Tosso, enólogo-chefe da Ventisquero e um dos responsáveis pela linha Tara, tudo aconteceu meio que por acaso. O proprietário da vinícola, Gonçalo Vial, já possuía diversos hectares na região – usados para o cultivo de oliveiras – e os enólogos da Ventisquero buscavam um novo lugar, distinto, para produzir vinhos de qualidade.
Após estudos, foi constatado que o local possuía solo com altos índices de calcário, tradicionalmente propício para produção de uvas de qualidade – haja vista Chablis, na Borgonha. A partir daí, iniciaram-se os experimentos, com o plantio de 0,5 hectare de vinhedo e muitas variedades. Mas, os problemas só estavam começando. Devido ao clima desértico, a irrigação constante é necessária, mas ocorre que tanto o solo quanto a água da região possuem alta concentração de sal, assim, ao regar as plantas, acabou-se por aniquilar as pequenas videiras pela salinidade extrema. Mas eles não desistiram. Segundo Tosso, foram buscar consultoria de um expert em irrigação e cultivo de uvas de mesa na região de Copiapó. Vencido esse desafio, as uvas foram replantadas em 2007 e o primeiro vinho produzido em 2010.
Apesar de extrema e de cultivo muito trabalhoso, a região possui qualidades que ajudam a minimizar a ferocidade do deserto e tornam possível a produção de uvas. Para Tosso, as principais delas são a proximidade do mar – os vinhedos estão localizados a apenas 22 quilômetros da costa – e a ausência da Cordilheira da Costa na área, o que possibilita que os ventos do Pacífico tragam frescor e alento ao clima escaldante.
Essa ausência de cordilheira também possibilita que a neblina costeira – conhecida como Camanchaca –, característica das manhãs no litoral da região, adentre o vale e amenize a incidência do sol.
Nessas circunstâncias extremas, Tara conta, atualmente, com pouco mais de 10 hectares de vinhedos, plantados numa densidade de apenas 400 plantas por hectare e uma produção baixíssima, em média 300 gramas por pé, o que implica na produção ainda muito pequena de cada rótulo, quase experimental. “Nas primeiras colheitas, tínhamos a certeza que estávamos presenciando algo distinto do que estávamos acostumados, mas ainda não tínhamos essa mesma certeza com relação a qualidade dos vinhos que poderiam ser produzidos ali”, conta Tosso.
Como se não bastassem os desafios impostos pela natureza, os participantes do projeto se colocaram ainda mais desafios, como o de produzir vinhos com o mínimo de intervenção possível, tanto no vinhedo como na adega. “Devido à alta concentração de sal nos solos e na água da região de Atacama, a quantidade de anidrido sulfuroso necessária é três vezes menor do que a mínima usualmente utilizada”, aponta o enólogo. A única máquina usada durante todo processo de produção foi a de colocar as rolhas nos vinhos, o resto foi tudo o mais artesanal possível. Desde a prensa das uvas (com os pés), passando pelas mais de 100 microvinificações, até a elaboração das amostras e dos blends e o enchimento das garrafas na base da mangueirinha, tudo foi artesanalmente elaborado pelos três enólogos: Felipe Tosso, Alejandro Galaz e Sergio Hormazábal, e alguns poucos funcionários. Para se ter ideia, o projeto conta somente com dois funcionários permanentes.
Ao se provar os vinhos (que avaliamos a seguir em primeira mão), percebe-se que são realmente diferentes, mas muito mais que isso, são muito bons. Na conversa com Tosso, é perceptível que os envolvidos, apesar do árduo trabalho, estão surpresos com a qualidade dos vinhos produzidos, mesmo a partir de videiras tão jovens, o que cria bastante expectativa do que ainda poderá ser produzido ali no decorrer dos próximos anos.
ADEGA teve oportunidade de provar, com exclusividade, 12 vinhos do projeto Tara: sete tintos e cinco brancos, nessa ordem. Devido à grande acidez dos brancos, Tosso recomenda que sejam degustados depois dos tintos. Nenhum dos vinhos passa por filtração. “As borras são antioxidantes”, segundo o enólogo. Ele recomenda ainda que as borras depositadas no fundo da garrafa devam ser misturadas ao líquido, a fim de não comprometer sua complexidade aromática. Assim, os brancos servidos mostraram-se sempre opacos, o que não compromete em nada a qualidade do vinho.
Já a madeira utilizada, é sempre usada e serve como recipiente neutro, somente com a função de armazenar e permitir com que o vinho “respire”, sem aportar nada ao vinho, nem aromas, muito menos textura. Devido à produção muito pequena – são feitas apenas microvinificações –, as amostras só são movidas das barricas para serem engarrafadas. Tudo é feito nelas, desde a fermentação até o estágio.
Todos os rótulos mostraram um elo condutor embasado na acidez vibrante, numa estrutura de taninos sólida, mas muito bem resolvida e, acima de tudo, por uma mineralidade quase salina. Impressiona a profundidade e complexidade do conjunto, bem escoltada por um frescor e uma aptidão gastronômica. São vinhos gostosos de beber, que não enjoam, mas longe de serem simples ou diretos. São diferentes e extremamente complexos. Talvez, por isso, muito cativantes e intrigantes. Mas, mais que tudo, são ótimos vinhos por si só.
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Está atualmente com dois meses de barricas de sexto e sétimo usos, deve ficar mais 10 meses. Apresenta cor vermelho-rubi translúcido de reflexos violáceos e aromas de frutas negras frescas, notas florais lembrando violetas e um caráter mineral, quase salino. Essa salinidade é sentida na boca também, que é frutada, estruturada, com ótima acidez e final longo. Elegância seria a palavra para defini-lo. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Está atualmente com dois meses de barricas de sexto e sétimo usos, deve ficar mais 10 meses. Apresenta cor vermelho-rubi intenso de reflexos violáceos e aromas de frutas vermelhas e negras, notas florais e de especiarias, além de toques minerais. Em boca, é mais estruturado que o Merlot 2013, tem ótima acidez, bom volume de boca e textura sedosa e granulada, sendo mais cheio que profundo, com um final lático curioso. Aqui a estrutura é a base de tudo. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Amostra composta de 70% Syrah e 30% Merlot. Está atualmente com 12 meses de barricas de sexto e sétimo usos. Apresenta cor vermelho-rubi violáceo e aromas de frutas vermelhas e negras frescas, notas florais e exuberante nota mineral, além de toques especiados e herbáceos. Em boca, tem acidez vibrante e ótima textura tânica, que aporta profundidade e elegância ao conjunto. Aparentemente simples e fácil de beber. O introspectivo. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu R$ 300). Tinto composto de 70% Syrah e 30% Merlot, com estágio entre 12/16 meses em barricas de sexto e sétimo usos. Apresenta cor vermelho-rubi violáceo e aromas de frutas negras e silvestres maduras, envoltos por notas especiadas e florais, além de toques minerais. Está mais pronto, mostra mais força, intensidade, impressionante estrutura tânica, porém moldada por mais volume de boca. Tem ótima acidez e final cheio e profundo ao mesmo tempo. O exuberante. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Está atualmente com dois meses de barricas de sexto e sétimo usos, deve ficar mais 10 meses. Apresenta cor vermelho-rubi translúcido e aromas de frutas vermelhas frescas, lembrando cerejas, morangos e framboesas, notas florais, herbáceas e minerais. Em boca, chama atenção pela textura sedosa e acidez vibrante. É suculento e austero ao mesmo tempo, muito profundo e persistente. Aparentemente inofensivo e discreto, mas exalando poder. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Está atualmente com 12 meses de barricas de sexto e sétimo usos. Apresenta cor vermelho-rubi translúcido e aromas de frutas vermelhas mais maduras, quase em calda, envoltas por notas especiadas e florais, além de toques salinos e minerais. Em boca, é frutado, estruturado, com boa acidez, mas mais cheio e com uma sensação mais exuberante e suculenta. O chamativo. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu R$ 300). Elaborado exclusivamente a partir de Pinot Noir, com estágio entre 12/16 meses em barricas de sexto e sétimo usos. Apresenta cor vermelho-rubi translúcido e nos aromas um estilo de fruta vermelha madura, mas muito equilibrada por uma gostosa acidez, com textura semelhante ao 2012, porém, mais sedoso. Uma espécie de mistura da profundidade do 2013 com a suculência e exuberância de fruta do 2012. O coerente. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Atualmente esse vinho é destinado para compor o blend da linha Ramirana, da Viña Ventisquero. Apresenta cor amarelo-citrino opaco. Aromas são predominantemente minerais e herbáceos, envoltos por notas vegetais, de frutas cítricas e de brancas. Em boca, possui ótima textura e acidez vibrante, que aporta intensidade ao conjunto, tudo num final profundo e persistente, lembrando erva cidreira. Impressiona pela profundidade e mineralidade. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Apresenta cor amarelo-citrino fosco e aromas mais acanhados, lembrando melão, frutas brancas e de caroço, notas florais, herbáceas e minerais. No palato, mostra pêssegos e abacaxi fresco e exuberante. Suculento, uma delícia de beber. É longo, equilibrado e profundo, tem acidez vibrante e ótima textura. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Apresenta cor amarelo-citrino opaco e aromas de melão e abacaxi fresco, envoltos por notas minerais e vegetais muito interessantes. Em boca, tem mais volume e corpo, mas com ótimo retrogosto de frutas tropicais. Chama atenção pelo equilíbrio, pela acidez e pela elegância do conjunto. EM
Ventisquero, Atacama, Chile (Cantu, amostra experimental de barrica). Apresenta cor amarelo-citrino fosco e aromas de frutas tropicais como abacaxi, notas florais, herbáceas e de especiarias doces. Este tem mais volume de boca que o 2013, mostrando mais potência. É mais cheio que profundo. Comparado com o seu irmão mais novo, o 2013, é mais exuberante, porém com um pouco menos de elegância. EM
Tara, Atacama, Chile (Cantu R$ 300). Elaborado com Chardonnay (96%) e Viognier (4%). Apresenta cor amarelo-palha opaco e aromas de frutas tropicais e brancas maduras e notas de frutos secos lembrando amêndoas. Em boca, tem essa nota oxidativa, porém envolta por tons de frutas frescas e minerais que trazem vibração ao conjunto. É um misto dos dois anteriores, porém com um toque salino e oxidativo, que traz vibração ao conjunto, tornando-o ainda mais convidativo. Sem dúvidas, o mais mineral dos cinco brancos provados. EM