O CEO do Château Cos d'Estournel, Jean-Guillaume, fala sobre os desafios de gerenciar uma vinícola no mundo globalizado e aponta tendências no mercado internacional
Christian Burgos Publicado em 29/11/2007, às 10h00 - Atualizado em 27/07/2013, às 13h44
"Minha principal força é olhar para o futuro”, diz Prats |
Encontrei Jean-Guillaume Prats para um almoço harmonizado com os vinhos do Château Cos d’Estournel, no tradicional restaurante La Casserole. A história da vinícola começa em 1790, mas apenas 100 anos depois, os vinhos começaram a ser vendidos para distribuidores especializados, que os comercializaram na Escandinávia e nos Impérios austríaco e inglês. No século XIX, as primeiras garrafas foram vendidas para a Índia, motivando a construção do Château, em forma de pagodes inspirados na arquitetura indiana. A conversa que se iniciou formalmente entre Jean- Guillaume e eu, deu espaço a um bate-papo que se tornou uma verdadeira radiografia do moderno mundo do vinho, em uma entrevista exclusiva que ADEGA tem o privilégio de compartilhar com os leitores.
Jean-Guillaume, o Château estava em sua família há muito tempo. Por que foi vendido?
Minha família se envolveu no negócio em 1890 e eu sou a quarta geração na condução do Château. Em 1998, o Château foi vendido devido a questões envolvendo a legislação tributária francesa sobre heranças, e novamente vendido em 2001 a seu presente proprietário, um empresário francês baseado na Suíça. Mas eu permaneci como CEO da empresa.
Sua permanência como CEO fez parte do acordo de venda?
Não. Acredito firmemente que alguém que adquira uma propriedade deste valor não entrega o negócio nas mãos de alguém sem capacidade. E Cos d’Estournel foi vendido duas vezes. Então, acredito que não teria permanecido na posição se não estivesse conduzindo bem o negócio.
Você assumiu a empresa muito cedo. Você estava preparado para isto?
Eu sou CEO desde meus 28 anos. Eu fui o mais novo CEO de uma propriedade de destaque em Bourdeaux. Hoje, passados dez anos, tenho certeza que continuo sendo o mais jovem... Para ser honesto, não creio que naquele tempo estava preparado, mas assim é a vida, cheia de desafios. Sendo jovem, acredito que minha principal força foi, e continua sendo, olhar para o futuro e não para o passado.
Como você se capacitou para conduzir Cos d’Estournel?
Eu me formei em Administração de Empresas em Londres e Paris. Tive a oportunidade de ser educado fora de Bourdeaux, o que provavelmente me possibilitou viver fora de um Château e ver a vida como realmente ela é. Se Bourdeax tem uma fraqueza, ela é a falta de gestão de alto nível. Basta comparar com as empresas de Champagne, Califórnia, Chile... Hoje todos os gestores de alto nível vem de fora de Bourdeaux.
Com essa ausência de gestores, você acredita que a França está à altura dos desafios da competição global?
Sem dúvida. Se você olhar para grandes investimentos feitos no Novo Mundo, muitos são de companhias de Bourdeaux: Almaviva, Opus One, Chryseia... Até Jacob Creeks, na Austrália, pertence a Pernod Ricard. Eles são o rótulo número um de lá. Há uma longa tradição da França em atuar além de suas fronteiras. E eu continuo esperando para ver um investimento de uma companhia do Novo Mundo em Bourdeaux.
Sua empresa olha para oportunidades no Novo Mundo?
O proprietário de Cos d’Estournel não quer fazer isto. O que é perfeitamente aceitável. Eu penso que Cos d’Esotunel não deveria se espalhar como outros fizeram.
Você tem uma visão prática da enologia e vive neste mercado desde que nasceu. Quais são as principais tendências no mundo do vinho?
Eu penso que nós estamos apenas começando a ver os grandes vinhos do mundo tornando-se mais caros. Os preços vão continuar a subir muito rápido. O fato é que isto não está ocorrendo apenas com os grandes vinhos de Bourdeaux, mas também com os vinhos top da Austrália, Califórnia, Argentina. Ocorre que a base de clientes está se tornando maior para os vinhos top. Por outro lado, penso que veremos grandes marcas internacionais produzindo bons vinhos a preços acessíveis, que encontrarão compradores, pois fazem bem à saúde.
O que acontecerá quando os vinhos se tornarem caros demais?
Por exemplo, os vinhos top de Bourdeaux se tornarão tão caros que alguns consumidores começarão a procurar alternativas. E eles irão para vinhos novos, como os californianos.
O mesmo efeito beneficiará seus vinhos. Não?
Absolutamente. Hoje Cos d’Estournel é 1/5 do preço de um Premier Cru. Acredito que esta diferença de preços vai continuar a aumentar e, de repente, os consumidores vão pensar: “Aliás, por que não compro Cos d’Estournel? É tão bom ou melhor que um Premier Cru e custa 1/5 do preço?”. E, então, os preços dos outros vinhos de Bourdeaux vão subir seguindo a tendência.
Por um lado você está ligado à tradição. Por outro pensa utilizar screwcaps em alguns de seus vinhos. Como equilibra isso?
É uma questão delicada e não há receita para isto. Eu sou afortunado por ter uma herança e tradição, eu sou afortunado por poder fazer algo que a geração que veio antes de mim fez, mas ao mesmo tempo eu tenho que olhar para a era moderna, olhar para a concorrência e para o mercado. Onde está o limite? Eu realmente não sei.
Para Prats, os impostos de importação são o único problema do novo mercado |
Como você vê o mercado brasileiro em comparação a outros, como China?
Para mim há uma diferença enorme. O Brasil é um mercado sofisticado, educado e próspero, com um único problema: os impostos de importação. Se os impostos fossem menores, seria um dos maiores mercados do mundo.
Na classificação de 1855 Cos d’Estournel foi considerado um Deuxième Cru (segundo nível na classificação após Premier Cru). Você pensa na importância de torná-lo um Premier Cru?
Seria ótimo, pois seria um reconhecimento, mas a classificação de 1855 é muito parecida a um título aristocrático. Em um ponto da história, um membro de sua família é nomeado duque, conde ou barão, e isto passa de geração a geração. Você torna-se duque quando nasce. Não é relevante se você mereceu ou não este título. Assim, você tem que se comportar como um duque, senão as pessoas dirão que você não é aristocrático. Em Bourdeaux, ocorreu algo parecido. Em um ponto da história, os títulos foram dados. Mas o mercado e o consumidor se manifestam, como se dissessem: “eu reconheço que você não deveria ser um Deuxième Cru, eu não estou satisfeito em pagar este preço. Seu vinho não está a altura deste padrão”. Hoje há Deuxièmes Crus vendendo o vinho mais barato que nossa segunda marca.
O que você poderia fazer para tornar Cos d’Estournel um Premier Cru?
Eu penso que eu teria que me tornar presidente da França e assinar os documentos (risos)... Este é provavelmente o mais eficiente meio de fazê-lo. Eu teria que me envolver na política.
E, é claro, você não quer fazer isto...
Bem. Eu poderia. Nunca se sabe.